segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

2007 na TV


EURONEWS
O programa que mereceu mais destaque, audiências e horas de transmissão foi obviamente a Presidência Portuguesa da União Europeia, rematada com a assinatura de um novo Tratado, mas pautada por várias iniciativas de grande impacto.
José Sócrates assumiu com elevação o papel que melhor lhe parece encaixar e levou a bom porto várias empreitadas de monta, entre as que herdou da Presidência Alemã e as que assumiu como prioridade para a Presidência Portuguesa, com realce para a também recente Cimeira Europa-África.

TRAVEL CHANNEL
Antes, o Primeiro-Ministro Português já acrescentara mais alguns cenários à colecção de fotos dos locais em que fez jogging pela manhã. Neste âmbito, se não se atreveu a enfrentar a Grande Muralha da China, não deixou de juntar ao seu registo pessoal a Praça Vermelha de Moscovo em mais uma das suas iniciativas de diplomacia económica.
De ficar com os olhos em bico foi a declaração do ano, da autoria do sempre imprudente e algo disparatado Ministro da Economia, quando aproveitou a deslocação a Pequim para defender os investimentos no nosso País, por forma a que fosse possível aproveitar os “baixos salários” dos trabalhadores portugueses.

PEOPLE & ARTS
O protagonismo de José Sócrates foi particularmente bem secundado com a meteórica ascensão de Nicolas Sarkozy e com a consolidação inspiradora do trabalho de Angela Merkel, e seriamente ameaçado com a dominância mediática de Joe Berardo.
O investidor português, que saltitou entre a defesa dos pequenos investidores da PT, a criação do seu Museu no Centro Cultural de Belém, os reparos ao potencial físico de Rui Costa e a influência no processo do BCP, merece especial relevo pela introdução do comum dos cidadãos com uma nova versão de “Economês”.

NATIONAL GEOGRAPHIC
Também em 2007, o Ambiente e a Sustentabilidade do Desenvolvimento Económico voltaram a estar na primeira linha das preocupações mundiais.
Al Gore recebeu o Nobel da Paz pela sua acção de sensibilização para as alterações climáticas. A Cimeira do Bali trouxe novos compromissos e objectivos para o topo das prioridades políticas internacionais. O petróleo continuou a sua escalada de preços ininterrupta. Por cá, começou a discussão do impacto das Linhas de Alta Tensão.

RTP1/SIC/TVI
A definição mais concreta das prinicipais linhas de intervenção do QREN – Quadro de Referência Estratégica Nacional, as regras de acesso e as tipologias dos projectos contemplados deixa um sabor agridoce no conjunto dos agentes económicos nacionais.
Embora ainda só tenha havido pequenos simulacros de abertura de candidaturas à generalidade dos Programas Operacionais, a sensação com que se fica é a daqueles concursos de fim de tarde ou princípio de madrugada das televisões generalistas: pode-se sair de lá milionário, mas normalmente só se recebe um cheque de 50€ em compras nas Lojas Singer…

CANAL PANDA/AXN
A discussão em torno da estratégia próxima e da localização do novo aeroporto de Lisboa reuniu ingredientes de dois dos principais canais por cabo. Por um lado, por entre estudos, contra-estudos, leituras diagonais, declarações bombásticas e posições contraditórias ou contraditadas, assemelhou-se a uma daquelas séries do AXN, com muita emoção e vários episódios em infindáveis temporadas.
Todavia, quando se analisa a frio a postura dos protagonistas, pensamos que saíram quase todos de um qualquer programa do Canal Panda.

RTP-N
Mais a Norte, chora-se o leite derramado, tenta-se perceber como foi possível bater no fundo e ver os outros passar à nossa frente, clama-se pela Regionalização e dão-se passos com vista ao fortalecimento da Euro-Região.
Iremos a tempo ou será apenas mais uma tentativa frustrada de salvar um canal sem audiência?

CANAL PROGRAMAÇÃO
Se optar por ter uma panorâmica mais geral do que esteve em exibição, terá visto salpicos da animação que as Ofertas Públicas de Aquisição da Sonae.com à PT e do BCP ao BPI trouxeram ao mercado de capitais, via Canal Bloomberg.
Terá talvez, vislumbrado o reforço da oferta disponível no Gigashopping graças ao aparecimento de mais umas dezenas de médias e grandes superfícies comerciais em todo o País.
Terá, também, acompanhado o início das actividades radicais de algumas Autarquias nacionais no Extreme Sports Channel, à medida em que estas se lançavam para uma modalidade de contratos de Parceria Público-Privada, sem paraquedas.
Descontando o tempo que me concedeu para ler estas linhas, estará ainda a acompanhar em pormenor as incidências da programação do Millennium TV, cujas cenas escaldantes – que contam com a participação do Banco de Portugal, da CMVM, do Ministério das Finanças e de vários Administradores desta e de outras Instituições Financeiras – têm sido alvo de uma divulgação resumida nas madrugadas de fim-de-semana no Canal XXL. Obviamente…

Não abuse da televisão e tenha um óptimo ano de 2008!

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Dia de Natal


Durante dias ou semanas a fio, correu lojas, pequenas, médias e grandes superfícies comerciais para comprar as prendas dos miúdos, do pai, da mãe, do tio, da prima, do vizinho e do colega, para lá da lembrança da loja dos trezentos para a festa dos amigos.
Chateou-se com o concorrente daquele último lugar de estacionamento, quase atropelou a senhora carregada de sacos que arrastava a miúda pelo cachecol a caminho da paragem do autocarro, discutiu preços com o marido ou a esposa, lamentou-se do encargo orçamental que esta época sempre representa e prometeu que para o ano um postal basta… Então se for da UNICEF até se está a fazer uma boa acção!
Por entre a correria, cruzou-se ora animado ora inquieto com o rebuliço nas ruas, ouviu os cânticos de boas festas e tropeçou nos Pais Natal e nas animações de ocasião.
Não havia, porém, muito tempo para parar em cada uma das escapadas consumistas da hora de almoço, do fim do trabalho, de antes do jantar, de logo após o café, de cada fim de semana em que, valha-nos isso, as lojas encerram bem mais tarde do que é habitual.
Depois teve que se preparar a ceia, que ir buscar o bacalhau, que comprar as couves e o vinho, que reservar o bolo-rei e o pão-de-ló, que telefonar aos parentes para desejar boas festas, que enviar e-mails e sms para toda a base de endereços que o Outlook e a memória do telemóvel comportavam.
A refeição (como qualquer outra) correu a gosto, intercalada com as últimas da novela da noite, a discussão quanto ao número de folhas de cada posta de bacalhau face ao exemplar do ano anterior, o anúncio da chegada das rabanadas e dos mexidos.
Depois, a promessa de que no ano que vem não falha a ida à missa do galo, o frenesim de abertura dos presentes, o amontoado das ofertas lado a lado com a pilha de papéis de embrulho que tão rapidamente deixaram de cumprir a sua função. Se alguém se engana vai tudo junto para os sacos de lixo que mais tarde do que cedo virão recolher e que são o testemunho último da grandeza da festa já quase dada por terminada…
Amanhã volta o trabalho, se houver.
Volta-se a pensar nas contas do fim do mês que mais um ano difícil tornou cada vez mais complicado de contornar. Subiram os juros, os preços e as despesas com os bens mais essenciais.
Começa-se a falar dos aumentos para o próximo ano mas o que vem para casa não parece compensar a catadupa de subidas que os noticiários avançam para o cabaz base da vida doméstica no ano vindouro.
As nuvens permanecem fortes, carregadas, no horizonte. Diz o Primeiro que tem orgulho em nós e que os dias de primavera chegam sempre em Março. Diz o segundo, que temos que dar as mãos e fazer mais um esforço para ultrapassar os desafios que cada novo Bojador nos coloca no caminho.
Diz outro ainda que vai dedicar cada vez mais atenção aos nossos problemas e desenvolver iniciativas inovadoras para apresentar soluções cabais para as nossas necessidades. Mas, não o disse também no ano que foi? E chegou a tentar?
Fazem-se planos e promessas para mais um ano que se avizinha. Quilos que se querem perder. Amizades para reanimar. Carinhos para distribuir. Sucessos para alcançar.
O turbilhão das rotinas volta a ameaçar com toda a sua voracidade a pacatez de mais este Dia de Natal.
Desligue, por isso, ao longo das próximas horas, de todas essas ansiedades e inquietações.
Olhe à sua volta e sinta o que é verdadeiramente mais importante nesta quadra, como em cada dia das nossas vidas.
Transforme em gestos as palavras de ocasião. Sem economizar.
Lembre-se que, mesmo que não queira, hoje é Natal.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Europa-África II


