segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Pela Madeira dentro

Quem quer que visite a Madeira e, sobretudo, quem quer que a tenha visitado por diversas vezes ao longo das últimas três décadas chega a várias conclusões incontestáveis.
Em primeiro lugar, o Arquipélago é hoje um espaço de excelência, com um enorme potencial turístico resultante da conjugação dos esforços do investimento público e privado, tornando-se destino preferencial para os vários segmentos da procura internacional, para os quais dispõe de uma oferta ajustada a diferentes necessidades, preferências e capacidade financeira dos visitantes.
Em segundo lugar, a Região registou um progresso assinalável a todos os níveis, quer do ponto de vista infra-estrutural, quer do ponto de vista do acesso a um leque alargado de equipamentos e serviços, nas mais diversas áreas de actividade, potenciando, mais do que tudo o resto, uma clara elevação do bem-estar e da qualidade de vida da população.
Percebe-se, pois, que apesar das críticas e dos vícios que muitos possam apontar ao actual Presidente do Governo Regional – para os quais muito contribui a exuberância da conduta e do discurso que o mesmo sempre adoptou como marca pessoal -, Alberto João Jardim (AJJ) mereça um claro reconhecimento e admiração da esmagadora maioria dos Madeirenses.
É isso que se constata no contacto pessoal com muitos naturais da Região, quer estes sejam aí residentes ou tenham optado por se mudar para o Continente, e é também isso que acaba por estar na base das sucessivas maiorias conquistadas nos diferentes sufrágios eleitorais realizados.
Acontece que este Keynesianismo excessivo de AJJ – que o mesmo sempre assumiu como fio condutor da sua intervenção política – é hoje totalmente desenquadrado da realidade do País e do mundo, insustentável e irresponsável até.
Valha a verdade, a conduta de Alberto João Jardim nunca foi de enveredar por obras de fachada, por obras megalómanas para a posteridade ou pela assunção de responsabilidades que pudessem gerar encargos desmesurados para as gerações vindouras.
Pelo contrário, fosse o mesmo economicamente reprodutivo ou não, o investimento do Governo Regional foi sempre orientado para a qualificação da oferta educativa, cultural e económica, para o aumento das respostas sociais, para a infra-estruturação do Arquipélago nos mais diversos domínios e em toda a sua extensão geográfica.
Todavia, ao contrário do que AJJ possa defender, mesmo o “investimento bom” só é hoje possível se dispuser do devido financiamento, o que esteve aliás na base de sucessivas disputas com o Governo Central, com especial ênfase nos períodos de governação socialista.
Como hoje parece claro, a Madeira viveu sempre acima das suas reais possibilidades, acumulando défices sucessivos e, segundo agora oportunisticamente se revela, ocultando alegadamente despesas fora da alçada das suas Contas Públicas.
Em qualquer circunstância, e na actual de modo ainda mais enfático, esta forma de gerir a coisa pública não pode ser validada e deve merecer uma séria reflexão por parte dos responsáveis do PSD Madeira a quem caberá continuar a gerir os destinos do Governo Regional depois da eleições do próximo dia 9.
No plano nacional, a questão da Madeira suscita três comentários muito claros.
Em primeiro lugar, a discussão pública que estas questões têm merecido, claramente alavancada pelo período pré-eleitoral que se vive no Arquipélago, e manifestamente superior ao real impacto dos dados financeiros inerentes sobre a situação orçamental do País, assume-se como um péssimo contributo para a árdua tentativa de credibilização externa que Portugal e o seu Governo vem encetando ao longo dos últimos meses.
Em segundo lugar, é chocante e confrangedor que aqueles que têm a sua assinatura em múltiplas iniciativas que conduziram Portugal ao actual descalabro financeiro venham agora exigir responsabilidades e retirada de ilações por causa de uma situação como a da Madeira que, ao lado dos danos devastadores que a sua acção governativa deixou no País, é uma verdadeira gota no oceano.
Em coerência, o Partido Socialista teria que avançar para novo Congresso tal o volume de militantes, dirigentes e eleitos que se retirariam da vida pública e política para remissão dos seus erros.
Finalmente, por mais fácil que seja fazer de Alberto João Jardim uma espécie de “sitting duck”, de alvo e origem de todos os males que assolam a Nação, cumprirá não esquecer que a situação da Madeira tem inúmeras réplicas à nossa volta, na sua maior parte ainda por escrutinar.
Quando a Troika, o Governo, as Entidades Fiscalizadoras (como o Tribunal de Contas ou a IGF) ou quem quer que queira apurar a real situação financeira das Autarquias Locais fizer o seu trabalho à exaustão verá que aqueles se apressam a atirar a primeira pedra são os mesmos que fizeram de Alberto João Jardim um ídolo e um exemplo a seguir.
Na maior parte dos casos, sem os benefícios que este proporcionou à Madeira e aos Madeirenses.

