segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

2007 na TV


EURONEWS
O programa que mereceu mais destaque, audiências e horas de transmissão foi obviamente a Presidência Portuguesa da União Europeia, rematada com a assinatura de um novo Tratado, mas pautada por várias iniciativas de grande impacto.
José Sócrates assumiu com elevação o papel que melhor lhe parece encaixar e levou a bom porto várias empreitadas de monta, entre as que herdou da Presidência Alemã e as que assumiu como prioridade para a Presidência Portuguesa, com realce para a também recente Cimeira Europa-África.

TRAVEL CHANNEL
Antes, o Primeiro-Ministro Português já acrescentara mais alguns cenários à colecção de fotos dos locais em que fez jogging pela manhã. Neste âmbito, se não se atreveu a enfrentar a Grande Muralha da China, não deixou de juntar ao seu registo pessoal a Praça Vermelha de Moscovo em mais uma das suas iniciativas de diplomacia económica.
De ficar com os olhos em bico foi a declaração do ano, da autoria do sempre imprudente e algo disparatado Ministro da Economia, quando aproveitou a deslocação a Pequim para defender os investimentos no nosso País, por forma a que fosse possível aproveitar os “baixos salários” dos trabalhadores portugueses.

PEOPLE & ARTS
O protagonismo de José Sócrates foi particularmente bem secundado com a meteórica ascensão de Nicolas Sarkozy e com a consolidação inspiradora do trabalho de Angela Merkel, e seriamente ameaçado com a dominância mediática de Joe Berardo.
O investidor português, que saltitou entre a defesa dos pequenos investidores da PT, a criação do seu Museu no Centro Cultural de Belém, os reparos ao potencial físico de Rui Costa e a influência no processo do BCP, merece especial relevo pela introdução do comum dos cidadãos com uma nova versão de “Economês”.

NATIONAL GEOGRAPHIC
Também em 2007, o Ambiente e a Sustentabilidade do Desenvolvimento Económico voltaram a estar na primeira linha das preocupações mundiais.
Al Gore recebeu o Nobel da Paz pela sua acção de sensibilização para as alterações climáticas. A Cimeira do Bali trouxe novos compromissos e objectivos para o topo das prioridades políticas internacionais. O petróleo continuou a sua escalada de preços ininterrupta. Por cá, começou a discussão do impacto das Linhas de Alta Tensão.

RTP1/SIC/TVI
A definição mais concreta das prinicipais linhas de intervenção do QREN – Quadro de Referência Estratégica Nacional, as regras de acesso e as tipologias dos projectos contemplados deixa um sabor agridoce no conjunto dos agentes económicos nacionais.
Embora ainda só tenha havido pequenos simulacros de abertura de candidaturas à generalidade dos Programas Operacionais, a sensação com que se fica é a daqueles concursos de fim de tarde ou princípio de madrugada das televisões generalistas: pode-se sair de lá milionário, mas normalmente só se recebe um cheque de 50€ em compras nas Lojas Singer…

CANAL PANDA/AXN
A discussão em torno da estratégia próxima e da localização do novo aeroporto de Lisboa reuniu ingredientes de dois dos principais canais por cabo. Por um lado, por entre estudos, contra-estudos, leituras diagonais, declarações bombásticas e posições contraditórias ou contraditadas, assemelhou-se a uma daquelas séries do AXN, com muita emoção e vários episódios em infindáveis temporadas.
Todavia, quando se analisa a frio a postura dos protagonistas, pensamos que saíram quase todos de um qualquer programa do Canal Panda.

RTP-N
Mais a Norte, chora-se o leite derramado, tenta-se perceber como foi possível bater no fundo e ver os outros passar à nossa frente, clama-se pela Regionalização e dão-se passos com vista ao fortalecimento da Euro-Região.
Iremos a tempo ou será apenas mais uma tentativa frustrada de salvar um canal sem audiência?

CANAL PROGRAMAÇÃO
Se optar por ter uma panorâmica mais geral do que esteve em exibição, terá visto salpicos da animação que as Ofertas Públicas de Aquisição da Sonae.com à PT e do BCP ao BPI trouxeram ao mercado de capitais, via Canal Bloomberg.
Terá talvez, vislumbrado o reforço da oferta disponível no Gigashopping graças ao aparecimento de mais umas dezenas de médias e grandes superfícies comerciais em todo o País.
Terá, também, acompanhado o início das actividades radicais de algumas Autarquias nacionais no Extreme Sports Channel, à medida em que estas se lançavam para uma modalidade de contratos de Parceria Público-Privada, sem paraquedas.
Descontando o tempo que me concedeu para ler estas linhas, estará ainda a acompanhar em pormenor as incidências da programação do Millennium TV, cujas cenas escaldantes – que contam com a participação do Banco de Portugal, da CMVM, do Ministério das Finanças e de vários Administradores desta e de outras Instituições Financeiras – têm sido alvo de uma divulgação resumida nas madrugadas de fim-de-semana no Canal XXL. Obviamente…

Não abuse da televisão e tenha um óptimo ano de 2008!