Na pretérita semana apresentei inúmeros dados retirados do último Relatório do Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, relativos ao ano de 2005, para demonstrar o desequilíbrio estrutural entre a generalidade das nações europeias e africanas, em matéria de níveis de desenvolvimento económico e social.
A estes dados de natureza estatística poderíamos juntar vários outros factores de índole política, histórica, militar e ambiental para perceber quais as fontes de desfasamento entre as duas contrapartes da última Cimeira de Lisboa.
Assim, pela negativa, teremos que ter em conta a instabilidade política que ainda grassa em muitos dos países africanos, os conflitos militares que os dilaceraram sob todos os pontos de vista até a um passado recente, o acumular de défices na sua Balança de Pagamentos e a forte dependência que existe do exterior em matéria de bens industriais e produtos de cariz tecnológico.
Em contrapartida, a esmagadora maioria das nações africanas dispõe de significativos recursos naturais, dos minérios aos recursos energéticos, que as tornam um alvo apetecível dos investimentos e da batalha económica entre o Ocidente e o Oriente que deu sequência histórica à disputa entre as nações que lideravam a Guerra Fria durante as últimas décadas do século XX.
Tudo isto para perceber que a intenção declarada, e subjacente à Cimeira de Lisboa – como antes estivera na base da I Cimeira Europa-África que se realizou no Cairo no ano 2000 -, de transformar um relacionamento entre colonizador e colonizado ou entre doador e beneficiário numa parceria entre partes equiparáveis regista significativas condicionantes à sua implementação prática.
Daqui se compreende toda a polémica suscitada pela proposta de estabelecimento dos designados APE - Acordos de Parceria Económica (APE), quer junto de alguns Estados africanos, quer por parte de diversas Organizações Não Governamentais internacionais, que consideram que a aplicação destes Acordos pode provocar sérios danos na estrutura económica dos países menos desenvolvidos.
Os APE são um conjunto de compromissos a celebrar entre a União Europeia e diversos Estados Africanos ou os seus blocos regionais representativos que visam dar sequência aos objectivos dos Acordos de Cotonou e que traduzem a aplicação dos princípios de liberalização económica da OMC – Organização Mundial do Comércio às trocas entre estes dois continentes.
Através dos APE, e a partir do início de 2008, os países africanos verão abrir-se as fronteiras dos países da União Europeia, mas serão confrontados também com um mais fácil acesso das exportações da União e dos capitais dos países europeus aos seus mercados internos.
Por força dos desequilíbrios antes expostos e da natureza destes compromissos de liberalização das trocas percebe-se que exista o receio de que sejam novamente os mais fortes a extrair os proveitos mais significativos ou a questionar-se mesmo os benefícios que daí podem advir para as contrapartes mais frágeis.
Assim se compreendem as palavras fortes do Presidente da Comissão da União Africana – cargo equiparável ao que hoje é desempenhado por Durão Barroso na União Europeia -, Alpha Konaré: “África está a mudar, para seu benefício e não da Europa”, ao mesmo tempo que rejeitou a "fatalidade" da pobreza em África e que pediu aos europeus para não olharem para o continente apenas "como um mercado".
Na base dos receios africanos está a percepção de que o faseamento previsto na abertura dos seus mercados pode não assegurar as condições mínimas de salvaguarda para o tecido económico local, ao passo que a supressão das tarifas aduaneiras hoje cobradas pode representar uma significativa perda de receita para os Governos nacionais.
Ainda assim, os Acordos de Parceria Económica prevêem a manutenção e reforço da assistência técnica Europeia aos países Africanos, que deverá ser acompanhada de reformas estruturais que assegurem a competitividade futura destes países.
Na óptica europeia e da OMC, os APE são “instrumentos de desenvolvimento”. Na perspectiva dos seus opositores, são um mero preço que se quer impor aos países africanos como contrapartida dos apoios recebidos dos países desenvolvidos.
Para estes críticos, impunha-se uma revisão completa das orientações destes Acordos que levasse a que a cooperação comercial entre estes blocos fosse baseada no princípio da não reciprocidade, protegesse os mercados nacionais e regionais dos produtores dos países africanos, acabasse com a pressão para a liberalização do comércio e do investimento nestes países e tornasse possível um maior espaço de manobra política para uma integração faseada destes países no processo de globalização.
Na óptica europeia, não só estes países poderão ganhar com as sinergias da abertura das suas fronteiras e do potencial investimento estrangeiro que poderão atrair, como a própria questão das receitas fiscais pode ser mitigada com o acréscimo das receitas de impostos análogos ao IVA ou ao IRC.
Teremos que esperar mais sete anos por novos desenvolvimentos?

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Europa-África I


De acordo com o último Relatório do Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, assente em dados relativos a 2005, a Islândia ultrapassou marginalmente a Noruega para atingir o topo do ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), um indicador compósito que abarca componentes económicas, demográficas, sociais, ambientais e de outras naturezas conexas.
Se nos centrarmos nos países da União Europeia, a liderança cabe à Irlanda, no 5º lugar da tabela do IDH, com um valor de 0,959, mas logo seguida por mais quinze parceiros da União antes de se atingir o 29º lugar de Portugal, que atinge os 0,897 no IDH.
De entre os 27, os últimos lugares pertencem aos mais recentes membros da família Europeia, a Bulgária (53ª) e a Roménia (60ª), mas ambas ainda dentro do grupo de países de desenvolvimento humano elevado.
Se o IDH é, em si mesmo, um indicador um pouco asséptico, atentemos, por exemplo, aos dados da Esperança Média de Vida à Nascença: Irlanda, 78,4 anos; Suécia e Espanha, 80,5 anos; Portugal, 77,7 anos; Estónia, 71,2 anos.
Na taxa de literacia dos adultos, os valores oscilam entre os 99% de uma parte substancial dos Estados-membros, os 93,8% de Portugal e os 87,9% de Malta.
Finalmente, o Produto per capita (Ppc) varia entre os 60.228 dólares do Luxemburgo, os 38.505 dólares da Irlanda, os 20.410 dólares de Portugal e os 9.032 dólares da Bulgária.
Dos 70 países que pertencem ao nível de desenvolvimento mais elevado, apenas um as Ilhas Maurícias (na 65ª posição, com um IDH de 0,804, um Produto per capita de 12.715 dólares, uma taxa de literacia de adultos de 84,3% e uma Esperança média de vida de 72,4 anos) pertence ao Continente Africano.
No nível abaixo, podemos encontrar, entre outros, países como a Tunísia, Cabo Verde (o primeiro entre os PALOP, no 102º lugar), a Argélia, o Egipto, a África do Sul ou S. Tomé e Príncipe (123º).
Mas é no nível dos países de menor desenvolvimento humano que se pode encontrar uma percentagem esmagadora de membros do contingente africano. Lá estão Angola (162º), Moçambique (172º) ou a Guiné-Bissau (175ª e antepenúltima do ranking das Nações Unidas).
Qualquer destes países tem um IDH inferior aos 0,45 (o que, matematicamente, corresponde a não atingir o nível mínimo de aprovação em termos de desenvolvimento), tem uma esperança média de vida à nascença inferior aos 46 anos, um Produto per capita entre os 2.335 dólares de Angola, os 1.242 dólares de Moçambique e os 827 dólares da Guiné e uma taxa de literacia de adultos de 67,4% em Angola, mas apenas 38,7% em Moçambique.
Nesta classe de países, podemos, porém, encontrar dados ainda piores: a esperança média de vida à nascença na Zâmbia é de 40,5 anos; o produto per capita do Malawi é de 667 dólares e a taxa de literacia de adultos é de 23,6% no Burkina-Faso. No cômputo geral do IDH, a última posição pertence à Serra Leoa, com um valor de 0,336.
No Sudão, há 5,4 milhões de cidadãos que abandonaram as suas casas. Este número cifra-se entre os 1,2 e os 1,7 milhões de pessoas no Uganda e ascende a 1,1 milhões de Congoleses, ao que acresce mais 400 mil refugiados no exterior.
A taxa de electrificação do País não ultrapassa os dez por cento no Uganda, Malawi, Congo, Moçambique ou Burkina-Faso. Percentagens muito significativas das populações destes países não têm acesso às mínimas condições sanitárias exigíveis, a água potável ou a condições de acompanhamento da maternidade (o que leva uma percentagem significativa das crianças a terem pesos e alturas inferiores ao desejável para as suas idades).
Todo este conjunto de dados traça um quadro extremamente dicotómico e quase simétrico entre dois continentes vizinhos entre os quais a História chegou a criar laços de sangue e cultura umbilicais.
Não se percebe, pois, o distanciamento que ainda hoje se cultiva entre ambos, os sentimentos de constante confrontação, a forma como parecem cuidar de estreitar relações com terceiros para fazer ver ao outro parceiro que o mesmo é dispensável na sua existência.
Em qualquer circunstância, a realização de uma Cimeira como a que esta semana teve lugar em Portugal tem méritos inquestionáveis.
Na próxima semana, porém, tentaremos avaliar porque é que o maior fracasso da Cimeira foi precisamente no campo económico. Mas os dados que antes apresentei deixam já pistas significativas…

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Os custos de contexto

Há poucos meses, um amigo empresário dava-me nota da animada troca de argumentos entre os membros do Conselho Consultivo de certa Associação Empresarial que, na sua maioria, contestavam o agravamento das responsabilidades e custos derivados das contrapartidas que tinham que apresentar, em particular às Autarquias Locais, na sequência de diferentes projectos que implicavam a sua apreciação.
A questão já não é propriamente nova mas talvez tivesse até a um período recente, um cunho algo informal.
Na verdade, quem não conhece casos de um determinado loteador que se disponibilizou a alargar/pavimentar/murar/concluir um dado caminho público próximo da zona em que está a intervir?
Quem não se lembra da discussão em torno das contrapartidas para o comércio da Baixa do Porto, liderado pela Associação da Laura Rodrigues, aquando das alterações ao Plano de Pormenor das Antas e do aparecimento de novas superfícies comerciais?
Recentemente, Jaime Lopes, Presidente da Chamartín Imobiliária – a promotora dos Centros Comerciais Dolce Vita – aproveitou um encontro com a Imprensa em que divulgou os contornos da proposta que esta entidade apresentou a um concurso lançado pela Câmara Municipal de Leiria para enquadrar um pouco melhor a questão.
Assim, dizia este empresário que “sendo os centros comerciais politicamente incorrectos (pelos muitos processos que suscitam, como, por exemplo, os de organizações ambientalistas), uma Câmara Municipal para aprovar um centro comercial tem que ter contrapartidas”.
Em entrevista ao Jornal de Notícias, o líder da Chamartín Imobiliária precisava ainda mais a sua ideia: “Obter um licenciamento enquanto centro comercial puro e duro é cada vez mais complicado, não é politicamente correcto. Hoje, um centro comercial tem de contribuir para o desenvolvimento da comunidade em que se insere, tem de funcionar como uma âncora urbana que alavanque a requalificação dos centros das cidades”.
No caso do projecto de Leiria, tido como o melhor de sempre da empresa, a Chamartín Imobiliária apresentou a concurso uma proposta de requalificação urbana que implicará investimentos de quase 200 milhões de euros, numa área de intervenção de 25 hectares, onde nascerão um centro comercial, um pavilhão multiusos e um renovado mercado municipal.
Desta cifra, a Chamartín Imobiliária propõe-se investir 74 milhões de euros em contrapartidas, isto é, no desenvolvimento de edifícios, infra-estruturas e outros espaços que fazem parte do caderno de encargos e dos quais o promotor imobiliário não tirará rendimentos.
Já na passada semana, no decurso da última Assembleia Municipal de Braga, o Presidente da Autarquia local assegurou publicamente que também “esta Autarquia não está a dormir” e que não só a Chamartín Imobiliária – que recentemente viu licenciado um Dolce Vita neste Concelho - irá suportar o custo integral da chamada Variante do Cávado (uma nova via estruturante com um custo de 5 milhões de Euros), como o Grupo das Confecções Regojo – que adquiriu um quarteirão na principal artéria da cidade para aí instalar um novo espaço comercial -, irá suportar parte substancial do custo de prolongamento de um túnel rodoviário que irá possibilitar a criação de uma praça pedonal fronteiriça a tal espaço e ao renovado Teatro Circo.
Na ocasião, ficou ainda por revelar quais as “contrapartidas” que a Autarquia Bracarense obteve pelo licenciamento do Espaço Braga, uma outra grande superfície comercial que também já obteve autorização para a sua instalação em Braga.
Em boa verdade, no caso de Braga este conceito de “contrapartidas” é até algo relativo, uma vez que a Câmara Municipal local nunca questionou ou condicionou a emissão de pareceres favoráveis a este tipo de factores, antes assegurando a apreciação estrita do enquadramento urbanístico dos projectos.
Ora, é precisamente este tipo de situações que me leva a ter “mixed feelings” em relação à proliferação destas situações que os empresários que referi inicialmente tipificavam como “custos de contexto”.
Por um lado, acho positivo que as Autarquias assumam certo tipo de exigências junto das suas contrapartes que beneficiem o conjunto da comunidade ou certa zona específica de intervenção e também me parece de saudar a “responsabilidade social” dos promotores de certo tipo de projectos em relação ao seu Concelho/Zona de acolhimento (e que se pode vislumbrar também noutro tipo de contrapartidas não públicas, como o apoio a colectividades locais, a garantia de colocação preferencial dos residentes, etc.).
Todavia, creio que estas situações introduzem certa subjectividade/arbitrariedade na apreciação de matérias que deviam ter regras e critérios objectivos, aplicáveis de forma transparente e uniforme a todas as situações.
Em suma, algo que só pode ser minorado se cada um destes casos for publicamente apresentado com rigor e detalhe, para se perceber a lógica de actuação de uns e as motivações de outros, como bem acontece no caso do Concurso de Leiria.
Se assim não for, abre-se porta a todo o tipo de cogitações.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

