quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Um passo de cada vez

Comece por pensar na sua situação pessoal. Ao longo da vida, recebe um conjunto de receitas que advém do seu trabalho, de outros rendimentos gerados pelo património que possui (rendas, juros, dividendos, etc.) ou de um leque de prestações sociais de que possa usufruir.
È obviamente com base nessas receitas que vai comparticipar as despesas que queira realizar, sejam elas de investimento (como a equisição de bens móveis ou imóveis) ou de natureza corrente (como férias, roupa, alimentação, transporte, saúde ou educação, só para citar exemplos comuns).
Se, num determinado momento não tiver os recursos necessários para fazer face às despesas que pretende realizar tem uma de duas hipóteses: ou aliena património para realizar liquidez ou socorre-se de um qualquer tipo de financiamento (seja este formal, através do sector financeiro, ou informal, através por exemplo do apoio de um familiar).
Ainda assim, ambas as alternativas exigem o cumprimento de pressupostos concretos: a existência de património para alienar e a possibilidade de identificação de potenciais interessados, no primeiro caso, e a confirmação do aceso ao crédito, no segundo.
No plano financeiro, sabe também que o valor que poderá realizar com uma venda não planeada pode ser inferior ao valor “justo” do bem e que um qualquer financiamento que obtenha terá posteriormente que ser reembolsado e comportará juros que mais vão onerar o seu orçamento corrente.
Dito isto, consegue admitir uma situação em que o conjunto de despesas que tem de suportar todos os meses é sistematicamente superior ao volume de receitas que obtém? Ou seja, não só vai registando um contínuo défice orçamental mensal como vai vendo os níveis de dívida agravados de mês para mês?
E se, ao fim de algum tempo, não tiver já património passível de ser alienado? Ou se não conseguir obter qualquer financiamento? Ou se, antes mesmo dessa situação limite, os juros que lhe possam exigir são já incomportáveis para a sua normal capacidade de geração de receita?
E se, perante a falta de recursos para efectuar pagamentos, os seus normais forncedores se recusarem a prestar-lhe certos serviços ou a vender os bens? Se lhe cortarem a luz, a água ou o telemóvel. Se não tiver dinheiro suficiente para fazer as compras do mês? Se…
Admitindo que não vai enveredar por qualquer actividade ilegal, e se colocado perante este desafio, surgem-lhe duas possibilidades de actuação (que podem e devem ser compatibilizadas): actuar de forma a reduzir os seus custos e procurar obter fontes adicionais de receita.
Naturalmente, esta segunda hipótese não é automática e pode demorar o seu tempo a produzir resultados, pelo que, confrontado com a necessidade de fazer face a determinados encargos, a única solução tem que ser reduzir o seu nível de despesa mensal.
Começará por cortar o que lhe parecer supérfluo, mas poderá ter que prescindir de coisas que lhe começam a pôr claramente em causa o seu nível de bem-estar e, até, de algo que já dera como natural e adquirido nos seus padrões de consumo.
Tanto mais que, muitas das vezes, aquilo de que acha que pode abdicar não lhe custa assim tanto e o grosso da sua despesa está em áreas que considera imprescindíveis para a sua qualidade de vida.
Além do mais, como em tudo na vida, pode até tomar opções que pressupõe que terão resultados efectivos, mas que acabam por se revelar más soluções.
Objectivamente, esse empobrecimento progressivo levá-lo-á a uma situação pior do que a que tinha anteriormente, mas permitir-lhe-á chegar a um limiar em que o seu orçamento acabe por ficar equilibrado e passível de ser paulatinamente ajustado em função da nova razão de forças entre receitas e despesas.
Aqui, é provável que volte a conseguir aceder ao crédito em condições mais favoráveis e que consiga orientar o seu foco para a necessidade de geração de recursos que lhe materializem a esperança de um futuro melhor.
Nesse dia, continuará apreensivo em relação aos desafios que tem pela frente e que podem até escapar ao seu controlo directo. Mas vai dormir melhor. Mesmo tendo a certeza de que foi apenas um pequeno passo. 

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O precipício fiscal


A par com as Eleições Presidenciais de Novembro, os Estados Unidos viveram o final de 2012 sob a égide da ameaça do “precipício fiscal” – a metáfora recuperada pelo líder da Reserva Federal Norte-Americana, Ben Bernanke, para caracterizar as implicações sobre a economia americana de um conjunto de medidas fiscais que entrariam em vigor automaticamente no início do novo ano.