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Dia de Natal


Durante dias ou semanas a fio, correu lojas, pequenas, médias e grandes superfícies comerciais para comprar as prendas dos miúdos, do pai, da mãe, do tio, da prima, do vizinho e do colega, para lá da lembrança da loja dos trezentos para a festa dos amigos.
Chateou-se com o concorrente daquele último lugar de estacionamento, quase atropelou a senhora carregada de sacos que arrastava a miúda pelo cachecol a caminho da paragem do autocarro, discutiu preços com o marido ou a esposa, lamentou-se do encargo orçamental que esta época sempre representa e prometeu que para o ano um postal basta… Então se for da UNICEF até se está a fazer uma boa acção!
Por entre a correria, cruzou-se ora animado ora inquieto com o rebuliço nas ruas, ouviu os cânticos de boas festas e tropeçou nos Pais Natal e nas animações de ocasião.
Não havia, porém, muito tempo para parar em cada uma das escapadas consumistas da hora de almoço, do fim do trabalho, de antes do jantar, de logo após o café, de cada fim de semana em que, valha-nos isso, as lojas encerram bem mais tarde do que é habitual.
Depois teve que se preparar a ceia, que ir buscar o bacalhau, que comprar as couves e o vinho, que reservar o bolo-rei e o pão-de-ló, que telefonar aos parentes para desejar boas festas, que enviar e-mails e sms para toda a base de endereços que o Outlook e a memória do telemóvel comportavam.
A refeição (como qualquer outra) correu a gosto, intercalada com as últimas da novela da noite, a discussão quanto ao número de folhas de cada posta de bacalhau face ao exemplar do ano anterior, o anúncio da chegada das rabanadas e dos mexidos.
Depois, a promessa de que no ano que vem não falha a ida à missa do galo, o frenesim de abertura dos presentes, o amontoado das ofertas lado a lado com a pilha de papéis de embrulho que tão rapidamente deixaram de cumprir a sua função. Se alguém se engana vai tudo junto para os sacos de lixo que mais tarde do que cedo virão recolher e que são o testemunho último da grandeza da festa já quase dada por terminada…
Amanhã volta o trabalho, se houver.
Volta-se a pensar nas contas do fim do mês que mais um ano difícil tornou cada vez mais complicado de contornar. Subiram os juros, os preços e as despesas com os bens mais essenciais.
Começa-se a falar dos aumentos para o próximo ano mas o que vem para casa não parece compensar a catadupa de subidas que os noticiários avançam para o cabaz base da vida doméstica no ano vindouro.
As nuvens permanecem fortes, carregadas, no horizonte. Diz o Primeiro que tem orgulho em nós e que os dias de primavera chegam sempre em Março. Diz o segundo, que temos que dar as mãos e fazer mais um esforço para ultrapassar os desafios que cada novo Bojador nos coloca no caminho.
Diz outro ainda que vai dedicar cada vez mais atenção aos nossos problemas e desenvolver iniciativas inovadoras para apresentar soluções cabais para as nossas necessidades. Mas, não o disse também no ano que foi? E chegou a tentar?
Fazem-se planos e promessas para mais um ano que se avizinha. Quilos que se querem perder. Amizades para reanimar. Carinhos para distribuir. Sucessos para alcançar.
O turbilhão das rotinas volta a ameaçar com toda a sua voracidade a pacatez de mais este Dia de Natal.
Desligue, por isso, ao longo das próximas horas, de todas essas ansiedades e inquietações.
Olhe à sua volta e sinta o que é verdadeiramente mais importante nesta quadra, como em cada dia das nossas vidas.
Transforme em gestos as palavras de ocasião. Sem economizar.
Lembre-se que, mesmo que não queira, hoje é Natal.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Europa-África II