A DMIF


Depois de alguns anos de discussão, foi finalmente aprovada e já transposta para a ordem jurídica nacional a Directiva Comunitária 2004/39/CE, mais conhecida pela DMIF – Directiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros.
Esta Directiva aplica-se já aos 27 Estados-membros e entrou em vigor a 1 de Novembro último, tendo como objectivos essenciais promover a plena integração dos Mercados de Capitais na União Europeia, dinamizar os espaços de negociação, regular as condições de exercício de actividade pelos diferentes intermediários e assegurar o reforço da protecção dos investidores.
Se serão os intermediários financeiros os mais afectados no desenvolvimento da sua actividade pela entrada em vigor da DMIF, qualquer investidor particular estará hoje a ter contacto com esta nova realidade, à medida que a sua instituição financeira lhe atribua a respectiva Classificação de Cliente.
Na base do tal espírito de aumento da protecção dos investidores, esta classificação pode, de acordo com os critérios da DMIF, assumir uma de três possibilidades: Cliente Não Profissional, Cliente Profissional e Contraparte Elegível.
Como ponto de partida, todos os Clientes são classificados como Não Profissionais, merecendo um grau de protecção máximo, mas podem vir a migrar para uma das demais classificações em função dos seus níveis de conhecimento e experiência de intervenção nos mercados de instrumentos financeiros, aferida pela realização de questionários específicos, e pela verificação de certos critérios adicionais.
Por exemplo, para lá de vários tipos de sociedades financeiras e instituições públicas e das pessoas que tenham solicitado expressamente a sua classificação como Profissionais (e que a mesma tenha sido aceite pelo intermediário financeiro), podem também incluir-se nesta classificação as pessoas que prestem serviços de investimento ou que exerçam actividades de investimento e grandes empresas cuja dimensão, de acordo com as suas últimas contas individuais, satisfaçam dois de três critérios relacionados com a sua situação líquida (superior a 2 milhões de Euros), o seu activo total (maior que 20 milhões de Euros), e/ou o seu volume de negócios líquido (acima de 40 milhões de Euros).
Uma vez que a DMIF assume que os Clientes Profissionais e as Contrapartes Elegíveis são aqueles que dispõem da experiência e dos conhecimentos necessários para tomar as suas próprias decisões de investimento e para ponderar os riscos incorridos em cada operação, assegura-lhes um menor volume de protecção, traduzido no volume e periodicidade de informação que lhes deve ser prestada pelos Intermediários Financeiros.
A par com a Classificação dos Clientes, a DMIF destrinça também duas categorias de instrumentos financeiros: os Complexos (como os Warrants, Certificados, Títulos de Participação, Direitos sobre valores mobiliários, ou os Instrumentos Derivados) e os Não Complexos (em que se incluem as Acções, as Obrigações, as Unidades de Participação em Fundos de Investimento comuns, o Papel Comercial, os Bilhetes do Tesouro, entre outros).
Ora, subordinado ao princípio geral do KYC – Know Your Customer, os Intermediários Financeiros deverão promover a realização de dois tipos de Questionários de Adequação junto dos seus clientes, em função do binómio Classificação de Cliente/Tipo de Investimento que se pretende realizar.
Teremos, assim, por um lado, o Questionário de “Appropriateness”, que afere se um Cliente Não Profissional pode executar ordens sobre Instrumentos Financeiros Complexos com a concordância do Intermediário Financeiro, assentando na recolha de informação acerca da experiência e conhecimento do Cliente em matéria de investimento por tipo de instrumento ou por serviço a prestar.
E, por outro lado, os Questionários de “Suitability”, aplicáveis à prestação dos serviços de Gestão de Carteiras ou Consultoria para Investimento, e que exige a recolha de informação adicional relativa à situação financeira e aos objectivos de investimento do Cliente, qualquer que seja a sua classificação.
Em boa verdade, qualquer tipo de Cliente poderá executar ordens sobre as diferentes classes de instrumentos financeiros, mesmo que não reúna os requisitos específicos para tal. Trata-se da aplicação do princípio geral da sociedade de que ninguém pode ser forçado a proteger-se dos erros/riscos que queira assumir (se exceptuarmos talvez a obrigatoriedade de utilização de capacete e cinto de segurança).
Ainda assim, deve o intermediário financeiro ficar com evidência expressa da vontade do investidor para salvaguarda própria caso esse investimento não corra como desejado, sob pena de incorrer em pesadas sanções.
No cômputo geral, para lá deste tipo de questões a DMIF impõe também a prestação de um amplo leque de informações aos investidores antes, durante e após a realização dos seus investimentos.
Reúne, pois, os ingredientes necessários para o fortalecimento da confiança nos mercados por parte dos investidores particulares. Mas irão os mercados ajudar?

terça-feira, 20 de novembro de 2007

A morte da FNAC


Em todo o mundo, tem-se assistido a diversos fenómenos que põem em causa o futuro de uma loja com as características do projecto FNAC.
Por um lado, se em Portugal ainda vamos registando progressos ao nível dos hábitos de leitura face à base quase residual de que partimos há poucos anos, na maior parte dos países desenvolvidos o mero acto de ler um livro tende a ser paulatinamente substituído por outros veículos de lazer alternativos.
Daí que, a prazo, quase se possa imaginar um Mercado do Livro particularmente centrado no segmento técnico, nos públicos especializados e nos indefectíveis da leitura.
Mesmo aí, porém, com recurso crescente às edições electrónicas que já vão proliferando na Internet, quer das obras originais, quer em versões customizadas, totalmente ajustadas ao interesse do leitor individual.
Já hoje, aliás, como dava nota neste espaço aquando da semana do comércio electrónico que se assinalou em Outubro último, os bens mais transaccionados através da Internet são os livros, CDs, DVDs e outros produtos informáticos.
Ora, se não está aí em causa o “negócio” da FNAC enquanto projecto, estes dados acabam por condicionar os formatos adoptados e conduzem à emergência da sua plataforma comercial electrónica, a par dos modelos de lojas tradicionais.
Nos sectores da música, filmes e software, junta-se a esta última questão particular o problema da disponibilização de conteúdos gratuitos on-line, muitas vezes associados à prática de pirataria.
A este propósito, a única solução é aquela que o Presidente do Grupo apontava na entrevista que concedeu ao Público no passado dia 13 de Novembro – o recurso à regulamentação -, mas a verdade é que não só não parece haver uma vontade política e popular clara em torno da adopção de medidas dessa natureza, como a própria dinâmica social e tecnológica aponta para o aparecimento contínuo de novos canais de distribuição destes conteúdos de forma gratuita.
Daí que, excluídas essas classes de produtos, a oferta FNAC tenda a centrar-se mais em áreas alternativas, como a informática, a electrónica, as telecomunicações ou a fotografia. Aqui, apesar da proliferação de uma concorrência não menos feroz, a FNAC poderá sempre fazer prevalecer a riqueza da gama disponibilizada, a centralização de recursos ou a oferta complementar de serviços em seu benefício.
Curiosamente, apesar de haver quem tema pelo futuro do projecto e de todos os outros concorrentes deste sector, a verdade é que a FNAC parece algo imune a estes desafios: em França, seu país de origem, a FNAC tem 69 lojas em 56 cidades distintas, a que acrescem 41 estabelecimentos espalhados pela Bélgica, Brasil, Itália, Espanha, Suiça, Grécia e Portugal.
No nosso País, a FNAC tem vindo a registar um crescimento sustentado desde 1998, ano em que abriu a primeira loja do Grupo no Centro Comercial Colombo, em Lisboa, e que ainda hoje continua a ser a maior em Portugal, tendo mesmo sofrido obras de remodelação recentes.
Alfragide e Braga foram, desde a pretérita semana, a 11ª e a 12ª loja do Grupo no nosso País, respectivamente, num plano de expansão que aponta para a cifra das 20 lojas em 2010.
No último ano, as vendas do Grupo terão atingido os 5 mil milhões de Euros, dos quais, cerca de 6% terão sido realizados em Portugal, o que leva o Presidente do Grupo, “Denis Olivennes” a considerar “que a aposta em Portugal constituiu "um dos melhores investimentos feitos pela FNAC", mesmo que contrariasse os estudos de mercado iniciais.
No cômputo geral, o êxito da FNAC parece assentar em algumas especificidades que o projecto tem sabido alimentar ao longo dos anos.
Numa óptica estritamente comercial, destaca-se o facto de agregar num mesmo espaço produtos e serviços de natureza tão diversa como os que antes foram referidos.
Mas, mais do que isso, a FNAC soube diferenciar-se pela sua forte ligação ao meio cultural, quer por se assumir como canal de distribuição dos bilhetes para a generalidade das salas de espectáculos, quer por funcionar, ela própria, em cada um dos seus estabelecimentos, como um pólo de dinamização cultural do meio envolvente.
É talvez por isso que, contrariando as tais perspectivas pessimistas, a FNAC possa citar Mark Twain com toda a propriedade e afiançar que “as notícias da sua morte são manifestamente exageradas”…
Mas, é especialmente por esse papel de catalisador cultural que os Bracarenses podem finalmente congratular-se pela chegada da FNAC à sua cidade.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Mais um Orçamento de Estado