Recuando um pouco no tempo, cumpre lembrar que esta situação teve origem no facto de os próprios Estados Unidos (EUA) terem estado na vertigem do colapso financeiro em meados de 2011, por força do crescimento contínuo do seu défice público.
Na ocasião, o limite do défice (que nos EUA é definido pelo Congresso de forma a evitar que existam gastos excessivos) foi alargado mas foi estabelecido o compromisso de que cortes significativos na despesa do Estado teriam que ser definidos até ao final de 2012, sob pena de haver um agravamento fiscal e uma supressão de benefícios de diversa ordem, de forma automática, já a partir de 1 de Janeiro de 2013.
Na prática, os ajustes previstos poderiam corresponder a uma redução de quase 4% do PIB no défice público em um só ano, reduzindo-o para menos de metade da cifra actual.
Acontece que lá, como em outros pontos do globo, o limite do endividamento triplicou no espaço de uma década, dos Governos Clinton para a esfera de Bush e Obama, com a dívida pública a ultrapassar os 100% do PIB, o valor mais elevado em várias décadas.
Na prática, o impasse neste processo, que se arrastou até aos últimos dias do ano – e que foi mais adiado do que resolvido -, requeria um entendimento entre as principais forças políticas nos Estados Unidos, de forma a encontrar compromissos que permitissem disciplinar as contas públicas mas de forma paulatina, evitando as consequências económicas de uma política excessivamente austera.
De acordo com as estimativas dos organismos de referência, o desemprego poderia subir para os 9% e o País entraria em recessão no presente ano, com uma diminuição do produto estimada de 0,5%, em resultado da introdução automática das medidas de contenção fiscal. Entre estas, encontravam-se a supressão de benefícios concedidos na área da saúde e de alguns apoios aos desempregados, uma redução no orçamento da defesa e a remoção de benefícios fiscais para algumas franjas da população e para as empresas.
No acordo alcançado, repartiram-se as cedências entre Democratas e Republicanos, conjugando medidas de aumento de impostos com a redução de despesas através da implementação de alguns dos cortes antes enunciados.
Todavia, a discussão está ainda parar durar, visando conter a escalada dos défices públicos e combater aquilo que alguns designaram como a “spending addiction” (o vício da despesa, numa tradução literal) do Estado. Em cima da mesa, mais cortes no sistema de saúde e nas pensões, o alargamento da idade de reforma e a reestruturação da política fiscal.
Por esta altura, estará já a perguntar-se se está a ler um texto sobre os Estados Unidos ou sobre outra realidade que lhe é mais familiar. E, com as devidas diferenças de escala, enquadramento e potencial económico, a verdade é que a questão central é comum a esses e a muitos outros paises.
De uma forma resumida, cada sociedade tem que escolher o modelo de Estado que pretende, seja na sua dimensão, nos serviços que presta ou nos benefícios e apoios que proporciona, na consciência de que toda essa despesa tem que ter uma contrapartida de receita e que esta só pode provir dos cidadãos ou das empresas.
Assim, se não queremos elevar a factura fiscal que impende sobre uns e outros, com as consequências económicas que se conhecem, a única solução é encurtar o nível da despesa, definindo prioridades e racionalizando a utilização dos recursos disponíveis.
Aqueles que se recusarem a efectuar esta discussão e se limitarem a cumprir estes objectivos impelidos pelas suas próprias circunstâncias e condicionantes, mergulharão sem margem para dúvida no “precipício fiscal”. E, quando assim acontecer, o terrível ano de 2013 que vamos enfrentar será apenas uma amostra… 

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Reestruturar Empresas


De uma forma geral, a falência de uma empresa pode ser vista como o resultado de um mecanismo de auto-regulação do mercado: admitindo que o objecto do negócio (a venda de certo tipo de bens ou serviços) não acaba, o encerramento da actividade de uma empresa leva a que o seu espaço seja apropriado por outra que cumpra a mesma função de forma mais competitiva e sustentável.
Isto é, numa aplicação económica da Lei de Darwin, há uma selecção natural entre aqueles que melhor se adaptam ao ambiente e aqueles que não o conseguem fazer.