Na pretérita semana apresentei inúmeros dados retirados do último Relatório do Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, relativos ao ano de 2005, para demonstrar o desequilíbrio estrutural entre a generalidade das nações europeias e africanas, em matéria de níveis de desenvolvimento económico e social.
A estes dados de natureza estatística poderíamos juntar vários outros factores de índole política, histórica, militar e ambiental para perceber quais as fontes de desfasamento entre as duas contrapartes da última Cimeira de Lisboa.
Assim, pela negativa, teremos que ter em conta a instabilidade política que ainda grassa em muitos dos países africanos, os conflitos militares que os dilaceraram sob todos os pontos de vista até a um passado recente, o acumular de défices na sua Balança de Pagamentos e a forte dependência que existe do exterior em matéria de bens industriais e produtos de cariz tecnológico.
Em contrapartida, a esmagadora maioria das nações africanas dispõe de significativos recursos naturais, dos minérios aos recursos energéticos, que as tornam um alvo apetecível dos investimentos e da batalha económica entre o Ocidente e o Oriente que deu sequência histórica à disputa entre as nações que lideravam a Guerra Fria durante as últimas décadas do século XX.
Tudo isto para perceber que a intenção declarada, e subjacente à Cimeira de Lisboa – como antes estivera na base da I Cimeira Europa-África que se realizou no Cairo no ano 2000 -, de transformar um relacionamento entre colonizador e colonizado ou entre doador e beneficiário numa parceria entre partes equiparáveis regista significativas condicionantes à sua implementação prática.
Daqui se compreende toda a polémica suscitada pela proposta de estabelecimento dos designados APE - Acordos de Parceria Económica (APE), quer junto de alguns Estados africanos, quer por parte de diversas Organizações Não Governamentais internacionais, que consideram que a aplicação destes Acordos pode provocar sérios danos na estrutura económica dos países menos desenvolvidos.
Os APE são um conjunto de compromissos a celebrar entre a União Europeia e diversos Estados Africanos ou os seus blocos regionais representativos que visam dar sequência aos objectivos dos Acordos de Cotonou e que traduzem a aplicação dos princípios de liberalização económica da OMC – Organização Mundial do Comércio às trocas entre estes dois continentes.
Através dos APE, e a partir do início de 2008, os países africanos verão abrir-se as fronteiras dos países da União Europeia, mas serão confrontados também com um mais fácil acesso das exportações da União e dos capitais dos países europeus aos seus mercados internos.
Por força dos desequilíbrios antes expostos e da natureza destes compromissos de liberalização das trocas percebe-se que exista o receio de que sejam novamente os mais fortes a extrair os proveitos mais significativos ou a questionar-se mesmo os benefícios que daí podem advir para as contrapartes mais frágeis.
Assim se compreendem as palavras fortes do Presidente da Comissão da União Africana – cargo equiparável ao que hoje é desempenhado por Durão Barroso na União Europeia -, Alpha Konaré: “África está a mudar, para seu benefício e não da Europa”, ao mesmo tempo que rejeitou a "fatalidade" da pobreza em África e que pediu aos europeus para não olharem para o continente apenas "como um mercado".
Na base dos receios africanos está a percepção de que o faseamento previsto na abertura dos seus mercados pode não assegurar as condições mínimas de salvaguarda para o tecido económico local, ao passo que a supressão das tarifas aduaneiras hoje cobradas pode representar uma significativa perda de receita para os Governos nacionais.
Ainda assim, os Acordos de Parceria Económica prevêem a manutenção e reforço da assistência técnica Europeia aos países Africanos, que deverá ser acompanhada de reformas estruturais que assegurem a competitividade futura destes países.
Na óptica europeia e da OMC, os APE são “instrumentos de desenvolvimento”. Na perspectiva dos seus opositores, são um mero preço que se quer impor aos países africanos como contrapartida dos apoios recebidos dos países desenvolvidos.
Para estes críticos, impunha-se uma revisão completa das orientações destes Acordos que levasse a que a cooperação comercial entre estes blocos fosse baseada no princípio da não reciprocidade, protegesse os mercados nacionais e regionais dos produtores dos países africanos, acabasse com a pressão para a liberalização do comércio e do investimento nestes países e tornasse possível um maior espaço de manobra política para uma integração faseada destes países no processo de globalização.
Na óptica europeia, não só estes países poderão ganhar com as sinergias da abertura das suas fronteiras e do potencial investimento estrangeiro que poderão atrair, como a própria questão das receitas fiscais pode ser mitigada com o acréscimo das receitas de impostos análogos ao IVA ou ao IRC.
Teremos que esperar mais sete anos por novos desenvolvimentos?