O Partido Socialista voltou a aprovar isolado na Assembleia da Republica a proposta de Orçamento de Estado (OE) para 2008, na sua votação na generalidade.
De ano para ano, este tipo de debates tem vindo a perder consistência e interesse e a esgotar--se cada vez mais no conjunto de 2/3 argumentos mediatizáveis que cada força política (Governo incluído) tenta colocar no topo da informação publicada do dia seguinte e das reportagens de meio dos noticiários.
Pela sua natureza e pela forma como estes debates estão organizados em sede Parlamentar não há aqui a mesma possibilidade que existe por exemplo ao nível das Autarquias Locais de cada uma das forças partidárias da Oposição apresentar contributos consistentes de intervenção para os diferentes domínios da Governação, tendendo as diversas intervenções a orientar-se para matérias de pormenor, mais propícias ao debate do OE na especialidade.
Assim sendo, normalmente é mais fácil perceber as verdadeiras políticas alternativas de tais forças políticas através, por exemplo, de artigos de opinião dos seus dirigentes e militantes mais destacados (no caso do PSD, enquanto principal alternativa de poder, atente-se aos textos recentes de Manuela Ferreira Leite, Patinha Antão ou Miguel Frasquilho), do que através das questões que são directamente colocadas ao Primeiro-Ministro em sede de debate na Assembleia da Republica.
Nestas circunstâncias, por acréscimo, mais do que discutir-se o documento em concreto, Poder e Pposição tendem a esgrimir argumentos estatísticos sobre o real estado da economia no presente e passado (mais ou menos recente), daí procurando extrapolar conclusões sobre as suas prováveis evoluções futuras.
Quem quer que tenha acompanhado minimamente os diferentes meios de comunicação social ao longo dos últimos dias, saberá assim que o défice das contas públicas estará finalmente a descer abaixo do mítico objectivo dos 3%, que a economia portuguesa continuará a divergir da média europeia e que as taxas de desemprego continuarão a desmentir os propalados 150.000 novos empregos que a actual maioria prometera como cartão de visita pré-eleitoral.
Na base destes e outros dados económicos relevantes, verifica-se que a carga fiscal incidente sobre os cidadãos e as empresas continua a aumentar (apesar de mais uma redução da taxa de IRC aplicável às empresas sedeadas no interior) e que este apetite fiscal do Governo tem quase tanto de voraz quanto de indiscriminado, à medida que também classes até aqui protegidas começam a ser visadas pelo aumento da tributação, como é o caso dos pensionistas e dos cidadãos com necessidades especiais.
Pela positiva, registe-se o argumento técnico, mas incontestável, de que este voltou a ser um bom ano orçamental, na medida em que mais uma vez se dispensou o recurso aos habituais Orçamentos Rectificativos que tanto marcou a nossa história financeira recente.
No que diz respeito aos valores do défice, creio também que o País teria a ganhar em que se clarificasse de uma vez por todas se os valores considerados nos cálculos de 2005 são os mesmos que estão na base das cifras actuais, nem que para isso fosse efectivamente necessário o recurso a nova “Comissão Constâncio”. Afinal, nada de pior poderia acontecer à credibilidade e tolerância para com as políticas de disciplina orçamental do que admitir-se que num qualquer momento posterior, eventualmente associado a nova mudança de Governo, se pudesse vir a revelar que os pesados sacrifícios que muitos estão a suportar haviam sido novamente infrutíferos.
No âmbito deste debate em particular ou, mais precisamente, dos dias que o antecederam, fica o pertinente repto lançado pelo líder do PSD ao Primeiro-Ministro no sentido de que este clarificasse as condições, o momento, o âmbito e amplitude da possível redução de impostos em próximos períodos orçamentais.
Mais do que avaliar a razoabilidade do caminho que venha a ser encetado pelo Governo nesta matéria, é absolutamente pertinente que o Governo clarifique a orientação e sentido estratégico das suas políticas, sob pena de deixar também aí a dúvida que as opções são assumidas por factores de natureza extra-orçamental, como seja o ciclo eleitoral que se avizinha. A resposta, pela voz do Ministro das Finanças, foi tudo menos esclarecedora.
No mais, fica a ideia clara de que o esforço de consolidação das contas públicas volta a fazer--se pelo lado das receitas, sem que haja um particular esforço de contenção da despesa (por mais que o PRACE esteja “em linha com o previsto”) e que os investimentos públicos voltam a sofrer um forte travão, apesar da abertura de novo período de programação dos fundos comunitários.
A este último nível, persiste essa aberração política e contabilística que é o PIDDAC - Programa de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central, seja pelas constantes mentiras que encerra, seja pelo desinteresse que demonstra para com o desenvolvimento equilibrado do território.
E o Minho bem pode voltar a fingir que no pasa nada…

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

De novo, o Comércio Electrónico


O Fórum da TSF de ontem de manhã dedicou-se a avaliar o estado da arte do Comércio Electrónico em Portugal, tendo como pano de fundo a 4ª Semana do Comércio Electrónico que a ACEP – Associação do Comércio Electrónico em Portugal irá promover de hoje até ao próximo dia 16 de Novembro.
A iniciativa que a ACEP vai levar a cabo, pretende assumir-se como uma ampla acção de mobilização nacional em torno do comércio electrónico, que contempla, por exemplo, conferências, workshops temáticos, iniciativas regionais em vários distritos e prémios a quem efectuar compras na Internet.
À medida que, durante a viagem, fui ouvindo os vários intervenientes, vieram-me à memória os mesmos argumentos que, há quase quatro anos, invocava neste mesmo espaço como oportunidades e desafios para a afirmação deste canal de distribuição/sector de actividade.
Na altura, o “apoio a Novas Formas de Criar Valor Económico: o aumento da produtividade e da competitividade das empresas e do país através dos negócios electrónicos” era um dos pilares fundamentais do Plano de Acção para a Sociedade da Informação em Portugal, aquilo que hoje se designará como o Plano Tecnológico.
De igual forma, também hoje as estatísticas parecem funcionar como aliados da expansão do Comércio Electrónico, quer por revelarem um crescimento sustentado ao longo dos últimos anos, quer por perspectivarem um incremento potencial ainda mais significativo no futuro, até por reporte com outras realidades internacionais.
Neste domínio, não há praticamente indicadores que apontem em sentido contrário, seja pelo número de utilizadores domésticos, académicos ou profissionais, seja pelo número de empresas e outras entidades com presença na Internet, seja pelo tipo de serviços que estas disponibilizam pela via virtual, seja, até, pelo volume de negócios efectivamente concretizado de comércio electrónico.
Ontem mesmo, a ACEP divulgava um estudo recente da Marktest que apurou que existem 2,378 milhões de internautas a residir em Portugal que têm por hábito aceder a sites de comércio electrónico a partir de casa. Esses números resultam de uma análise efectuada entre Janeiro e Setembro deste ano e representam 78,7 por cento dos utilizadores de Internet com mais de três anos (!!!).
Ainda segundo os dados da Marktest, ao longo destes nove meses foram visitadas perto de 569 milhões de páginas de e-commerce, o que perfaz uma média de 239 por utilizador. No que diz respeito a horas de navegação, a Marktest indica que os portugueses despenderam mais de 4,5 milhões de horas a visitar estes sites, ou seja, 1 hora e 54 minutos por utilizador.
Finalmente, e ainda de acordo com este estudo, em média, no período analisado, a loja online da Fnac foi a que registou maior número de utilizadores únicos (829 mil), seguido da Worten (774 mil) e da Amazon (733 mil). Por sua vez, o miau.pt (110 milhões) foi o site que obteve maior número de page-views e o que registou maior tempo despendido em visualizações (675 mil horas).
À medida que os anos passam, que são disponibilizadas mais infra-estruturas e que existe uma superior aculturação com o fenómeno, é natural que os dados estatísticos venham a ser cada vez mais expressivos.
Para muitos cidadãos, é hoje um hábito perfeitamente adquirido ler jornais on-line, movimentar as contas bancárias, efectuar pagamentos, realizar declarações fiscais e outras iniciativas de relacionamento com organismos públicos através da Internet.
Para muitos destes, a Internet é também o meio preferencial para efectuar reservas de viagens, para encomendar livros, CDs, DVDs ou software informático e até para realizar as compras de mercearia da semana.
Também numa óptica empresarial, é cada vez maior o volume de negócios realizado através de plataforma electrónicas, seja entre empresas de qualquer parte do mundo, seja no contacto com a Administração Pública (de que a Central de Compras do Estado é um bom exemplo).
Segundo o Barómetro Trimestral do Comércio Electrónico em Portugal, da ACEP e NETSONDA, relativo ao 2º Trimestre de 2007, 84,4% dos membros da ACEP inquiridos indicam a existência de um aumento do volume de vendas a partir da Internet, em comparação com o período homólogo de 2006, verificando-se também um aumento do número de Clientes que fez compras através dos sítios na Internet dos associados da ACEP.
Se, para muitos utilizadores, continua a invocar-se a necessidade de reforçar os sistemas de segurança, tecnológicos e de regulação que suportam o Comércio Electrónico em Portugal, há uma sombra que permanece indelével sobre este sector: o custo das comunicações.
Segundo um estudo da ITIF – Information, Technology and Innovation Foundation de Abril último, Portugal tem, entre os 30 países analisados, o 19º lugar em matéria de penetração (percentagem de domicílios com ligação à Internet, a escassa distância do Top-10), o sétimo lugar em velocidade de conexão, e o 18º lugar no custo de ligação (com um valor que quase duplica o custo dos países do meio da tabela).
Até quando?