Na verdade, tal como na natureza, também no quadro de desenvolvimento de cada uma das actividades económicas a envolvente não é imutável, o que obriga as empresas (mesmo as mais fortes e bem sucedidas) a desenvolverem um contínuo processo de transformação e ajustamento a cada nova realidade.
Poder-se-á dizer, porém, que há determinados contextos de tal forma adversos em que mesmo as ditas mais “fortes” (numa óptica de resistência e não de dimensão) têm extremas dificuldades em sobreviver.
Ora, restringindo-nos ao âmbito estritamente económico, assim acontece quando a conjuntura induzir um volume tal de falências que o mesmo ponha em causa a estrutura da base económica (nacional, regional ou local) e se repercuta em elevados custos sociais (nomeadamente pelo agravamento das cifras do desemprego).
Em qualquer circunstância, mas nestes casos de forma particular, o que é intolerável é admitir que pode haver factores que poderiam mitigar tal realidade e que os mesmos não estão a ser valorizados por todas as contrapartes envolvidas.
De registar, pois, o particular esforço que o Ministério da Economia desenvolveu no sentido de alterar o enquadramento normativo que envolve os processos de insolvência e de criar instrumentos de apoio à recuperação de empresas em dificuldades. O Programa Revitalizar (através do PER - Processo  Especial de Revitalização, do SIREVE – Sistema de Recuperação de Empresas pela Via Extrajudicial e da renovação do quadro legal dos administradores de insolvência), as alterações produzidas aos nível do Capital de Risco público e a criação dos Fundos Regionais de Expansão Empresarial são alguns exemplos desta nova postura.
Faltará, porventura, a criação de uma “Câmara de Compensação” de débitos/créditos com todo o Sector Público e o reforço dos estímulos à concessão de crédito às empresas por parte do sector bancário, tanto mais que boa parte das dificuldades das empresas resultam hoje de problemas de tesouraria.
Do lado privado, o contacto com inúmeras empresas levou-me a considerar que o problema se centrava na incapacidade de planear, de agir proactivamente e de promover as alterações necessárias em tempo, o que conduzia a tentativas tardias de reagir contra as adversidades ou à afirmação de “estados de negação” perante situações já quase insolúveis.
Mas também esta realidade parece estar a mudar. No âmbito do novel Programa de Reestruturação Empresarial da Porto Business School (Ex- Escola de Gestão do Porto) há a registar que a maioria das manifestações de interesse já verificadas advém de empresas com situações económicas e financeiras relativamente estabilizadas, que pretendem reforçar os seus argumentos e esbater as suas fragilidades antes que sejam surpreendidas negativamente pelas circunstâncias.
Note-se, finalmente, que uma das linhas do Programa Revitalizar visa ainda apoiar os processos de concentração, sucessão ou transmissão da propriedade das empresas, o que, em ligação com a reunião dos meios financeiros e a qualificação das práticas de gestão e actuação no mercado pode também contribuir para dar maiores oportunidades de sobrevivência às empresas e maior solidez ao tecido económico.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Portugal de marmita?


Há cerca de um ano, o Orçamento de Estado para 2012 concretizava uma das medidas de carácter fiscal que há muito vinha sendo discutida mas à qual se colocavam naturais reservas face ao potencial impacto da mesma sobre o tecido económico e aos resultados estimados da sua aplicação: o aumento da taxa do IVA de 13 para 23% no sector da restauração.
Na base dos argumentos então esgrimidos, começava por estar a avaliação do resultado directo em matéria de cobrança de IVA da medida em questão, contrapondo-se às previsões governativas de um aumento de 400 milhões de Euros uma potencial quebra de receita efectivamente obtida.
No que diz respeito a esta última hipótese, a mesma era justificada pelo claro aumento dos estímulos para a evasão fiscal e na quebra da procura decorrente de uma possível repercussão do agravamento fiscal sobre os preços finais praticados aos consumidores, com a natural retracção da procura por parte destes.
Um ano volvido, a polémica mantém-se acesa muito por via das tomadas de posição públicas das Associações Empresariais e do recém-constituído Movimento Empresarial da Restauração.  