domingo, 18 de setembro de 2011

O bom rebelde

As incidências que envolvem a afirmação académica (ou profissional) e social de alunos provenientes de meios económicos e sociais mais sensíveis, é um dos temas mais apetecíveis da literatura e, por inerência, da cinematografia mundial.
Mais ou menos romanceada ou dramatizada a situação, a questão essencial centra-se normalmente em torno do desafio colocado ao protagonista quanto à sua conduta nesses contextos, tendo em conta uma questão essencial: será ele capaz de se libertar dos condicionalismos desse background pessoal, aproveitar as suas capacidades e afirmar-se como igual ou superior à generalidade dos demais?
Ou deverá acomodar-se ao seu “destino” e alinhar com os seus pares, muitas das vezes em condutas impróprias, abdicando de lutar por um futuro melhor?
Feitas as devidas ressalvas, é porventura essa a situação com que se depara hoje Portugal. Mais do que saber se queremos ou poderemos voltar a ser os “bons alunos” da Europa, importa saber o que pretendemos, como País, para o nosso futuro.
À margem das discussões de natureza político-partidária em volta das opções governativas tomadas, do apetite mediático que certas medidas podem suscitar ou das reacções críticas que as mesmas podem induzir em certos segmentos da população, há uma questão de base que nunca é devidamente enfatizada.
Por muito que seja fácil fazer um discurso contra a especulação financeira, as políticas dos “ricos da Europa” – cuja conduta está longe de poder ser elogiada neste processo -, ou contra a usura das entidades Europeias e/ou internacionais, a verdade é só uma: o esforço de disciplina das finanças públicas é ele próprio um requisito essencial para garantir a sustentabilidade do crescimento económico futuro, não sendo possível pensar na aposta nesse crescimento sem garantir o equilíbrio financeiro do Estado (e do Pais).
Pense na sua situação como agregado económico, individual ou familiar. Por via dos seus rendimentos ou de património acumulado dispõe de um conjunto de activos para fazer face às suas necessidades correntes e futuras e para cumprir com eventuais responsabilidades que tenha assumido perante terceiros.
Se o volume de encargos e responsabilidades seguir uma tendência crescente e insistir em superar os referidos rendimentos, entrará numa espiral de empobrecimento que pode conduzir a uma situação insustentável.
No mínimo, os custos financeiros que suportar com os financiamentos que contrair para obstar a esse défice periódico traduzem-se numa despesa espúria, não reprodutiva, tanto mais gravosa quanto a própria despesa que origina esse défice não estiver associada a investimentos indutores da criação de riqueza.
Nessa circunstância, valerá a pena criticar aqueles que exigirão retornos agravados por força do risco que assumem em financiá-lo numa situação de debilidade visível? Terá legitimidade para exigir que o continuem a financiar mesmo sabendo que é evidente que não terá capacidade para solver os seus compromissos (assumidos e a assumir)?
A nível nacional, a situação é muito idêntica. Desde logo porque, por força da diluição da informação, da insuficiência do conhecimento técnico e da leitura ligeira dos factos, há um certo sentimento de inimputabilidade, quase colocando em dúvida se um eventual incumprimento terá reais consequências ou, o que é equivalente, consequências mais gravosas do que aquelas que são sensíveis no decurso do processo de ajustamento.
Dito de outra forma, para o comum dos Portugueses coloca-se uma questão muito simples: seria pior para a sua situação pessoal deixar o défice público disparar, rasgar o acordo com a Troika e abdicar da política de rigor orçamental ou sofrer as consequências das medidas preconizadas nesse acordo e implementadas ou a implementar pelo Governo nos próximos anos?
Por mais que custe a perceber, a situação na primeira hipótese seria incomparavelmente pior, com consequências pessoais muito mais gravosas do que aquelas que hoje são sentidas pela generalidade da população.
Este é, pois, o caminho. O único caminho. O caminho que garante uma pequenina janela de oportunidade que ainda permite ter alguma esperança num futuro melhor.
Como nos livros e nos filmes, o “Bom rebelde” está sempre sujeito aos seus instintos de revolta pessoal e aos maus conselhos de quem acha que não há solução e que tudo deve continuar como está.
Mas há também aqueles que o apoiam e o querem ver singrar contra todas as adversidades.
Muitas das vezes, o primeiro passo para o seu sucesso é saber destrinçar com clareza quem são as boas e as más companhias.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Alguém que pague a crise