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Valorizar o que é nosso


Tendo aproveitado parte do último fim-de-semana para pôr em dia a leitura das várias revistas e suplementos das edições das últimas semanas dos diversos periódicos de referência, achei curiosa a sucessão de alusões aos artífices de alguns produtos tradicionais da nossa região.
Algures, uma pequena reportagem sobre os artesãos do Galo de Barcelos. Na Revista Tabu, do Sol, um trabalho mais extenso sobre o trabalho da jovem designer de ourivesaria da Póvoa de Lanhoso, Liliana Guerreiro. A que se juntam vários outros trabalhos anteriores sobre, por exemplo, os lenços de namorados de Vila Verde.
Qualquer dos produtos artesanais aqui visados assenta em tradições que têm as suas raízes há já vários séculos, sendo muitos dos seus produtores actuais descendentes dos pioneiros da produção de tais peças, muitas das vezes ainda instalados em oficinas elas próprias seculares.
A forma como as Autarquias que gerem estes territórios têm sabido aproveitar e estimular o potencial destes produtos tão entranhados na sua cultura devia ser um caso de estudo para as diversas iniciativas que, pelos mesmos motivos, se poderiam reproduzir noutros contextos e espaços a nível nacional.
Em Vila Verde, o Presidente José Manuel Fernandes colocou os lenços de namorados como verdadeiros ícones da moda nacional, por via de um amplo processo de certificação e promoção (caminho entretanto seguido pelo vizinho Município de Amares), de que duas das iniciativas mais visíveis terão sido a associação a reputados estilistas e as parcerias com empresas como a TAP.
Na Póvoa de Lanhoso, a Autarquia tem-se desdobrado em esforços para reforçar a afirmação externa do sector da filigrana, assim potenciando as inúmeras iniciativas pioneiras e meritórias dos agentes privados locais.
Neste âmbito, realce para o projecto Rotas do Linho e do Ouro, agora concluído e que se iniciou em meados de 2005, numa parceria com a Câmara Municipal de Terras de Bouro, a ATHACA - Associação de Desenvolvimento das Terras Altas do Homem, Cávado e Ave (a quem cabe a coordenação), a Associação Pedras Brancas, a Associação de Turismo da Póvoa de Lanhoso e a Associação dos Industriais de Ourivesaria e Relojoaria do Norte.
Sendo financiado pela iniciativa comunitária EQUAL, este projecto teve como principais objectivos modernizar e revitalizar a arte do ouro e do linho, promovendo a filigrana e o linho, encontrar novas e eficazes soluções de comercialização e reforçar os níveis de formação dos artesãos (através da aprendizagem de novas técnicas ou a recuperação das ancestrais).
Estando especialmente orientadas para a partilha de experiências a nível internacional, as Rotas do Linho e do Ouro permitiram apoiar a criação de estratégias de marketing para a promoção dos produtos, identificar condicionalismos do mercado e estimular a introdução de novos designs e técnicas de utilização do ouro nos trabalhos em linho, conciliando-os e promovendo a sustentabilidade das artes.
A esta luz, ecos do sucesso de casos como o da Liliana Guerreiro, que este ano recebeu o Prémio Internacional de Filigrana, abrem excelentes perspectivas para o êxito desta aposta, validando também a conciliação entre a modernidade e a tradição destas artes.
Na óptica das Autarquias envolvidas nestes diferentes projectos, a valorização destes sectores reveste-se de um especial interesse estratégico com vantagens claras que vão para lá da esfera estritamente económica dos domínios abrangidos.
De facto, se é obviamente positivo o apoio aos sectores artesanais tradicionais, assegurando a manutenção de certos postos de trabalho e a criação de novas oportunidades de negócio e de emprego, bem assim como estimulando nichos de exportação, a valorização destes produtos pode ser assumida como um verdadeiro instrumento de marketing territorial.
Desde logo, porque transmitem uma imagem extremamente positiva das localidades visadas e assim contribuem para o reforço do seu potencial turístico. Por outro lado, porque conferem uma lógica estratégica à intervenção municipal, contribuindo para valorizar a identidade local e daí promover dinâmicas territoriais de desenvolvimento assentes nos recursos imateriais do território (como o seu património, a sua cultura e as suas tradições).
No fundo, algo que se tem perdido um pouco ao longo dos últimos anos: a capacidade para se dar valor ao que é nosso!

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Erradicar a Pobreza


A minha geração cresceu na companhia dominante da televisão a cores, mas terão sido imagens a preto e branco que mais terão marcado os noticiários da nossa juventude.
A uma cadência constante, repetiam-se as imagens dos milhões de desalojados, dos cadáveres amontoados pela fome, dos olhares sem esperança que se entreabriam na direcção de seios ressequidos em ossadas vivas.
Os inexistentes níveis de desenvolvimento, os múltiplos conflitos militares, as limpezas étnicas e a displicência dos principais líderes mundiais foram, entre outras, algumas das razões que levaram ao prolongamento no tempo deste tipo de situações.
À medida, porém, que esta problemática foi sendo introduzida na agenda mediática, que se organizaram diversos eventos para recolher ajudas para o combate à fome e à pobreza nos países menos desenvolvidos (com destaque para os mega-concertos realizados sob a égide de Bob Geldof) e que se intensificou a pressão da opinião pública sobre os Governantes dos países mais ricos, verificaram-se os primeiros progressos.
Paulatinamente, aumentou o volume de ajudas, facilitou-se o trabalho das Organizações Não Governamentais e assumiram-se compromissos políticos à escala mundial, mesmo que muitos continuem ainda por materializar ou com uma taxa de concretização insuficiente.
Dos Objectivos do Milénio, resultantes da Cimeira da ONU do ano 2000, e com metas concretas a atingir até ao ano 2015, aos compromissos assumidos pela União Europeia nas Cimeiras de Lisboa e Nice, também no ano 2000, são vários os passos que vêm sendo encetados para a redução da expressão deste problema mundial.
Ainda que manifestamente insuficientes, os resultados registam já alguns progressos significativos. Por exemplo, de 1990 a 2002, a percentagem de população em pobreza extrema passou de 28% para 19%, tendo 250 milhões de pessoas abandonado a situação de miséria absoluta em diversos países da Ásia.
No contexto deste combate global, talvez um dos erros que mais frequentemente tenha sido cometido é o de tomar esta realidade como um fenómeno distante, mergulhado nas impressionantes estatísticas que ainda apontam para a existência de 800 milhões de pessoas a sofrer de problemas de fome e desnutrição crónica. Que destas, morrem 18 milhões por ano, 50 mil por dia, na sua maioria mulheres e crianças. Que 11 milhões de crianças morrem antes de completarem 5 anos. Que há 1.100 milhões de pessoas que vivem com menos de 1 dólar por dia, pouco menos do que aquilo que despendemos em dois cafés.
Bem mais perto de nós, e de acordo com o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento do INE (2005), a população residente em Portugal em situação de risco de pobreza era de 19% em 2005 (20% em 2004), enquanto que a taxa de risco de pobreza dos grupos compostos por idosos vivendo sós e em famílias com dois adultos e três ou mais crianças dependentes atingia o valor máximo de 42%.
Em termos médios, a distribuição dos rendimentos caracterizava-se por uma acentuada desigualdade, na medida em que o rendimento dos 20% da população com maior rendimento era então 6,9 vezes superior ao rendimento dos 20% da população com menor rendimento.
Como parece claro, dados igualmente preocupantes, a que se poderiam juntar estatísticas igualmente pouco simpáticas sobre a percentagem de cidadãos que aufere o Salário Mínimo Nacional, o volume de desempregados, o número de sem-abrigo nas nossas cidades, o rendimento de parte substancial da população idosa, os níveis de analfabetismo ou de conclusão dos diversos graus de ensino, mesmo na população jovem.
Pelo que muitos desses dados têm de estrutural, percebe-se que o fenómeno da pobreza está para durar e exige respostas concretas e imediatas por parte dos mais diversos actores sociais.
Daí que, mais que recordar os famigerados compromissos públicos, apelar a novas políticas e prioridades neste domínio ou formular votos de uma adesão popular maciça a estas causas, dias como o que se assinalou na passada Quarta-feira (o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza) deveriam servir para dar eco público ao trabalho tantas vezes discreto, quase sempre difícil, mas muitas vezes eficaz dos muitos agentes que já se encontram empenhados nesta batalha.
Às múltiplas IPSS que prestam apoio neste domínio, às Autarquias que respondem às necessidades dos seus cidadãos mais carenciados, ao trabalho desenvolvido pelas comunidades religiosas presto, pois, a minha homenagem.
A erradicação da pobreza começa nos gestos singelos dos voluntários da Cáritas ou da Cruz Vermelha, nas iniciativas atentas de Centros Paroquiais e outras Associações de cariz religioso e social, na atenção dispensada pelos Autarcas de muitas Juntas de Freguesia.
Sem prejuízo, pois, dos grandes objectivos mundiais, a erradicação da pobreza começará sempre pela resolução dos problemas que ocorrem à nossa porta, que se cruzam connosco nas ruas da nossa cidade.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

"Eco"(s) num Congresso


Será que há espaço para um Congresso partidário discutir questões do foro económico? E para o lançar do debate sobre a melhor forma de definir os objectivos estratégicos e as prioridades de tais políticas e para confrontar os diferentes instrumentos que podem apoiar a sua concretização?
Por mais boa vontade que se possa ter, a resposta tende a ser manifestamente negativa. Como rapidamente percebe quem quer que participe ou assista a este tipo de conclaves, qualquer que seja o Partido envolvido, não é este o espaço, o formato e o conjunto de protagonistas que poderia estar na base de tal discussão.
Ainda assim, do ponto de vista programático, são aspectos predominantemente económicos os que acabam por perpassar para a opinião pública através dos meios de comunicação social: objectivos de promoção do crescimento económico; iniciativas de combate ao desemprego; reformas do Estado Social; promoção de uma maior coesão nacional através dos incentivos à dinamização do interior do País.
No que diz respeito ao Congresso do PSD, que decorreu no passado fim-de-semana em Torres Vedras, em quaisquer destes casos, o maior mediatismo dos assuntos e as ideias inovadoras que aí foram apresentadas estão intimamente associados aos discursos do novo líder do Partido, tanto mais que constavam da Moção de Estratégia Global que sufragou neste Congresso e que suportou a sua candidatura à liderança do PSD.
No que respeita à promoção do crescimento económico, Luís Filipe Menezes rejeita a ideia de uma redução imediata da carga fiscal, mesmo aquela que, incidindo sobre a actividade económica, é menos vantajosa do ponto de vista eleitoral e mais útil do ponto de vista da concretização deste objectivo, mas fundamenta-o de forma mais correcta do que o fez, por exemplo, Manuela Ferreira Leite no decurso do Congresso.
De facto, sustentou a ex-Ministra das Finanças que não apoia uma redução imediata da tributação porque “o mesmo seria reconhecer a capacidade do Governo Socialista para promover a consolidação orçamental”. Ora, pese embora o pertinente reparo feito pela Presidente da Mesa cessante sobre a comparabilidade dos dados apresentados pelo Governo quanto ao défice orçamental de 2005 e actual – questão que merecia ser escrutinada a fundo publicamente -, não pode ser utilizado um tal argumento de mero taticismo político.
Aquilo que tem que ser claro para todos é em que circunstâncias o PSD está disposto a reduzir impostos e ficamos a saber que tal só acontecerá com Luís Filipe Menezes quando “for visível uma consolidação orçamental sustentada, que equivale a um défice inferior a 2% do PIB”. Assim, o critério é discutível mas a regra é clara e a política será coerente.
Em contrapartida, o líder do PSD defende, “já para o Orçamento para 2008, um programa coordenado de promoção acelerada dos investimentos público e privado, bem como uma proposta responsável de contenção da despesa pública”.
A primeira assentará ”na adopção de um projecto estratégico de investimento público com “reprodutividade” económica, que privilegiará projectos de modernização e ampliação dos nossos principais portos, de construção de uma nova e competitiva rede ferroviária de transporte de mercadorias, de construção e manutenção de um renovado parque escolar e da restante rede rodoviária prevista no Plano Rodoviário Nacional, bem como da aceleração de projectos de reabilitação urbana”.
Para tal, pretende-se promover “modelos de financiamento assegurados por parcerias público/privadas, que transfiram, de forma justa, equilibrada e razoável, para o sector privado, parte significativa do risco, o que será facilitado na exacta medida em que se verifique uma rigorosa e eficiente gestão do QREN”.
A redução da despesa pública resultará de uma diminuição progressiva do peso do Estado na vida do País, através de uma “privatização imediata de várias áreas de negócio dependentes do Estado, de que é exemplo a área do ambiente”, no que concerne à captação e distribuição de água para consumo, ao saneamento básico e ao sector de gestão e tratamento de resíduos.
Nas actuais circunstâncias Menezes sustenta que não é possível esperar pela “capacidade de gerar um crescimento económico forte e sustentado” para atacar a situação do desemprego, pelo que avança com propostas especialmente dirigidas aos “jovens, mormente os licenciados com formações inadequadas à realidade do mercado de trabalho, e aos trabalhadores, maioritariamente mulheres, com baixas escolaridade e formação, vítimas da deslocalização de empresas de mão-de-obra intensiva”.
Tais propostas consistirão em “programas de formação/educação que, financiados pelo Estado, os habilitem com uma formação complementar em gestão, tecnologias de informação/comunicação e aprendizagem de uma nova língua, preferencialmente ligada a países das chamadas novas economias emergentes”, no caso dos primeiros, e projectos de incentivos às empresas para a reinserção no mercado de trabalho dos segundos.
Tomando apenas estes breves exemplos, talvez valesse a pena o Partido do Governo prestar alguma atenção às propostas apresentadas para estes temas que a todos importam.
Porque talvez assim pudessem também reflectir sobre o rumo traçado. Porque talvez assim percebessem melhor as reais ambições e necessidades da população. Porque talvez assim tivessem melhores resultados em questões tão sensíveis para todos.
E, como se lia no painel do palco do XXX Congresso do PSD, talvez assim ganhasse Portugal.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Erin Brockovich


