segunda-feira, 14 de julho de 2008

Quanto vale um Banco de Germoplasma?


Tudo começou, quase por carolice de uma investigadora brasileira (a hoje bem portuguesa Eng. Rena Farias), há mais de 3 décadas. Garantido o financiamento da FAO – Food and Agriculture Organization e a necessária contrapartida nacional – contra o apetite dos responsáveis de outras potenciais localizações alternativas -, foi criado em Braga, em 1977, um espaço de recolha e preservação das células genéticas vegetais: o Banco Português de Germoplasma Vegetal.
Ao longo destas três décadas foram várias as transformações do projecto inicial: alargou-se o espectro de actuação (para lá dos cereais e das leguminosas); diversificou-se e valorizou-se o espólio (com espécies únicas na colecção de alho e brassica e criando-se uma forte especialização na área do milho); asseguraram-se os meios para a conservação de espécies in vitru (também através do Laboratório de Caracterização Molecular); iniciou-se a conservação de germoplasma animal (desde 2007, em colaboração com a Federação de Raças Autóctones).
Para lá de várias alterações de tutela, orgânicas e funcionais, o Banco viu a sua permanência em Braga ameaçada em 1995 - quando a sua primeira localização foi alienada (na Quinta dos Peões, junto à Universidade do Minho) -, mas a pronta intervenção dos Deputados do PSD de Braga da época viabilizou a transferência do projecto para a sua localização actual, na Quinta de S. José, na também Bracarense Freguesia de S. Pedro de Merelim.
Nos últimos dois anos, para lá da drástica, indiscriminada e imponderada redução de pessoal que resultou do processo dos “supranumerários” no Ministério da Agricultura, o Banco viu novamente a sua subsistência ameaçada com o anúncio da possibilidade de instalação do novo Quartel da GNR de Braga nessa mesma Quinta.
Esta não é hoje, porém, uma questão de natureza meramente local.
O Banco Português de Germoplasma Vegetal possui uma vasta colecção de mais de 17.000 populações, representativas de um número superior à centena de espécies, que se encontram conservadas em frio, vidro e no campo. Para lá da singularidade de algumas das colecções, o Banco assume a responsabilidade de ser o Banco Mediterrânico do Milho.
Ao longo dos últimos anos, a instituição envolveu-se em vários projectos inovadores, desde a caracterização de toda a colecção, ao apoio à preservação no Campo do Agricultor, à já referida aplicação de técnicas moleculares por via laboratorial e à conservação do germoplasma animal.
Tal como há três décadas, os Bancos de Germoplasma são hoje uma prioridade estratégica para as várias Nações de per si e para as principais organizações internacionais que trabalham na esfera da agricultura e da alimentação.
Hoje, mais do que nunca, a escassez de determinadas espécies, os desequilíbrios que vão surgindo na cadeia alimentar e na sobrevivência de certos produtos agrícolas, bem como a escalada exponencial dos preços de determinados produtos, sugere que se atribua o devido valor a projectos desta natureza.
Isto é, mais do que o mérito histórico e cultural de preservação das raízes e tradições de certos locais, mais do que o contributo académico e de apoio à investigação científica destas colecções, há um sentido estratégico, uma lógica de salvaguarda dos meios de subsistência e um incontornável valor económico e social dos Bancos de Germoplasma.
Talvez por este conjunto de razões, se assista hoje à criação contínua de novos projectos à escala internacional o e ao encetar de esforços globais para a preservação dos vários projectos que corporizaram os ideais do biólogo russo Nicolai Vavilov – o percursor destes Bancos de conservação genética.
De entre os mais recentes, o mais relevante será porventura a “Arca de Noé Verde” - o Armazém de Sementes Svalbarg Global – escavado numa montanha do Árctico, na Noruega, com o objectivo de salvaguardar as espécies mundiais de uma potencial “catástrofe global”.
À luz deste enquadramento, não se percebe, pois, a atitude negligente daqueles que enaltecem os méritos do Banco nas visitas de circunstância, mas cujas decisões apenas contribuem para a delapidação da sua capacidade de obter resultados ainda mais significativos.
Ou, como também referi, que permitam que se vislumbrem crescentes nuvens negras sobre a subsistência do Banco (e da sua presente localização) sem que assumam uma postura de total transparência e reafirmação dos compromissos internacionais que o País assumiu no quadro deste projecto.
Para cúmulo, falta ainda frisar que a esmagadora maioria dos custos de funcionamento são financiados por projectos internacionais e que o Orçamento de Estado pouco mais suporta que uma cifra próxima dos 250.000 Euros com os honorários anuais dos colaboradores ainda em funções.
Será, pois, caso para dizer que esta é apenas mais uma triste evidência de Portugal… no seu pior.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Sócrates e o IMI

