terça-feira, 28 de junho de 2011

Fazer cidade

Como é fácil imaginar, não se consegue resumir numa única página a multiplicidade de políticas e iniciativas que as entidades públicas, em particular as Autarquias Locais, podem e devem desenvolver para conferir vitalidade e dinâmica económica aos centros das nossas cidades.
Afinal, por mais que se possa dar destaque a um determinado projecto ou a uma abordagem concreta de revitalização dessas franjas do seu território, estar-se-á sempre a esquecer que só uma lógica integrada de desenvolvimento, transversal a diversas áreas da governação municipal (trânsito, transportes, urbanismo, habitação, cultura e lazer, segurança, ambiente, juventude, economia, património, etc.) pode assegurar esse desiderato.
Mais a mais, esta não é uma tarefa que esses organismos possam desenvolver só por si, exigindo-se a participação de outras instâncias públicas (entre outras, Ministérios, Direcções-Gerais, Comissões de Coordenação, Forças de Segurança, Outros Organismos Desconcentrados do Estado), o recurso a mecanismos de financiamento versáteis e o envolvimento do conjunto da Comunidade local, através de instituições como as Associações Empresariais, as Instituições de Ensino Superior, as IPSS e outras entidades promotoras de respostas sociais (ainda que com fins lucrativos), as associações de diversa ordem e todos quantos contendem com cada uma das referidas áreas da governação local.
Por outro lado, esta análise tem que considerar que um centro de cidade vivo tem que conjugar diferentes vivências e níveis de actividade, ora no período laboral, ora no período nocturno e de fim-de-semana, sob pena de se verificarem fenómenos igualmente perniciosos: de que vale uma extensa área pedonal com possibilidade de instalação de diversos estabelecimentos comerciais e de serviços se a mesma se transformar num deserto urbano após o respectivo horário de encerramento? E pode uma determinada área central da cidade subsistir apenas como dormitório ou como pólo de animação nocturna (assente no funcionamento de cafés, bares, restaurantes e outros espaços de animação)?
A resposta a ambas as questões parece evidente e deve também ser tida em conta nas opções a tomar quando se pretende fomentar determinada modalidade de ocupação destes territórios.
Façamos, pois, o exercício ao contrário? Das diferentes cidades que conhece em que há uma real e contínua actividade ao longo e todo o dia, durante todos os dias da semana, quais são os factores indutores da ida das pessoas para o centro?
Desde logo, há circunstâncias que conjugam os dois exemplos extremos anteriores: actividade dos sectores comercial e de serviços privados durante o dia, devidamente articulada com o acesso à habitação e iniciativas de animação (públicas e privadas).
Depois, há a circunstancial envolvente turística, cultural e patrimonial (monumentos, museus, centros artísticos, animação de rua e/ou salas de espectáculos) que pode trazer fluxos adicionais de visitas, de estrangeiros, de visitantes, mas também de “locais”.
Uma das soluções comuns é a transformação desses espaços em verdadeiros centros cívicos, com a instalação de diversas valências de interface da Administração com os cidadãos, sejam estes de cariz administrativo (como as “Lojas do Cidadão” locais ou nacionais, as Conservatórias e toda uma série de outras instâncias associadas) ou diversas tipologias de serviços públicos: Tribunais, Hospitais e outras unidades de saúde, Escolas e outras Instituições de Ensino (neste caso, sejam as mesmas públicas ou privadas).
Na mesma linha, os centros das cidades são também espaços acolhedores para unidades residenciais (lares de terceira idade e espaços de habitação com autonomia para seniores, pousadas da juventude e residenciais académicas).
Obviamente, quanto maior for o fluxo turístico existente, maiores são as condições de sustentabilidade para projectos hoteleiros, sejam estes low-cost ou unidades de luxo de “turismo urbano”.