Segundo dados deste Movimento, de Julho de 2011 a Julho de 2012, a média nacional de quebras de vendas na restauração e similares foi de 30 a 40%. As margens de lucro terão baixado no mesmo período entre 40 a 45%. Por fim, terá existido uma queda de cerca de 45 % do consumo no sector da alimentação e bebidas por parte de visitantes estrangeiros, e cerca de 34% do turismo interno.
Já de acordo com os dados do INE, as insolvências no sector aumentaram 98% e o sector perdeu 33.000 postos de trabalho no 1º trimestre de 2012, face ao mesmo período de 2011.
De igual forma, um estudo independente contratado pela Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) à PricewaterhouseCoopers sugere que “até ao final de 2013, se registe uma redução do volume de negócios no sector de cerca de 1750 milhões de euros, e que cerca de 39 mil empresas encerrem, traduzindo-se na extinção de 99 mil postos de trabalho”. A ser assim, cerca de 40% das empresas do sector poderão fechar portas até ao final do próximo ano.
Ainda de acordo com tal estudo, a manutenção da taxa do IVA nos 23% provocará um impacto negativo nas contas públicas que pode ir até 854 milhões de euros. Nesta cifra, incluem-se factores como a redução das contribuições da TSU e o aumento das despesas com subsídios de desemprego (que poderão criar pressões adicionais no sistema de Segurança Social de mais de 550 milhões de euros), e as pressões orçamentais por efeitos indirectos negativos de 235 milhões de euros, como resultado do encerramento de empresas. 
À luz de todos estes dados, valerá a pena destacar as conclusões mais consensuais. Assim, por mais que seja difícil destrinçar quais os impactos específicos de cada um dos factores na situação actual, é claro que o sector da restauração se depara com uma enorme ameaça à sua sustentabilidade, sendo previsível o agravamento da quebra das receitas, das falências no sector e da destruição de postos de trabalho (com os inerentes custos sociais e financeiros associados). Em paralelo, parece igualmente certo que a capacidade de geração de receitas fiscais se tenderá a degradar de dia para dia.
De notar, ainda, que o perfil da classe empresarial do sector assenta em larga medida numa estrutura de base familiar, o que vem colocar preocupações acrescidas sobre os reais impactos da actual situação sobre os níveis de pobreza da população abrangida.
Na óptica do consumo, e enquadrado com outras condicionantes não ligadas à vertente fiscal – como a também recente polémica com os custos dos terminais de pagamento automático, os custos energéticos, as implicações da legislação sobre o arrendamento urbano, etc. – o actual estado do sector assume-se como um óbice à sua valorização enquanto recurso turístico, nacional e regional, e condiciona a procura regular de uma população necessariamente empobrecida pelo ajustamento financeiro em curso.
Não sendo possível resolver todos os problemas de uma só vez, seria talvez avisado não os agravar face à relevância estratégica e ao peso económico e social do sector em causa. E, assim sendo, parece-me que seria de todo defensável que voltasse a ser reposta a taxa original de IVA de 13%, a qual será potencialmente geradora de ganhos fiscais.
Tal como se perspectiva actualmente, os portugueses estarão cada vez mais condenados à “sopa de pedra” com que as Associações Empresariais se manifestarão hoje a este propósito e à marmita que vemos ganhar adeptos em todos os quadrantes sociais.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Programa de Reestruturação Empresarial


Para conhecer aqui.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Este artigo não tem desconto


Os Portugueses são um povo de paixões. No plano do discurso, e qualquer que seja a temática, é difícil mantermo-nos indiferentes, tendendo a assumir posições extremadas de apoio incondicional ou de oposição convicta sobre cada matéria em apreço.
Entre outros factores, esse pode ser um dos motivos que explica a comoção colectiva provocada pelas circunstâncias que envolveram a promoção levada a efeito pelos supermercados Pingo Doce no passado dia 1 de Maio.
Afinal, o tema invadiu as colunas de opinião, os debates nas redes sociais, os espaços informativos de todos os meios de comunicação, as conversas de café e até as intervenções públicas de governantes e parlamentares desde essa data até hoje, como se estivesse em jogo algo de verdadeiramente decisivo para o nosso futuro colectivo.
Mas, poderá perguntar: é normal uma cadeia de supermercados lançar uma promoção que suscite tal adesão popular ao ponto de provocar distúrbios e focos de violência que exijam a intervenção das forças policiais em vários dos seus espaços comerciais?