O Primeiro-Ministro José Sócrates aproveitou o tempo de antena que a estação pública de televisão lhe deu por forma a poder fazer marcação directa à entrevista da véspera da líder da Oposição para anunciar que irá avançar com um pacote fiscal de protecção às famílias mais carenciadas.
Embora sem adiantar mais dados concretos, o Primeiro-Ministro avançou já que uma das medidas passará pela revisão dos valores máximos do IMI – Imposto Municipal sobre Imóveis, de forma a evitar "aumentos anuais de 15 por cento desta receita cobrada pelas Autarquias" como se verificou nos últimos anos em Municípios como Braga.
No cômputo geral do País, fiscalistas como Vasco Valdez estimam que a subida dos valores arrecadados com o IMI possa ter crescido cerca de 50% entre 2003 (ano da Reforma da Tributação do Património) e 2007.
Também na mesma linha, os vários Anuários Financeiros dos Municípios Portugueses têm apontado no sentido de um crescimento das Receitas Próprias das Autarquias e, em especial, de uma crescente proveniência de verbas de impostos como o IMI.
A bem da verdade, cumpre explicitar que são vários os mecanismos implícitos à Reforma da Tributação do Património e à própria mecânica de funcionamento deste imposto que têm vindo a contribuir para que o IMI se assuma como uma verdadeira “galinha dos ovos de ouro” para algumas Autarquias, especialmente as de média/alta dimensão.
Nesta última vertente, recorde-se que o IMI vai sendo progressivamente aplicado a mais imóveis (por via do fim dos períodos de isenção), o que tem vindo a acontecer também de forma cada vez mais célere atendendo a que a nova Lei encurtou os prazos de isenção anteriormente vigentes (de 10 para 3 ou 6 anos, de acordo com o valor tributável do Imóvel).
Por outro lado, à medida que os imóveis são transaccionados, procede-se à sua reavaliação, o que mais contribui para o aumento da base tributável, independentemente de poderem vir a beneficiar numa fase inicial do referido período de isenção.
Há, finalmente, um outro aspecto nada negligenciável no processo: consciente do impacto que este processo teria na carteira dos proprietários dos imóveis, o legislador impôs o estabelecimento de uma cláusula de salvaguarda, um mecanismo que tem impedido o aumento abrupto anual dos valores a pagar do IMI por cada proprietário, representando o tecto máximo de aumento em cada ano fiscal.
Quer isto dizer que, por mais que a aplicação directa da taxa em vigor em certo Município ao valor tributável do imóvel pudesse representar uma quantia muito elevada, o contribuinte apenas pagaria um valor inferior, próximo do que pagava inicialmente, acrescido da verba estabelecida como a dita cláusula de salvaguarda (120 Euros para 2008).
Acontece que se compararmos os valores pagos inicialmente como Contribuição Autárquica e os que hoje são liquidados como IMI (incluindo esses tectos de aumento anuais já acumulados, pode existir uma diferença significativa).