A actriz Julia Roberts conquistou no ano 2000 o Óscar da Academia pela sua representação do papel de Erin Brockovich no filme com o mesmo nome do realizador Steven Soderbergh.
Mais do que a história de uma mulher que tem que colocar todo o seu espírito de sobrevivência face às múltiplas contrariedades que a vida lhe traz, o filme retrata a história verídica de uma cidadã americana que pôs em cheque uma das grandes empresas de energia pelos danos causados à saúde dos habitantes de uma cidade do deserto californiano.
Erin Brockovich podia ser uma mulher como tantas outras, divorciada, falida e com dois filhos pequenos a seu cargo, sem qualquer formação superior ou experiência prévia na área ambiental. Todavia, consegue com a sua perseverança e a ligação a um pequeno escritório de advogados accionar um processo contra a Pacific Gas and Electric de que resulta a milionária maquia de 333 milhões de dólares de indemnização à população da cidade de Hinkley.
No filme, como na vida real, Erin contacta com alguns dos habitantes dessa cidade e descobre que existe um foco cancerígeno entre os adultos e uma elevada incidência de leucemia entre as crianças. Na sequência das suas investigações, Erin apura que a Pacific Gas and Electric se socorria de um determinado produto à base de cromo para evitar a corrosão das torres de compressão da sua unidade próxima de Hinkley, o qual acabava por derramar no meio envolvente, assim contaminando os lençóis freáticos utilizados pela população desta cidade para o seu abastecimento de água.
Após a decisão judicial, ainda morreram cerca de 50 habitantes de Hinkley por problemas directamente imputáveis à contaminação das águas. A intervenção de Brockovich, porém, terá evitado males muito maiores.
A história de Erin Brockovich e o filme que a tornou conhecida do grande público tem um carácter representativo de um dos grandes debates deste início de século: a dialéctica entre a actividade económica e a preservação do meio ambiente, traduzida esta última numa das suas variantes mais relevantes para o comum dos cidadãos, qual seja a da preservação da saúde pública.
Diariamente, são muitos os relatos de elevados prejuízos ambientais que resultam de diferentes actividades económicas, desde a escala planetária (como o propalado buraco da camada de ozono e as alterações climáticas decorrentes) ao impacto sobre certos ecossistemas ou territórios por força da acção particular de certas entidades.
A nível nacional, tem estado especialmente na berra a discussão sobre o impacto das linhas de alta tensão sobre as populações das zonas que são atravessadas pelas mesmas.
Após uma intensa batalha judicial, o Supremo Administrativo recusou um recurso da decisão tomada pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, datada de Julho, que mandou desligar os novos cabos de 220 kV da linha Fanhões-Trajouce (Amadora-Cascais), para gáudio da população de Monte Abraão, em Sintra, a mais directamente envolvida na contestação ao traçado que está a funcionar desde Abril.
Na sequência, também a Associação de Moradores de Vale Fuzeiros, em Silves, organizou uma manifestação em Lisboa contra o traçado da linha de muito alta tensão Tunes-Portimão, que se encontra ainda em construção.
Os moradores das zonas envolventes aos traçados defendem o enterramento das linhas (o que até minimiza as perdas de energia mas tem um custo dez vezes superior, segundo a empresa) ou um superior afastamento das zonas residenciais.
No caso do Algarve, não deixa de ser curioso que o actual traçado tenha sido escolhido em detrimento de um outro, mais a Norte, que não mereceu a aprovação do Ministério do Ambiente (via Instituto de Conservação da Natureza), por atravessar uma zona onde se pretende apoiar a instalação de uma comunidade de linces.
As palavras do presidente da REN, José Penedos, expressam bem o tipo de questão em apreço, ao lembrar que as dificuldades que estão a ser colocadas podem pôr em risco “a segurança de abastecimento” e que "não há provas dos efeitos das linhas sobre a saúde”. Aliás, José Penedos frisa também que “se os campos electromagnéticos se vierem a revelar nocivos, não será por passarem debaixo de terra que deixam de o ser".
É precisamente esta ambiguidade que devia motivar especiais cuidados a qualquer entidade e em especial a organismos públicos, a quem se exige a adopção de critérios prudenciais redobrados.
Sabendo-se que sobre esta matéria e outras análogas existe uma panóplia alargada de estudos internacionais, das mais reputadas e independentes organizações, não seria difícil tentar estabelecer um parâmetro mínimo, genericamente aceite, que funcionasse como cláusula de salvaguarda para as dúvidas que ainda existem nesta esfera.
O que não é admissível é que ao mesmo tempo que vemos o Ministério da Economia a querer promover a instalação das linhas no Sul do País seja noticiada a iniciativa da Delegação de Saúde de Guimarães promover um estudo, em parceria com o Hospital de Guimarães e o Instituto Português de Oncologia, sobre a eventual ligação dos casos de cancro detectados em Serzedelo (Guimarães) e a presença de torres de electricidade de muito alta tensão.
Será que, também aqui, temos que esperar pelo aparecimento de uma qualquer Erin Brockovich?

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

O ardil


No exercício das suas funções, qualquer governante ou autarca tem que solucionar uma equação difícil no que respeita ao equilíbrio entre os objectivos que pretende concretizar e os recursos que lhes quer ou poderá afectar face às condicionantes que incidem sobre o orçamento de que dispõe.
Não raras vezes, a única forma de ultrapassar tal dificuldade passa por elencar prioridades, de cariz temporal e financeiro, executando em primeira instância aqueles projectos (materiais ou imateriais) que mais benefícios possam trazer às populações, sob a restrição do volume de receitas que podem despender.
Ao fazê-lo, estão a aplicar princípios essenciais da chamada Teoria do Consumidor: afinal, os ditos governantes ou autarcas terão que maximizar a sua satisfação (medida pelo bem-estar gerado para a população ou, por via indirecta, pelo grau de apreço pelo seu trabalho), sujeitos a restrições de cariz orçamental (o seu “rendimento”) e ao custo dos projectos que irão realizar (o montante de investimento que lhes está associado).
Em cada momento, resultará deste conjunto de ponderações uma solução de equilíbrio que se traduzirá no leque de iniciativas que irão constar do seu Plano de Actividades e Orçamento anuais.
Como qualquer consumidor, o governante ou autarca tentará socorrer-se dos projectos mais baratos para obter um mesmo nível de satisfação (adesão popular) e tentará aumentar o mais possível o seu rendimento/orçamento (para elevar ao máximo o número de realizações).
Neste último prisma, porém, uma vez que parte substancial das suas receitas advêm de verbas subtraídas ao público-alvo das suas acções (por via de impostos, taxas e outras fontes), os ditos responsáveis terão que evitar lesar os seus objectivos pela apreciação negativa que pode estar associada a tal “caça à receita”.
É aqui que entra, normalmente, a criatividade dos responsáveis públicos, ao procurarem, por todas as vias ao seu alcance, ultrapassar essas restrições e assim maximizarem a sua “satisfação”.
De entre as várias alternativas possíveis ou já aplicadas, o recurso a parcerias público-privadas assume-se como uma opção natural, uma vez que não só permite a transferência de parte substancial do risco económico e financeiro dos projectos para o parceiro privado, como possibilita o aproveitamento de um superior domínio técnico de certas áreas e uma maior capacidade de gestão desse mesmo parceiro.
Bem diferente, porém, é a solução encontrada por Autarquias como Braga ou Guimarães para a concretização de diversos projectos municipais, desenvolvendo uma modalidade de “parceria público-privada” que se resume a um financiamento privado da acção municipal.
Num e outro caso as propostas foram já aprovadas pelos órgãos municipais e deverá estar para breve o concurso público que permitirá a selecção do(s) parceiro(s) privado(s) que darão corpo ao negócio em questão.
Na engenhosa iniciativa destas e outras Autarquias, a “parceria” sustenta-se na criação de uma sociedade anónima de capitais maioritariamente privados (para que não seja abrangida pela Lei das Finanças Locais), para a qual o ente público irá transferir a propriedade de um certo número de terrenos ou equipamentos nos quais se irão concretizar, a expensas do privado, as obras projectadas.
Decorrido o prazo estabelecido (em torno dos 25 anos), todos esses activos e as construções/intervenções aí realizadas voltam a reverter para o ente público, mediante condições a incluir no acordo parassocial que agora será acordado entre a Autarquia e o(s) privado(s) que vença(m) o concurso público.
Nesse mesmo acordo, será estabelecido o valor da renda a pagar pelo ente público ao ente privado durante o período de vigência da “parceria” e outras cláusulas de salvaguarda que serão prioritariamente orientadas para a defesa do interesse do(s) privado(s).
Em suma, o privado financia e executa (mediante uma clara violação do princípio da livre concorrência) imediatamente os projectos municipais e assegura um retorno certo para o seu investimento através da renda que irá auferir durante o período de vigência da “parceria”.
Quanto à perspectiva da Autarquia, disponibilizará de imediato os equipamentos às populações e deixará para os Autarcas vindouros e para as populações futuras a factura das obras que agora tão agilmente irá concretizar, escapando de forma ardilosa às amarras da Lei das Finanças Locais e aos sintomas de uma situação financeira própria manifestamente depauperada.
Curiosamente, nas próprias propostas aprovadas é expresso que se “impõe saber, através de estudos técnicos, na óptica do investimento, do plano do projecto, da exploração e do financiamento, se, por um lado, a empresa tem viabilidade económica e, mais importante, qual o impacto da PPP a constituir, a médio e longo prazo, nas finanças do Município”, algo que face à “urgência” de avançar com esta iniciativa a Autarquia não cuidou de acautelar.
Há, todavia, em todo este processo um espectador que rapidamente terá que tomar posição. Ao impor tais condicionalismos na Lei das Finanças Locais e ao emitir vários juízos negativos sobre práticas como a titularização de receitas futuras, o Governo quis impor um conjunto de restrições ao exercício da Gestão Municipal.
Se permitir a generalização deste tipo de iniciativas, esse mesmo Governo (ou os que se lhe seguirão) confrontar-se-á com a assunção de pesados encargos perante os parceiros privados por um número muito significativo de Autarquias do País (só em Braga, os projectos a englobar na parceria ascendem aos 70 milhões de Euros).
Ora, ou entende o Governo que as suas orientações iniciais são válidas e tem que colocar um travão neste processo ou acha legítimo que as Autarquias actuais adoptem este tipo de procedimentos. Nesse caso, mais vale suprimir os limites ao endividamento autárquico: sempre torna o processo mais fácil, transparente e até, bastante mais económico para as finanças municipais.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