E será que tais circunstâncias só ocorreram face às difíceis circunstâncias económicas e sociais que o país atravessa, ao ponto de a esmagadora maioria dos consumidores desse dia provirem de famílias com grandes dificuldades financeiras?
Além da característica antes referida, os portugueses são conhecidos por terem também memória curta ou por lhes faltar perspectiva de enquadramento sobre determinadas realidades.
A saber, mesmo quando os combustíveis estavam a um preço substancialmente inferior ao actual, alguém se lembra das filas de carros que procuravam abastecer a um valor 2 ou 3 cêntimos inferior ao aumento superveniente do dia seguinte?
E quem se recorda das filas (quando não verdadeiros acampamentos que se iniciaram durante a madrugada) de fãs e consumidores às portas de determinadas superfícies comerciais antes da venda de bilhetes para certos espectáculos ou das datas de realização de certas promoções em equipamentos informáticos (em ambos os casos, bens de consumo não urgente)?
Mesmo se olharmos para lá das nossas fronteiras, quem não viu já as imagens da balbúrdia que se regista em diversos espaços comerciais aquando do início das épocas de saldos ou em datas em que se realizam promoções especiais como a Black Friday americana?
Mesmo fora dos padrões “normais” desta promoções, quem não viu as imagens das centenas que aderiram às promoções daquelas lojas de roupa que ofereciam os seus produtos aos primeiros clientes a entrarem nus ou semi-nus (como foi o caso da espanhola Desigual em Janeiro último) nas suas lojas?
Na perspectiva dos consumidores, pois, esta foi uma promoção como tantas outras, que foi bem aproveitada por quem se dispôs a suportar os incómodos inerentes, fossem estes cidadãos mais carenciados, comerciantes e gestores de outras empresas de restauração ou o comum dos consumidores do mais variado leque de produtos. E, convenhamos, desde quem procurou assegurar os seus consumos mais imediatos a quem investiu várias centenas/milhares de Euros na compra de produtos com um desconto tão substancial, chega a ser ridículo sugerir que tais compras resultaram de um mero impulso consumista.
Na óptica dos trabalhadores da empresa, a realização de tal promoção num dia como o primeiro de Maio, com os sindicatos à porta, envolve uma espécie de “provocação” aos que contestam a abertura das superfícies comerciais nesta data, enquanto que a promoção em si terá provocado uma enorme sobrecarga de trabalho e stress no exercício das suas funções.
Todavia, a Jerónimo Martins parece querer ressarcir os visados por tal facto, quer com o pagamento de remunerações extraordinárias muito acima dos referenciais legais em vigor, quer pela atribuição de novos descontos na aquisição dos seus produtos.
Do ponto de vista da regulação do mercado, cada uma das entidades parece ter também cumprido a sua função: a Comissão Europeia não encontrou vícios de relevo nesta prática e a ASAE e a Autoridade da Concorrência desencadearam as diligências inerentes às desconformidades pontuais encontradas.
Já quanto aos fornecedores da empresa, conseguiram, por um lado, assegurar a venda de maiores quantidades dos seus produtos. Por outro, terão provavelmente que partilhar parte do esforço comercial inerente à promoção, mas não é crível que o façam de forma substancialmente distinta do que acontece em relação a todas as outras campanhas deste tipo de superfícies.
Resta avaliar a perspectiva do próprio Pingo Doce / Jerónimo Martins e os motivos que terão estado na base de tal iniciativa. Obviamente, nem podemos olhar para a empresa como uma instituição benfeitora que procurou responder à crise que assola o País, nem tratar os seus gestores como uma trupe de malfeitores que apenas se limitaram a escoar stocks perto do fim do prazo de validade à custa de pobres e desinformados, conseguindo mesmo assim assegurar ganhos substanciais.
Bem pelo contrário, visto de fora, tenho poucas dúvidas que o Grupo perdeu dinheiro com esta promoção, E, mesmo do ponto de vista da imagem pública, esta foi uma opção de comunicação que envolveu riscos, com o volume de exposição a não se traduzir integralmente em ganhos de imagem.
Pior, como o tempo poderá comprovar, esta iniciativa poderá acarretar custos directos e indirectos substanciais, para a empresa e para o sector, que põe em causa a sua razoabilidade e motivações na perspectiva do promotor.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Um novo think-tank Português

Um think-tank é, por definição, uma “entidade” que prossegue estudos e debates com vista à prescrição de diversas orientações em diferentes domínios, com vista à sua eventual implementação no quadro das políticas públicas.