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Europa-África I


De acordo com o último Relatório do Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, assente em dados relativos a 2005, a Islândia ultrapassou marginalmente a Noruega para atingir o topo do ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), um indicador compósito que abarca componentes económicas, demográficas, sociais, ambientais e de outras naturezas conexas.
Se nos centrarmos nos países da União Europeia, a liderança cabe à Irlanda, no 5º lugar da tabela do IDH, com um valor de 0,959, mas logo seguida por mais quinze parceiros da União antes de se atingir o 29º lugar de Portugal, que atinge os 0,897 no IDH.
De entre os 27, os últimos lugares pertencem aos mais recentes membros da família Europeia, a Bulgária (53ª) e a Roménia (60ª), mas ambas ainda dentro do grupo de países de desenvolvimento humano elevado.
Se o IDH é, em si mesmo, um indicador um pouco asséptico, atentemos, por exemplo, aos dados da Esperança Média de Vida à Nascença: Irlanda, 78,4 anos; Suécia e Espanha, 80,5 anos; Portugal, 77,7 anos; Estónia, 71,2 anos.
Na taxa de literacia dos adultos, os valores oscilam entre os 99% de uma parte substancial dos Estados-membros, os 93,8% de Portugal e os 87,9% de Malta.
Finalmente, o Produto per capita (Ppc) varia entre os 60.228 dólares do Luxemburgo, os 38.505 dólares da Irlanda, os 20.410 dólares de Portugal e os 9.032 dólares da Bulgária.
Dos 70 países que pertencem ao nível de desenvolvimento mais elevado, apenas um as Ilhas Maurícias (na 65ª posição, com um IDH de 0,804, um Produto per capita de 12.715 dólares, uma taxa de literacia de adultos de 84,3% e uma Esperança média de vida de 72,4 anos) pertence ao Continente Africano.
No nível abaixo, podemos encontrar, entre outros, países como a Tunísia, Cabo Verde (o primeiro entre os PALOP, no 102º lugar), a Argélia, o Egipto, a África do Sul ou S. Tomé e Príncipe (123º).
Mas é no nível dos países de menor desenvolvimento humano que se pode encontrar uma percentagem esmagadora de membros do contingente africano. Lá estão Angola (162º), Moçambique (172º) ou a Guiné-Bissau (175ª e antepenúltima do ranking das Nações Unidas).
Qualquer destes países tem um IDH inferior aos 0,45 (o que, matematicamente, corresponde a não atingir o nível mínimo de aprovação em termos de desenvolvimento), tem uma esperança média de vida à nascença inferior aos 46 anos, um Produto per capita entre os 2.335 dólares de Angola, os 1.242 dólares de Moçambique e os 827 dólares da Guiné e uma taxa de literacia de adultos de 67,4% em Angola, mas apenas 38,7% em Moçambique.
Nesta classe de países, podemos, porém, encontrar dados ainda piores: a esperança média de vida à nascença na Zâmbia é de 40,5 anos; o produto per capita do Malawi é de 667 dólares e a taxa de literacia de adultos é de 23,6% no Burkina-Faso. No cômputo geral do IDH, a última posição pertence à Serra Leoa, com um valor de 0,336.
No Sudão, há 5,4 milhões de cidadãos que abandonaram as suas casas. Este número cifra-se entre os 1,2 e os 1,7 milhões de pessoas no Uganda e ascende a 1,1 milhões de Congoleses, ao que acresce mais 400 mil refugiados no exterior.
A taxa de electrificação do País não ultrapassa os dez por cento no Uganda, Malawi, Congo, Moçambique ou Burkina-Faso. Percentagens muito significativas das populações destes países não têm acesso às mínimas condições sanitárias exigíveis, a água potável ou a condições de acompanhamento da maternidade (o que leva uma percentagem significativa das crianças a terem pesos e alturas inferiores ao desejável para as suas idades).
Todo este conjunto de dados traça um quadro extremamente dicotómico e quase simétrico entre dois continentes vizinhos entre os quais a História chegou a criar laços de sangue e cultura umbilicais.
Não se percebe, pois, o distanciamento que ainda hoje se cultiva entre ambos, os sentimentos de constante confrontação, a forma como parecem cuidar de estreitar relações com terceiros para fazer ver ao outro parceiro que o mesmo é dispensável na sua existência.
Em qualquer circunstância, a realização de uma Cimeira como a que esta semana teve lugar em Portugal tem méritos inquestionáveis.
Na próxima semana, porém, tentaremos avaliar porque é que o maior fracasso da Cimeira foi precisamente no campo económico. Mas os dados que antes apresentei deixam já pistas significativas…