Em suma, mesmo num cenário de manutenção das taxas, a tendência natural era para os contribuintes pagarem cada vez mais IMI e para as receitas das Autarquias aumentarem de forma muito significativa.
Diga-se, até, que esta situação teria/terá o seu apogeu no ano de 2009, altura em que a cláusula de salvaguarda é totalmente suprimida.
Se, indiscutivelmente, um dos méritos da Reforma da Tributação do Património foi o de conferir maiores poderes tributários às Autarquias, dando-lhes a possibilidade de fixar as taxas para estes impostos, na expectativa implícita de que caberia aos eleitores ajuizar as políticas fiscais encetadas pelos seus Autarcas (até porque “liberdade" nunca equivale a "ter que fixar taxas máximas ou próximas disso"), esperava-se que esses Autarcas gerissem essa possibilidade com bom senso e razoabilidade, adaptando essas taxas à evolução da cobrança e da conjuntura económica envolvente.
Daquilo que tem sido a experiência prática deste fenómeno, constata-se porém que os Autarcas optaram, numa fase inicial, por aplicar as taxas máximas permitidas, numa lógica de defesa contra os possíveis impactos adversos da Reforma (que nunca ocorreram).
Com o passar dos anos, à medida que se percebeu que as suas receitas cresciam exponencialmente e que se mantêm as perspectivas de aumento da receita à luz dos factores já enunciados, a descida das taxas do IMI começou a verificar-se de forma generalizada, ainda que aqui e ali com uma expressão mais envergonhada.
Hoje, a cada vez mais rara fixação de taxas do IMI próximas dos seus máximos legais serve apenas para cobrir os desequilíbrios financeiros das Autarquias, a expensas dos Munícipes, num período em que as difíceis condições económicas e sociais que subsistem mereceria uma atitude de salvaguarda das poupanças dos cidadãos economicamente mais frágeis, como já demonstra um número significativo de Autarquias um pouco por todo o Pais.
A decisão de José Sócrates é, pois, uma medida extremamente demagógica e que enferma de um erro recorrente deste Governo: à medida que dá a crer que está a reforçar as competências dos Municípios desenvolve inúmeras iniciativas que atentam contra a sua autonomia, restringindo-lhes o acesso a recursos financeiros.
Mais, a decisão do Primeiro-Ministro é, também, um atestado de menoridade aos Autarcas, acusando-os implicitamente de não saberem gerir os seus recursos no respeito por aqueles princípios e fazendo pagar os justos pelos pecadores.
Para cúmulo, ao actuar directamente sobre as taxas, e à luz dos factores já referidos, pode até verificar-se uma situação em que não só os contribuintes não pagarão menos IMI, como as Autarquias não irão perder nas receitas globais arrecadadas com este imposto.
O facto de a medida ser anunciada na TV, sem fundamentação e sem discussão prévia com os visados, é só mais uma questão de estilo.