Daqui resulta que estas organizações não se envolvem, nem o pretendem fazer, no campo da execução dessas mesmas políticas e assumem mesmo o desiderato de se manterem independentes dos governos e das distintas forças político-partidárias.
Desde a génese deste tipo de grupos de reflexão política que os mesmos surgem associados a instituições universitárias e a centros de investigação, assumindo-se também em diversos contextos como sintoma de um “impulso cívico” de representantes da Sociedade Civil.
A “Plataforma para o Crescimento Sustentável” (http://www.crescimentosustentavel.org/), uma associação independente, sem fins lucrativos, que se posiciona como um instrumento de reflexão e intervenção cívicas na área das políticas públicas para o desenvolvimento sustentável, é o mais recente Think-tank Português e enquadra-se claramente nesta última categoria.
Embora reúna nos sues órgãos sociais personalidades prioritariamente ligadas ao PSD, como Rui Machete (Presidente do Conselho Fiscal), Francisco Pinto Balsemão (Presidente do Conselho Consultivo) e Jorge Moreira da Silva (o Presidente da Direcção, a alma e motor deste projecto), os cerca de 300 membros que integram as seis áreas de trabalho reúnem uma esmagadora maioria de independentes e de pessoas, com perfis diferenciados, que se revêem num espaço político próximo mas não necessariamente comum em termos partidários.
A Plataforma encontra-se estruturada em 6 Grupos de Trabalho (Conhecimento, Bem-estar social, Competitividade, Sustentabilidade, Desafios Globais e Cidadania, Democracia e Liberdade), depois desagregadas em 29 subáreas de reflexão.
Na carta constitutiva que foi formalmente apresentada esta semana, a Plataforma assume 10 desafios prioritários: Levar a democracia mais longe; Afirmar uma sociedade de valores e de consciências; Dar mais liberdade aos cidadãos, com menos influência do Estado; Promover adequadamente a flexibilidade e a segurança no trabalho; Valorizar o conhecimento e a cultura empreendedora; Escolher uma nova carteira de actividades económicas; Fomentar uma economia verde; Estabelecer um novo modelo territorial; Assegurar uma justiça célere e eficaz; e Tornar Portugal activo nos desafios globais.
De entre este leque, permito-me destacar três vertentes fundamentais. A primeira, que converge com o objectivo central da Plataforma, orientada para a necessidade de construir um novo modelo de desenvolvimento (“sustentável, inteligente, competitivo e inclusivo”) que dê resposta cabal aos múltiplos bloqueios que ainda condicionam o futuro de Portugal. Ao bom espírito e prática dos think-tanks de referência, esse modelo deve traduzir-se na definição de “um quadro ambicioso de reformas”, que “transcenda o horizonte temporal de uma legislatura”.
A segunda, centrada nesta dimensão internacional da Plataforma, como se impõe no actual quadro globalizado de funcionamento das economias, das sociedades e das próprias políticas, que se reflecte nas relações de parceria estabelecidas com vários think-tanks e Fundações internacionais de influência e prestígio reconhecidos. Entre estes, contam-se o BRUEGEL, o CES – Center for European Studies e o CEPS - Center for European Policy Studies (Bélgica), o REFORM e o RESPUBLICA (Reino Unido), o ASTRID (Itália), a Clinton Foundation e o Pew Center (Estados Unidos), a Fundação Entorno (Espanha) e a Fundação Konrad Adenauer (Alemanha).
Finalmente, realço essa dimensão do estímulo à participação cidadã, que me motivou de forma particular para aceitar o convite para integrar a área de ordenamento do território, no Grupo de Trabalho da Sustentabilidade da Plataforma.
Porque, como frisou o Primeiro-Ministro Passos Coelho na cerimónia pública de apresentação da PCS “Governo algum é detentor de todas as boas ideias”. Ou, como bem recordou nessa circunstância a Maestrina Joana Carneiro, Presidente da Assembleia-Geral da Plataforma, cumpre-nos dar diariamente corpo à belíssima imagem do filósofo Leonardo Coimbra: “o homem não é uma inutilidade de um mundo feito, mas o obreiro de um mundo a fazer”.