Outra possibilidade passa pela criação de espaços de acolhimento para diferentes tipologias de associações e/ou para unidades de promoção de projectos de micro-empreendedorismo.
Em cidades de alguma dimensão, estas soluções podem ser conjugadas com a localização de sedes de empresas, de serviços de call-center e outras fontes de elevados volumes de emprego, para as quais é exigível a existência de bons sistemas de transporte e/ou fluidez de tráfego e cuja localização pode ser estimulada pela proximidade dos referidos centros da Administração.
Como é fácil perceber, estas realidades têm também associada a apetência pelas unidades hoteleiras vizinhas, alimentam os estabelecimentos comerciais e de restauração e atraem também todo o tipo de serviços subsidiários.
O encadeamento das diferentes facetas é natural e gera um processo auto-sustentável.
Todavia, não se pode criar uma realidade destas de forma artificial e muito menos imediata, sendo também difícil suprir qualquer quebra superveniente de algum dos pilares dessa dinâmica do centro urbano.
Exige-se, antes, um planeamento cuidado e atempado e uma vigilância contínua sobre o nível de aproveitamento dos factores de competitividade locais e sobre as oportunidades de expansão dessa atractividade de forma a assegurar a preservação e reforço da vida no coração das nossas cidades.
Quem não o fizer, pode bem confrontar-se com a morte acelerada dessas zonas centrais e, pouco a pouco, de toda a cidade.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Ao trabalho!

Tal como resulta do “Memorando de Entendimento” com a Troika – que poucos Portugueses terão lido – e como foi explicitado pela “Sistematização das medidas do Programa de Apoio Económico e Financeiro a Portugal até ao final de 2011”, entretanto coligida pelo Ministério das Finanças – mas que não terá despertado a curiosidade de muitos mais cidadãos nacionais -, os próximos meses exigirão uma actividade legislativa frenética, ao novo Governo e ao novo Parlamento agora empossados.
Neste último documento, em que as medidas são segmentadas em função do seu período temporal de implementação acordado e das áreas de incidência predominante (aqui distribuídas pelo Reforço da estabilidade financeira e pela melhoria da monitorização do sector bancário; pela Melhoria da competitividade; e, finalmente, pelo Reforço da gestão financeira pública e pela redução dos riscos orçamentais) são 29 as páginas em que se encontram listadas as várias centenas de iniciativas que deverão ter lugar até ao final de Dezembro de 2011.
Acresce a tudo isto, como tantas vezes tenho referido, a capacidade que o novo Executivo irá revelar para encontrar soluções ainda mais eficazes para atingir os mesmos objectivos e para concretizar outras prioridades políticas que não caiam directamente no raio de acção do Memorando com a Troika.
Como em qualquer circunstância análoga (e esta não é de todo excepção), servem também estes momentos para se proceder a uma primeira avaliação da equipa escolhida pelo novo Primeiro-Ministro e pelo seu parceiro de Coligação, no quadro da celebração do acordo que consagra uma “Maioria para a Mudança”, para vigorar durante a presente legislatura.
Ainda que seja ainda desconhecida a orgânica global do Governo, nomeadamente no que concerne à definição estrutural e à avaliação dos titulares do conjunto das Secretarias de Estado, os dados já conhecidos apontam para o cumprimento dos compromissos assumidos pelos dois Partidos no período eleitoral de assegurarem uma simbólica racionalização das estruturas governativas.
Para tal, foram concentradas pastas ministeriais em alguns titulares, o que não equivale à extinção das mesmas e nem sequer terá que equivaler forçosamente a uma desvalorização das ditas na nova orgânica do Governo.
De entre as “despromoções” já conhecidas, o regresso da Cultura a uma Secretaria de Estado, não tem também que equivaler a uma perda de importância do sector, tanto mais que além da dinâmica que será aportada pelo novo titular desta pasta, a verdade é que este Ministério vinha registando uma contínua sangria das verbas disponíveis, ao ponto de tornar a sua actividade irrisória em muitas das vertentes prioritárias que se lhe podem reconhecer.