Os diagnósticos há muito que estavam feitos e, por mais surpresas ou desvios colossais que possam aparecer pelo caminho, todos tinham/temos consciência da amplitude do esforço a realizar para voltar a disciplinar as finanças públicas.
A discussão das culpas é hoje inútil mas a verdade é que, se as mesmas podem ser repartidas por vários, os principais responsáveis pela hecatombe a que o País chegou estão perfeitamente identificados e conscientes das suas responsabilidades.
Depois de 6 anos de pecado, reúnem-se agora numa jornada de penitência e contrição na mais religiosa das portuguesas cidades, na esperança de que o Bom Jesus do Monte e a Nossa Senhora do Sameiro os possam guiar para uma longa travessia de penitência em que se esforcem por renegar os seus actos mas em que assumam, com responsabilidade e arrependimento, as consequências dos mesmos.
Tal como os Gregos sugerem que sejam os Alemães e os demais Países ricos da Europa a pagar a sua crise, também por cá se procura alijar ao máximo a factura dos sacrifícios que a correcção dos dislates históricos agora vai impor.
Ao clássico “os ricos que paguem a crise”, juntam-se agora diversas variantes que se ajustam às perspectivas e interesses específicos das diferentes classes, como “as empresas que paguem a crise”, “os proprietários que paguem a crise” ou “os funcionários públicos que paguem a crise”. Ou os gestores de empresas públicas, ou os senhorios, ou os políticos, ou os reformados.
A lista é praticamente interminável e dá azo a todo o tipo de queixas e reclamações para com as medidas já adoptadas pelo Executivo de Pedro Passos Coelho, quer as mesmas constem do Memorando assinado com a Troika ou resultem da sua própria iniciativa.
Nas circunstâncias actuais, porém, a verdadeira resposta só pode ser uma: “Todos temos que pagar a crise!
O desafio que se coloca ao novo Governo é, pois, de saber qual é o equilíbrio razoável entre a distribuição de custos pelos diferentes públicos-alvo.
Mais do que uma mera discussão em torno das fontes de tais proveitos/reduções de despesa, há que avaliar o limite do esforço que pode ser pedido a cada uma das classes da população, tendo também em conta as consequências económicas das diferentes medidas adoptadas.
No plano da despesa - aquele que deve ser o principal foco de intervenção da acção do Executivo -, todas as decisões devem conjugar a análise das potenciais poupanças a realizar com as suas implicações sobre o desempenho de diferentes funções do Estado e suas repercussões económicas e sociais.
A este nível, a principal dificuldade poderá passar pela tentação de cortar onde é mais fácil mas menos útil, em vez de se encetar reformas com efeitos mais duradouros mas menos imediatos.
Ao mesmo nível, há que equilibrar devidamente as iniciativas que se revestem de um cariz simbólico (e que têm um efeito moralizador e disseminador de uma certa cultura de disciplina financeira) daquelas que produzem reais impactos do ponto de vista das contas globais do Estado e que podem nem ser apetecíveis do ponto de vista mediático.
Em qualquer destas perspectivas, tentar fazer uma análise do que foi a conduta do Governo quando este não completou mais que dois meses de funções é profundamente injusto, desajustado e demagógico.
Já do ponto de vista da receita, creio que o alvo não pode centrar-se exclusivamente nos rendimentos do trabalho ou nas pensões mais elevadas, sejam eles provenientes de actividades por conta de outrem ou não.
Aqui, não concordo de todo com a ideia de agravar a tributação sobre as sucessões e doações – nomeadamente num Estado que deve ter a família como um pilar essencial da sociedade -, mas já simpatizo com a proposta avançada por Miguel Cadilhe de uma tributação única e extraordinária sobre o valor global do património (que difere e muito da ideia de tributação do património como forma de “convergência social” que é defendida por certos partidos da esquerda).
Voltando ao início, cumpre registar que, lá por fora, foram precisamente “os ricos” que avançaram com a sua disponibilidade para custear parte substancial do esforço que hoje é pedidos às várias economias.
E, diga-se em abono da verdade, não podia haver posição economicamente mais racional do que essa da parte desses agentes económicos.