sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Alguém que pague a crise


Os diagnósticos há muito que estavam feitos e, por mais surpresas ou desvios colossais que possam aparecer pelo caminho, todos tinham/temos consciência da amplitude do esforço a realizar para voltar a disciplinar as finanças públicas.
A discussão das culpas é hoje inútil mas a verdade é que, se as mesmas podem ser repartidas por vários, os principais responsáveis pela hecatombe a que o País chegou estão perfeitamente identificados e conscientes das suas responsabilidades.
Depois de 6 anos de pecado, reúnem-se agora numa jornada de penitência e contrição na mais religiosa das portuguesas cidades, na esperança de que o Bom Jesus do Monte e a Nossa Senhora do Sameiro os possam guiar para uma longa travessia de penitência em que se esforcem por renegar os seus actos mas em que assumam, com responsabilidade e arrependimento, as consequências dos mesmos.
Tal como os Gregos sugerem que sejam os Alemães e os demais Países ricos da Europa a pagar a sua crise, também por cá se procura alijar ao máximo a factura dos sacrifícios que a correcção dos dislates históricos agora vai impor.
Ao clássico “os ricos que paguem a crise”, juntam-se agora diversas variantes que se ajustam às perspectivas e interesses específicos das diferentes classes, como “as empresas que paguem a crise”, “os proprietários que paguem a crise” ou “os funcionários públicos que paguem a crise”. Ou os gestores de empresas públicas, ou os senhorios, ou os políticos, ou os reformados.
A lista é praticamente interminável e dá azo a todo o tipo de queixas e reclamações para com as medidas já adoptadas pelo Executivo de Pedro Passos Coelho, quer as mesmas constem do Memorando assinado com a Troika ou resultem da sua própria iniciativa.
Nas circunstâncias actuais, porém, a verdadeira resposta só pode ser uma: “Todos temos que pagar a crise!
O desafio que se coloca ao novo Governo é, pois, de saber qual é o equilíbrio razoável entre a distribuição de custos pelos diferentes públicos-alvo.
Mais do que uma mera discussão em torno das fontes de tais proveitos/reduções de despesa, há que avaliar o limite do esforço que pode ser pedido a cada uma das classes da população, tendo também em conta as consequências económicas das diferentes medidas adoptadas.
No plano da despesa - aquele que deve ser o principal foco de intervenção da acção do Executivo -, todas as decisões devem conjugar a análise das potenciais poupanças a realizar com as suas implicações sobre o desempenho de diferentes funções do Estado e suas repercussões económicas e sociais.
A este nível, a principal dificuldade poderá passar pela tentação de cortar onde é mais fácil mas menos útil, em vez de se encetar reformas com efeitos mais duradouros mas menos imediatos.
Ao mesmo nível, há que equilibrar devidamente as iniciativas que se revestem de um cariz simbólico (e que têm um efeito moralizador e disseminador de uma certa cultura de disciplina financeira) daquelas que produzem reais impactos do ponto de vista das contas globais do Estado e que podem nem ser apetecíveis do ponto de vista mediático.
Em qualquer destas perspectivas, tentar fazer uma análise do que foi a conduta do Governo quando este não completou mais que dois meses de funções é profundamente injusto, desajustado e demagógico.
Já do ponto de vista da receita, creio que o alvo não pode centrar-se exclusivamente nos rendimentos do trabalho ou nas pensões mais elevadas, sejam eles provenientes de actividades por conta de outrem ou não.
Aqui, não concordo de todo com a ideia de agravar a tributação sobre as sucessões e doações – nomeadamente num Estado que deve ter a família como um pilar essencial da sociedade -, mas já simpatizo com a proposta avançada por Miguel Cadilhe de uma tributação única e extraordinária sobre o valor global do património (que difere e muito da ideia de tributação do património como forma de “convergência social” que é defendida por certos partidos da esquerda).
Voltando ao início, cumpre registar que, lá por fora, foram precisamente “os ricos” que avançaram com a sua disponibilidade para custear parte substancial do esforço que hoje é pedidos às várias economias.
E, diga-se em abono da verdade, não podia haver posição economicamente mais racional do que essa da parte desses agentes económicos.

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