Do ponto de vista global, o elenco ministerial prima por uma profunda renovação geracional, pela abertura a quadros independentes com créditos profissionais incontestáveis e pela manutenção de quadros políticos de tarimba nas pastas com cariz eminentemente político.
Do próximo Governo exige-se sobretudo coragem, determinação, clareza, responsabilidade e sensibilidade social. Isto, claro está, associado à capacidade de responder aos desafios concretos das áreas governativas que foram confiadas a cada Ministro, em linha com as prioridades que hoje presidem a cada sector.
De entre as surpresas reservadas para a passada Sexta-feira, merece destaque o consenso criado fora da esfera partidária pelo nome do novo Ministro das Finanças, Professor Vítor Gaspar.
Com ou sem recusas de outras eventuais alternativas mais badaladas na comunicação social, o Primeiro-Ministro conseguiu encontrar um técnico capaz, com conhecimento profundo do sector e com boa capacidade de relacionamento com as principais instâncias nacionais e europeias, como particularmente exige a actual conjuntura.
Na mesma linha, a ascensão de Paulo Macedo (Administrador do BCP) ao Ministério da Saúde faz ansiar por uma revolução tranquila do sector, orientada para a racionalização económica sem degradação da qualidade do serviço prestado, em linha com a que o mesmo já prosseguiu na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos.
E se é particularmente positivo voltar a ter no Ministério da Educação e do Ensino Superior alguém que se assuma “pugnar por um ensino de excelência”, é também motivo de tranquilidade saber que sectores delicados como a Defesa ou o Ministério da Administração Interna terão à sua frente verdadeiros “diplomatas” como José Pedro Aguiar Branco e Miguel Macedo.
Numa equipa em que se aguarda com expectativa para verificar como Pedro Mota Soares e Assunção Cristas irão transformar a capacidade de trabalho já demonstrada em resultados na gestão de dois sectores concretos, tão caros ao Partido Popular quanto sensíveis do ponto de vista social, a principal incerteza vem do Ministério da Economia.
O Professor Álvaro Santos Pereira é um economista consagrado, com opiniões vincadas e corajosas sobre muitas das questões que hoje assaltam a governação do País. Coube-lhe, aliás, um papel decisivo na desmontagem dos “êxitos” de José Sócrates e na avaliação rigorosa do “Estado da Nação”, com vários dos comentários produzidos no seu blog (Desmitos) e nas obras que já editou.
Mas, depois de uma experiência profissional (eminentemente académica) centrada nas questões da macroeconomia, assume funções no Ministério de uma Economia cada vez mais micro.
A ele, como ao conjunto do Governo, fica o desafio singular de mobilizar os principais actores sociais para um projecto de transformação que hoje se assume como a única via para o futuro de Portugal.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Um desígnio maior

Na semana em que se fica a conhecer a composição do novo Governo de Portugal, resultante da maioria clara que derivou dos resultados das Eleições Legislativas de 5 de Junho último, o País continua a digerir com tranquilidade esse momento de viragem e a aguardar com alguma expectativa os tempos que virão.
No plano político, o voto popular teve as consequências expectáveis: José Sócrates viu encerrado o período negro da sua governação e retira-se (temporariamente?) da cena partidária abrindo caminho a um processo de renovação do Partido Socialista que contará com os protagonistas há muito identificados.
À margem dos compromissos assumidos por cada candidato neste período de disputa interna da liderança, cumprirá avaliar a atitude e a estratégia assumida pelo PS enquanto oposição, nomeadamente em relação às múltiplas medidas que constam do Acordo celebrado com a Troika e ao qual o partido (e o Governo cessante) se vinculou de forma inquestionável.