O valor de um Curso


Por entre as pinturas de guerra, a alegria incontida do obstáculo ultrapassado e a expectativa temerosa da nova etapa que se avizinha são mais de 42 mil os alunos já colocados na primeira fase do concurso de acesso ao ensino superior público, a que se juntarão uns quantos mais que serão colocados nas próximas fases e vários milhares que optaram ou irão enveredar pelo ensino superior privado.
Do lado de lá do arco-íris, são também mais de 50 mil os licenciados que se encontram no desemprego, numa realidade chocante que tem vindo a crescer de ano para ano.
Tudo somado, o Governo cumpre as suas metas programáticas e os objectivos da Estratégia de Lisboa, elevando os níveis estatísticos de qualificação dos seus cidadãos. Por seu lado, as Universidades e Instituto Superiores suspiram de alívio com a ilusão temporária das consequências da transformação demográfica e das políticas de estrangulamento financeiro a que o próprio Governo vem dando corpo.
De facto, se atentarmos aos dados disponibilizados pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior para este ano lectivo, verificamos que não apenas aumentou o número de candidatos, como aumentou o número de vagas e, por estas duas vias, o número total de colocações.
No lado oposto da balança parecem estar afinal os próprios alunos do ensino superior, mergulhados na incerteza quanto à compensação que receberão pelo esforço despendido e pelo investimento financeiro realizado (quanto mais não seja pelas suas famílias) quando cruzarem pela última vez as portas da sua Universidade.
Como que em resposta a tais apreensões, foi recentemente divulgado um estudo da OCDE que sustenta que Portugal é, de entre 25 dos Estados-membros da União Europeia, um dos países em que mais compensa concluir um curso superior.
De acordo com o Relatório “Education at a Glance 2007” desta organização, em Portugal um trabalhador licenciado ganha em média mais oitenta por cento do que alguém que só tenha concluído o ensino secundário. Se este desequilíbrio é visível em todos os países analisados, a verdade é que só na Hungria e na Republica Checa o desnível é mais acentuado do que no nosso País.
Ainda segundo o Relatório da OCDE, Portugal encontra-se também no topo de um outro indicador, uma vez que de entre as pessoas que auferem remunerações superiores ao dobro da média nacional mais de 60% são licenciadas.
A conjugação dos dados estatísticos referidos coloca um verdadeiro paradoxo aos alunos universitários na incerteza da resposta correcta ao seguinte dilema: ou concluem as suas licenciaturas, encontram emprego e beneficiam das vantagens evidenciadas pelo Relatório da OCDE ou, no extremo oposto, podem vir a engrossar o caudal de mão-de-obra extremamente qualificada que o nosso País desaproveita.
A resposta a esta questão passa obviamente por reflexões de vária ordem. Desde logo, porque melhores seriam as perspectivas para os jovens licenciados se o Governo, os organismos públicos ou as Autarquias locais desenvolvem-se políticas pró-activas de apoio ao crescimento económico e à criação de empresas e empregos.
Em segundo lugar, melhores seriam também as perspectivas se as empresas e sobretudo o sector das Pequenas e Médias Empresas reconhecesse o contributo destes jovens quadros e desse outro seguimento a iniciativas meritórias como as políticas de apoio aos Estágios Profissionais já no terreno.
Finalmente, e o que é um tema esgotado na discussão mas vazio na acção, se houvesse um melhor ajustamento entre a oferta formativa e as necessidades reais do tecido produtivo e dos diferentes campos profissionais.
Neste âmbito, não se percebe a teimosia do Governo em recusar promover a divulgação anual das saídas profissionais dos licenciados dos diferentes cursos e a falta de coragem para actuar em conformidade em relação a alguns dos cursos que são hoje disponibilizados aos novos alunos.
Essa iniciativa, aliás, poderia até ser articulada com o projecto recentemente aprovado da disponibilização de empréstimos bancários com garantia mútua para os alunos do ensino superior financiarem os seus estudos.
Na prática, viabilizando o estabelecimento de um sistema de rating / notação do risco de crédito dos empréstimos concedidos em que as taxas de juro praticadas seriam necessariamente superiores para as formações com menores saídas profissionais e menores para os cursos com maior facilidade de colocação de licenciados.
À luz de tais dados validados pelo “mercado financeiro”, cada aluno poderia efectuar as suas opções em consciência, livre de seguir os seus sonhos ou de manter os pés bem assentes na terra, sem nunca ser vítima do canto da sereia de algumas instituições ou do afã de progresso estatístico de quem vai conduzindo os destinos da Nação.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Fiscalidade Municipal


Do presente mês de Setembro até ao final do ano, todos os Municípios do País irão exercer a sua capacidade tributária, mediante a fixação das taxas a aplicar em diferentes Impostos Municipais e em outros cuja receita reverte parcialmente para as Autarquias Locais.
Esta situação tem vindo a ganhar uma importância crescente ao longo dos últimos anos à medida que os sucessivos Governos entenderam conceder aos Executivos Municipais uma maior capacidade de determinar as receitas a arrecadar.
Subjacente a esta opção está a ideia, conceptualmente correcta, de que ao conferir tal faculdade às Autarquias os seus decisores assumiriam a responsabilidade política pelas decisões tomadas, cabendo-lhes responder perante as suas populações (quanto mais não fosse eleitoralmente) pelos valores cobrados de impostos e pela forma como tais verbas seriam posteriormente aplicadas.
Na situação actual, porém, um factor de natureza prática distorce este raciocínio, uma vez que ao não serem as Autarquias as entidades responsáveis pela cobrança efectiva dos impostos em questão, muitos são os cidadãos que jamais se apercebem que o valor da taxa que incide sobre os mesmos foi determinada pelos seus Órgãos Municipais.
Na mesma linha, quantos associam o valor da Taxa Municipal de Direitos de Passagem que lhes é repercutida nas facturas de comunicações a uma deliberação camarária?
Feita tal salvaguarda, a verdade é que esta nova orientação política coloca aos diferentes Autarcas um verdadeiro desafio na gestão da fiscalidade municipal, devendo esta assumir uma orientação estratégica que não se resuma à obtenção da receita pela receita mas assegure, antes, a concretização de determinados objectivos da Gestão Municipal.
No mínimo, cabe aos Órgãos locais demonstrar que conseguem dar às verbas cobradas uma utilização mais proveitosa para os seus cidadãos do que aquela que poderia ser por estes directamente realizada.
Numa abordagem mais ambiciosa, seria expectável que as próprias Autarquias pudessem reconhecer a vantagem de reduzir a carga fiscal sobre cidadãos e entidades (reduzindo a derrama, isentando de taxas e licenças certos projectos, obras ou investimentos, etc.), com vista à geração de benefícios materiais ou imateriais para o seu concelho: conferir maior competitividade às suas empresas, criar postos de trabalho ou implementar uma determinada política de ordenamento ou de requalificação urbanística para zonas mais sensíveis. As alternativas multiplicam-se na proporção da criatividade dos autarcas.
De uma forma geral, apela-se ao bom senso dos decisores, tendo em vista encontrar o ponto de equilíbrio entre o que é socialmente justificável e a necessidade de obter recursos para financiar a sua actividade corrente, com a consciência de que são recursos directamente subtraídos aos seus munícipes.
Daquilo que tem sido a experiência prática deste fenómeno, porém, a verdade é que apesar de os responsáveis governativos apresentarem diferentes simulações para a fixação das várias taxas de impostos pelas Autarquias, a esmagadora maioria destas – muitas vezes com o apoio e a orientação da ANMP – Associação Nacional de Municípios Portugueses – tende a aplicar sempre as taxas máximas legalmente permitidas.
A reforma da tributação do património imobiliário foi, neste particular, um excelente exemplo de tal postura: receosos de que a substituição da Sisa e da Contribuição Autárquica pelo IMT – Imposto Municipal sobre Transacções e o IMI – Imposto Municipal sobre Imóveis pudessem originar uma quebra significativa das suas receitas próprias, os Autarcas optaram por aplicar as taxas máximas permitidas na maioria dos Municípios do País.
Com o passar dos anos, à medida que se percebeu que as suas receitas cresciam exponencialmente e que se mantêm as perspectivas de aumento da receita, seja por via do fim dos períodos de isenção dos imóveis mais antigos, seja pela redução do prazo de isenção aplicável aos imóveis mais recentes, seja, também, pelo aumento do valor aplicável ao aumento anual do IMI liquidado por cada imóvel (120€ para 2008) na cláusula de salvaguarda ainda em vigor, a descida das taxas do IMI começou a verificar-se de forma generalizada.
Afinal, a fixação das taxas do IMI pelos seus valores máximos serve apenas para cobrir os desequilíbrios financeiros das Autarquias, a expensas dos Munícipes, num período em que as difíceis condições económicas e sociais que subsistem mereceria uma atitude de salvaguarda das poupanças dos cidadãos economicamente mais frágeis.
Presentemente, a alteração do método de cálculo da Derrama servirá seguramente para desculpar novas aplicações da taxa máxima, pese embora as simulações preparadas pelo Governo assegurarem a manutenção das receitas na média dos Municípios (diminui a taxa mas aumenta a base de tributação).
E, para não ir mais longe, quantos vão ser os Municípios que vão aplicar uma participação variável no IRS dos seus cidadãos inferior ao máximo legal?