PS – Como parece claro, salvo em situações excepcionais, as taxas do IMI devem descer. Mas tal deve acontecer por uma via de uma decisão dos seus Autarcas e não pela intervenção tutelar de quem parece ter mais facilidade em abdicar do dinheiro que os outros gerem do que daquele que é gerido por si.

terça-feira, 1 de julho de 2008

PPP: Parar Para Pensar


A nova líder do Partido Social Democrata (PSD) aproveitou o seu discurso de encerramento do XXXI Congresso do PSD para deixar um alerta que é simultaneamente uma evidência e uma novidade no que concerne à “vaga avassaladora de propostas de infra-estruturas” que, sustenta, “este Governo anuncia e de que o País nem sempre carece e para as quais manifestamente não tem dinheiro”.
É uma evidência porque a acusação de Manuela Ferreira Leite procurava dar resposta a duas simples questões que a mesma colocou sobre os investimentos públicos projectados e em curso que, supõe-se, teriam sempre que ter uma resposta afirmativa por parte de qualquer político responsável antes de avançar para a sua eventual concretização. Qualquer coisa como: São tais investimentos mesmo necessários? Dispomos de recursos suficientes para os pagar?
Por acréscimo, e aqui está a novidade, as duas questões não têm uma resposta absoluta e inquestionável, devendo ser entendidas e relativizadas à luz do enquadramento económico, financeiro, social e político de cada momento.
Isto é, não basta dizer que um determinado projecto tem um impacto positivo no País, quer de natureza conjuntural (pelo aumento transitório do volume de emprego, pelo acréscimo do produto e pela inerente maior circulação de recursos na economia), quer de natureza estrutural (pela capacidade reprodutiva que o mesmo possa ter sobre o tecido económico local), nem sustentar apenas que o Estado dispõe de recursos (próprios ou alheios) para suportar o seu financiamento imediato e futuro.
É, sobretudo, preciso assegurar que certo projecto, ou leque de projectos, é aquele que melhor serve as necessidades do País e que, por essa via, melhor aproveita os recursos que lhe estão a ser e lhe serão afectos, muitas das vezes, por várias décadas, face a todas as suas potenciais aplicações alternativas, de investimento ou de despesa corrente.
Na verdade, esta leitura nem sequer põe em causa a aspiração de muitos empresários e economistas de que seria preferível um entendimento entre os principais Partidos com vista à definição das infra-estruturas que se deveriam tomar como prioritárias para o País, assim procurando evitar as recorrentes inversões das opções políticas nesta matéria de Governo para Governo.
Antes, o que esta leitura pressupõe é que esse consenso deve igualmente estabelecer, com igual clareza e transparência, as balizas dos cenários macroeconómicos e de outros indicadores relevantes, em que tais investimentos serão efectivamente tidos como prioritários.
Ora, se assim acontecer, todos os projectos podem ser questionados até ao início da sua concretização, à luz desses mesmos limites e potenciais alterações da realidade socio-económica do País e do Mundo e das perspectivas que se gizarem para a sua evolução futura.
Dizia também Manuela Ferreira Leite nessa mesma intervenção, fundamentando de forma clara e inequívoca, as dúvidas que agora lança sobre a materialização de certos projectos: ”-Chegámos ao ponto de termos hoje uma situação de quase emergência social que exige uma acção imediata, determinada e corajosa. Há que intervir com urgência para combater os focos de pobreza e apoiar os novos pobres", defendeu.
E, para que não se pense que esta é apenas uma leitura demagógica, populista e eleitoralista que hoje não se consegue colar à imagem do novo PSD, Manuela Ferreira Leite olhou para o país-real e lembrou ainda as dificuldades da classe média e os obstáculos que se colocam à actividade das pequenas e médias empresas, que rotulou dos “dois principais pilares do desenvolvimento do País”.
Curiosamente, o estudo sobre Portugal da Organização para a Cooperação e Desenvolvimentos Económicos (OCDE), que foi publicamente apresentado na passada Quarta-feira, também aconselha que tais investimentos “devem promover a concorrência e que devem ser alvo de uma análise transparente de custo-benefício”.
Ainda a este nível, parece também claro que esta maior atenção à realidade económica e social do País não sugere a assunção pelo Estado de uma postura estritamente assistencialista, que estimule a indolência dos cidadãos e a subsídio-dependência das instituições, criando mecanismos artificiais de sobrevivência a uns e a outros.
Em todo o caso, as duas questões lançadas por Manuela Ferreira Leite poderiam aplicar-se de igual forma ao significativo volume de investimentos que, em ano pré-eleitoral, será novamente concretizado por muitos autarcas, de Norte a Sul do País. E, seguindo a mesma lógica, independentemente do modelo encontrado para a sua concretização e financiamento, deveriam estes ser capazes de responder de forma rigorosa: São tais investimentos mesmo necessários? Dispõem de recursos suficientes para os pagar?
Bem sei que muitos poderiam demonstrar a bondade e razoabilidade das suas opções. Mas não faltam exemplos que mereceriam as mesmas palavras de Manuela Ferreira Leite, concentrados que estão no que julgam poder ser a sua mera sobrevivência política, através de “uma vaga avassaladora de propostas de infra-estruturas de que o seu Concelho nem sempre carece e para as quais manifestamente não tem dinheiro” mas que, como o Governo, sabem que alguém vai ter que pagar.