Mais à esquerda, enquanto o PCP voltou a fidelizar o seu eleitorado e continua a assumir-se como a voz da “classe operária” o Bloco começou a pagar o preço de ser um projecto que resulta de uma amálgama de ideários algo deslocados da realidade politica, económica e social actual e de ter assumido bastas vezes uma postura cúmplice da governação cessante. Aliás, só o facto de este ser um projecto político monoparental é que permitiu que o péssimo resultado eleitoral não tenha tido (ainda) outras repercussões no plano interno.
No centro e à direita, apesar do crescimento eleitoral do PSD, o CDS consegue um resultado de relevo, assumindo um papel decisivo na sustentação Parlamentar do novo Executivo que lhe permitirá afirmar algumas das suas causas, nomeadamente na esfera económica e social.
Pedro Passos Coelho e o Partido Social Democrata são os grandes vencedores deste acto eleitoral. O líder do PSD e futuro Primeiro-Ministro cumpriram com o sonho gizado por Sá Carneiro e nunca antes concretizado nas quase quatro décadas da nossa democracia: Um Presidente, um Governo, uma Maioria.
As circunstâncias actuais são, como resulta claro, pouco dadas a festejos e Passos Coelho e os novos membros do seu Executivo só podem encarar com enorme sentido de responsabilidade a árdua tarefa que têm pela frente, num momento decisivo para o rumo futuro de Portugal enquanto Nação soberana.
O percurso, já o sabemos também, não será um caminho livre, dado à criatividade e ao exercício pleno de uma gestão autónoma das diferentes políticas sectoriais, Mas, ao contrário de muitas outras forças partidárias – e aí pode ter residido o segredo do seu sucesso – o PSD fez questão de o frisar de forma clara durante todo o período que antecedeu o acto eleitoral.
Será pois com passos igualmente determinados e assistidos, sob a vigilância atenta e escrupulosa dos nossos financiadores externos, que Passos Coelho e o seu Executivo se confrontarão com o maior desafio colocado a um Governo de Portugal nos tempos recentes: reerguer o País do seu actual estado cambaleante, fragilizado e deprimido, restaurando a sua credibilidade externa, a sua identidade colectiva e a sua capacidade de crescer e proporcionando perspectivas de futuro aos seus cidadãos e às suas empresas.
Já não se trata, pois, de avaliar se este ou aquele sacrifício podem contribuir para uma melhoria estrutural da nossa situação financeira, nem aferir se esta ou aquela medida conferem maior competitividade externa aos nossos produtos e serviços.
Como vamos vislumbrando em outras paragens, o fracasso do futuro Governo pode ser uma condenação irreversível a um retrocesso histórico, com proporções e consequências que para muitos ainda permanecem inimagináveis, tal a ligeireza com que encaram o trajecto que agora deve ser encetado.
Como Nação, avizinham-se tempos difíceis, com a concretização de iniciativas de racionalização dos gastos públicos e de reestruturação do nosso modelo de desenvolvimento económico e social a que ninguém conseguirá ficar incólume.
Daí que não seja deixada a Passos Coelho e ao seu Governo qualquer margem de erro, quer nas opções que terão que ser tomadas (e que não se restringem às condições decorrentes do Memorando assinado com a Troika), quer quanto à credibilização das mesmas, em função da forma como são transmitidas de forma clara e transparente aos Portugueses e da sua coerência com a conduta do novo Executivo.
Mas a verdade é que este não é um desígnio que se possa cingir ao novo Executivo e aos partidos que os suportam. Nas actuais circunstâncias, exige-se um País colectivamente comprometido com estes objectivos e solidariamente responsável com a sua concretização, seja na esfera partidária, nos meios empresariais ou sindicais, nos campos profissionais, académicos ou outros.
Portugal não pode falhar. E, desta feita, não pode entregar o seu futuro aos acasos do destino, à protecção divina ou à nossa capacidade genética para nos “desenrascarmos” da mais complexa das circunstâncias.
Este é a hora de Mudar. Mesmo.