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

O bug do Millennium


“(…) é nosso dever meditar no futuro. Não o que espera por nós em sonhos ou pesadelos. Mas aquele por que esperamos nós. Porque acreditamos que é nosso dever concebê-lo em torno da esperança. O destino não existe. Que viva a vontade de em liberdade cumprir no presente o dever de querer um futuro. (…)”
Paulo Teixeira Pinto, in “Um dever chamado futuro”

Quando, em Março de 2005, os accionistas do BCP - Banco Comercial Português procederam à designação do então Secretário-Geral do Grupo, Dr. Paulo Teixeira Pinto, para substituir o histórico Eng. Jardim Gonçalves – que liderava o Banco desde a sua fundação, há mais de 20 anos –, muitos terão admitido que lhe estava confiada uma missão impossível.
Mais do que qualquer dúvida sobre as suas capacidades para o exercício de tais funções ou sobre a possibilidade de afirmar a sua liderança de forma incontestável, nomeadamente face aos “delfins” do seu antecessor, tinha que se ter em conta os traços marcantes do legado de Jardim Gonçalves, quer no que respeita ao perfil público que construíra, quer em relação aos resultados concretos da instituição que guindara à liderança do sector financeiro nacional.
Na primeira vertente, a par com a imagem sóbria e de austeridade que Jardim Gonçalves sempre cultivara, atreita a conquistar a reverência e respeito dos seus adversários e do cidadão anónimo, a liderança cessante fora capaz de posicionar a instituição como um Banco ambicioso, inovador, dinâmico e com uma superior qualidade de serviço face à concorrência.
Nos mais diversos domínios, o BCP de Jardim Gonçalves assumira-se como um projecto pioneiro, fosse na diversificação da actividade do Grupo para os vários ramos da intermediação financeira, na abordagem estratificada aos seus clientes ou no recurso aos novos canais de comunicação disponíveis (a Banca Telefónica, o Homebanking, etc.).
As duas décadas da gestão de Jardim Gonçalves traduziram-se num cumular de conquistas, de espaço (pelo início do processo de internacionalização), de dimensão (pelas múltiplas aquisições consumadas, em que se incluiu o BPA – Banco Português do Atlântico como troféu mais apetecido) e de credibilidade (bem visível na presença das acções do Banco nos principais mercados de capitais internacionais e pelo seu peso preponderante no Índice PSI-20, o mais representativo da Bolsa Portuguesa).
Por mais que a escolha de Paulo Teixeira Pinto tenha então colhido de surpresa a generalidade dos analistas e, seguramente, a esmagadora maioria dos próprios Administradores, Colaboradores e Accionistas do Banco, o agora líder cessante do Millennium iniciou o seu mandato a todo o gás, impondo um novo modelo de organização que revolucionou o governo do Grupo, estabelecendo metas ambiciosas e exigindo a subscrição de contratos de desempenho indexados aos objectivos traçados aos principais gestores.
Para muitos, a era Teixeira Pinto ficará marcada pela primeira grande derrota do Banco, traduzida no fracasso da OPA ao BPI – Banco Português de Investimento, em que várias vezes perpassou a ideia de uma falta de sustentação técnica e estratégica na condução do processo que poucos julgariam possível no antigo BCP. Aliás, mesmo o insucesso da primeira OPA ao Atlântico fora aceitável face a diversas condicionantes e assemelhara-se à crónica de um sucesso adiado, como se veio a materializar.
Para outros, este período ficará registado pelo seu triste ocaso, patente na impensável troca de acusações entre as diferentes “facções” de accionistas e no travo a uma despropositada ânsia de perpetuação do poder por parte do bloco de Jardim Gonçalves, que até acaba por sair parcialmente “vencedor” da compita.
Para quase todos, este cumular de ocorrências terá traduzido uma espécie de “bater no fundo” da instituição, disfarçado pela sua performance bolsista, mas com danos ainda por medir na sua imagem pública e no seu desempenho económico e financeiro, coroado com a triste cena do “bug” no sistema informático que originou a suspensão e adiamento da própria Assembleia Geral.
Por entre os danos da contenda, há já quem antecipe o prolongamento deste período difícil, da incerteza na governação e de eventual incapacidade de reacção que pode redundar na sujeição a uma OPA hostil por parte de um dos muitos tubarões que navegam no oceano financeiro global.
Caberá a Filipe Pinhal, o novel Presidente do Conselho de Administração, reencontrar o trilho do sucesso e afastar do caminho os muitos escolhos que seguramente irá encontrar. Para isso, porém, talvez valesse a pena contar com um consensual apoio dos accionistas da instituição, de forma a que o Grupo possa voltar a ser notícia mais pelo seu desempenho nos negócios que pelas suas guerras nos bastidores.
Afinal, foram eles os primeiros a seguir o novo anúncio do banco e a virar o BCP… de pernas para o ar!...

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

O fim das férias


Apesar destas longas semanas de interrupção por motivo das habituais férias de Verão do Suplemento de Economia, verificámos com muito agrado que os "Suplementos de Economia" continuaram a ser uma visita assídua para muitos.

Talvez tenha sido a oportunidade para rever alguns textos antigos ou para dedicar alguns minutos a um ou outro que não chegara a ser lido.


Na próxima semana, voltamos ao activo! E contamos com a sua companhia habitual.


Até lá, porque não enviar uma sugestão de tema para próximos artigos?


Abraço,
Ricardo Rio

terça-feira, 17 de julho de 2007

Não venda, ofereça!


Se costuma efectuar juízos precipitados, poderá estar já a questionar-se se os parcos dias de calor de Verão da última semana já me terão diminuído a lucidez e se, por conseguinte, valerá a pena acompanhar este devaneio até ao final.
Presumo, então, que se lhe disser que o motivo que me levou a escrever sobre este tema foi a comparação entre o número de espectadores de dois dos últimos concertos que Tony Carreira realizou na cidade de Braga só conseguirei aumentar a perplexidade do leitor desta coluna.
A questão surgiu no âmbito de uma discussão sobre a resistência de adesão dos Bracarenses a qualquer evento pago, fosse ele de natureza cultural, desportiva ou outra, e por mais baixo que fosse o preço aplicado à iniciativa em questão.
A este propósito, evocou-se o confronto do número de pessoas que assistiram aos referidos concertos do popular artista nacional, realizados num mesmo local, com o intervalo de quase dois anos, em que cerca de 30.000 pessoas participaram no espectáculo gratuito enquanto que menos de metade de tal cifra aderiu ao concerto com preços simbólicos.
É óbvio que são vários os factores que impedem que esta seja uma comparação linear e justa, sustentada naquilo que os economistas gostam de designar como a condição “ceteris paribus”. Afinal, a verdade é que nem todos os demais factores que condicionaram o número de espectadores destes eventos se mantiveram constantes (desde logo, porque o evento gratuito foi o primeiro de vários concertos realizados pelo cantor em zonas próximas de Braga ao longo dos últimos dois anos).
Para lá do caso concreto, a questão poderá seguramente colocar-se em relação a outras iniciativas e seguramente também fora do contexto local. Será que, neste tipo de bens/serviços, a elasticidade-preço da procura (a forma como a quantidade procurada reage a variações de preço) é efectivamente tão elevada mesmo quando os preços se aproximam significativamente de zero?
Do ponto de vista económico, poder-se-á pensar que a questão subjacente a tal discussão é puramente académica, uma vez que não parece minimamente razoável que qualquer entidade com fins lucrativos pudesse sequer considerar a “alienação” gratuita do seu bem ou serviço, podendo também questionar-se a sua capacidade de abastecer um mercado potencialmente ilimitado…
Começando por este segundo aspecto, regra geral, o risco de que a empresa se deparasse com um mercado “infinito” é relativamente reduzido tendo em conta que, para lá do factor preço, existem outras variáveis que condicionam a procura dos consumidores, com especial relevo para a sua escala de preferências: não é certo que todos os agentes económicos/cidadãos queiram consumir um bem, por mais que o mesmo lhes seja oferecido. De qualquer forma, caso a empresa optasse por esta decisão estratégica, não seria improvável que a mesma pudesse deixar uma parcela de consumidores sem produto para fazer face ao seu volume de procura.
Quanto à primeira questão – poderá uma empresa com fins lucrativos considerar sequer a “oferta” dos seus produtos -, a verdade é que existem já exemplos abundantes de bens e serviços que são facultados gratuitamente aos seus consumidores potenciais.
Atente-se, por exemplo, ao caso dos jornais gratuitos. Poderiam parecer à partida um “produto” algo estranho, mas a verdade é que se trata hoje de um sector de actividade em franca expansão, não só nas tiragens dos vários títulos existentes, como até na segmentação de mercado que começa a ocorrer com o aparecimento de edições temáticas (economia, desporto, imobiliário, cultura,…) e com a publicação de edições geograficamente diferenciadas.
O sucesso destes projectos é tanto mais pertinente para a discussão em curso neste artigo quanto se verifica que os periódicos tradicionais têm registado uma tendência inversa, com uma queda generalizada nos volumes de vendas e na sua capacidade de angariação de publicidade.
De igual forma, e ainda na esfera da comunicação social, veja-se o que se passou com muitos dos títulos que tentaram restringir a subscritores o volume de informação inicialmente disponibilizado nas suas edições on-line e que tiveram que posteriormente inverter a rota para permitir o acesso aos mesmos conteúdos a título gratuito.
Pois bem, dirão, a verdade é que nestes casos, o grosso do volume de facturação não provém das vendas do bem em si, mas antes do volume de publicidade angariada e paga, em alguns casos, a peso de ouro.
Isto é, mais do que “vender a informação” aos seus leitores/visitantes, noticiosa no caso dos ditos jornais gratuitos, ou qualquer outro tipo de conteúdos no caso dos diversos sítios da Internet, os seus promotores estão alienar “tráfego” e um volume significativo de destinatários/contactos-directos aos seus anunciantes.
Ora, como em qualquer negócio, o segredo está mesmo em saber identificar e aproveitar as oportunidades, por mais que elas rompam com os cânones tradicionais dos manuais de economia e gestão.