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Os custos de contexto

Há poucos meses, um amigo empresário dava-me nota da animada troca de argumentos entre os membros do Conselho Consultivo de certa Associação Empresarial que, na sua maioria, contestavam o agravamento das responsabilidades e custos derivados das contrapartidas que tinham que apresentar, em particular às Autarquias Locais, na sequência de diferentes projectos que implicavam a sua apreciação.
A questão já não é propriamente nova mas talvez tivesse até a um período recente, um cunho algo informal.
Na verdade, quem não conhece casos de um determinado loteador que se disponibilizou a alargar/pavimentar/murar/concluir um dado caminho público próximo da zona em que está a intervir?
Quem não se lembra da discussão em torno das contrapartidas para o comércio da Baixa do Porto, liderado pela Associação da Laura Rodrigues, aquando das alterações ao Plano de Pormenor das Antas e do aparecimento de novas superfícies comerciais?
Recentemente, Jaime Lopes, Presidente da Chamartín Imobiliária – a promotora dos Centros Comerciais Dolce Vita – aproveitou um encontro com a Imprensa em que divulgou os contornos da proposta que esta entidade apresentou a um concurso lançado pela Câmara Municipal de Leiria para enquadrar um pouco melhor a questão.
Assim, dizia este empresário que “sendo os centros comerciais politicamente incorrectos (pelos muitos processos que suscitam, como, por exemplo, os de organizações ambientalistas), uma Câmara Municipal para aprovar um centro comercial tem que ter contrapartidas”.
Em entrevista ao Jornal de Notícias, o líder da Chamartín Imobiliária precisava ainda mais a sua ideia: “Obter um licenciamento enquanto centro comercial puro e duro é cada vez mais complicado, não é politicamente correcto. Hoje, um centro comercial tem de contribuir para o desenvolvimento da comunidade em que se insere, tem de funcionar como uma âncora urbana que alavanque a requalificação dos centros das cidades”.
No caso do projecto de Leiria, tido como o melhor de sempre da empresa, a Chamartín Imobiliária apresentou a concurso uma proposta de requalificação urbana que implicará investimentos de quase 200 milhões de euros, numa área de intervenção de 25 hectares, onde nascerão um centro comercial, um pavilhão multiusos e um renovado mercado municipal.
Desta cifra, a Chamartín Imobiliária propõe-se investir 74 milhões de euros em contrapartidas, isto é, no desenvolvimento de edifícios, infra-estruturas e outros espaços que fazem parte do caderno de encargos e dos quais o promotor imobiliário não tirará rendimentos.
Já na passada semana, no decurso da última Assembleia Municipal de Braga, o Presidente da Autarquia local assegurou publicamente que também “esta Autarquia não está a dormir” e que não só a Chamartín Imobiliária – que recentemente viu licenciado um Dolce Vita neste Concelho - irá suportar o custo integral da chamada Variante do Cávado (uma nova via estruturante com um custo de 5 milhões de Euros), como o Grupo das Confecções Regojo – que adquiriu um quarteirão na principal artéria da cidade para aí instalar um novo espaço comercial -, irá suportar parte substancial do custo de prolongamento de um túnel rodoviário que irá possibilitar a criação de uma praça pedonal fronteiriça a tal espaço e ao renovado Teatro Circo.
Na ocasião, ficou ainda por revelar quais as “contrapartidas” que a Autarquia Bracarense obteve pelo licenciamento do Espaço Braga, uma outra grande superfície comercial que também já obteve autorização para a sua instalação em Braga.
Em boa verdade, no caso de Braga este conceito de “contrapartidas” é até algo relativo, uma vez que a Câmara Municipal local nunca questionou ou condicionou a emissão de pareceres favoráveis a este tipo de factores, antes assegurando a apreciação estrita do enquadramento urbanístico dos projectos.
Ora, é precisamente este tipo de situações que me leva a ter “mixed feelings” em relação à proliferação destas situações que os empresários que referi inicialmente tipificavam como “custos de contexto”.
Por um lado, acho positivo que as Autarquias assumam certo tipo de exigências junto das suas contrapartes que beneficiem o conjunto da comunidade ou certa zona específica de intervenção e também me parece de saudar a “responsabilidade social” dos promotores de certo tipo de projectos em relação ao seu Concelho/Zona de acolhimento (e que se pode vislumbrar também noutro tipo de contrapartidas não públicas, como o apoio a colectividades locais, a garantia de colocação preferencial dos residentes, etc.).
Todavia, creio que estas situações introduzem certa subjectividade/arbitrariedade na apreciação de matérias que deviam ter regras e critérios objectivos, aplicáveis de forma transparente e uniforme a todas as situações.
Em suma, algo que só pode ser minorado se cada um destes casos for publicamente apresentado com rigor e detalhe, para se perceber a lógica de actuação de uns e as motivações de outros, como bem acontece no caso do Concurso de Leiria.
Se assim não for, abre-se porta a todo o tipo de cogitações.