segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Mudar de vida


Ao longo das últimas semanas, na qualidade de Vereador na Câmara Municipal de Braga, promovi várias reuniões e contactos informais com diversas estruturas sindicais, organismos públicos, dirigentes de associações empresariais, instituições de cariz social e empresários deste Concelho.
De uma forma geral, o balanço foi idêntico, pesado e negro, temendo-se um claro agravamento da situação económica e social no futuro próximo.
Para lá do que as notas oficiais de cariz partidário podem transcrever, ficam os desabafos, as inconfidências, os alertas para uma acção determinada que possa pelo menos suster o impacto deste verdadeiro tsunami económico em que Portugal sofre muito mais que as ondas de choque dos abalos internacionais.
“-Isto vai morrer, doutor! Isto vai morrer…” – dizia-me ainda ontem um empresário de relevo do mais pujante sector económico local.
“-Sabe qual é o volume de trabalhadores que está a pedir para receber em dinheiro vivo, de maneira a que os seus salários não possam ser automaticamente retidos pelos Bancos em que estão em incumprimento?” – perguntava-me outro há dias.
“-Ninguém paga a ninguém! Estamos perante uma enorme bola de neve em que mesmo os poucos negócios que existem são virtuais…” – voltava a lamentar-se o primeiro.
“-O doutor imagina o que é ver uma família de aparentes posses, com estatuto na sociedade, a passar forme e com vergonha de pedir apoio? Fome, mesmo. De comer dia sim, dia não ou de ter que esperar pela nossa ajuda…”- atirava-me uma responsável de uma IPSS.
Desempregados, no concelho de Braga, são mais que 8.000. No Distrito, a taxa de desemprego sobre para os 14%. No Centro de Emprego de Braga (que agrega os concelhos de Vila Verde, Amares e Terras de Bouro) há mais de 2.500 jovens licenciados inscritos.
Dos vários milhares de jovens que concluem a sua formação superior a cada novo ano, são cada vez mais os que partem para o estrangeiro, em busca de melhores alternativas, que se mudam para as duas grandes metrópoles do Continente ou que se dedicam a actividades indiferenciadas (como Caixa de Hipermercado, Lojista, Motorista, para lá de outras ocupações de cariz administrativo, na indústria, restauração e hotelaria ou na construção civil).
Será que a culpa está nas Universidades? Essas “gastadoras” que nem dinheiro têm para manter as instalações abertas todo o ano?
Mesmo os empregos existentes são exemplos-vivos do badalado “trabalho precário”. Baixos salários, horários exigentes, pouco vínculo, quase nenhumas perspectivas de carreira. Novos tempos. E não vale a pena culpar as leis por isso ou pensar que vai ser diferente tão cedo.
“-Sabe, por força das dificuldades de inserção no mercado de trabalho e da ausência de um mercado de arrendamento, são cada vez mais os jovens que ficam a morar com os pais até idades avançadas, muitas vezes para lá dos 30 anos, hesitando em constituir família.” – frisava também um responsável de uma instituição de cariz social.
“Pior. Face ao enorme nível de incumprimentos dos créditos à habitação, são cada vez mais os casais que entregam as suas casas para pagamento das dívidas ao Banco e que voltam a morar com os progenitores.” – acrescentava um bancário presente.
No âmbito da formação, lamenta-se a falta de visão estratégica, o esbanjamento de fundos em acções sem capacidade de reforço das qualificações ou da empregabilidade dos formandos, centradas em áreas de intervenção com reduzidas saídas profissionais.
Ao nível central, pergunta-se que Estado é este que diminui o investimento, mormente em dotação de recursos humanos, a uma estrutura como o Centro de Emprego numa altura em que o seu movimento mais que terá duplicado? E como justificar a incapacidade de dar resposta aos projectos concretos que poderiam ser a bóia de salvação para algumas centenas de profissionais?
E que Estado é este que cria crescentes dificuldades burocráticas e administrativas ao nível da Segurança Social no acesso às prestações sociais dos trabalhadores quando estes mais precisam?
Ao nível local, faltam espaços de discussão informal entre todos os parceiros económicos e sociais. Falta criar rotinas de colaboração, monitorização e acção, que não se cinjam às horas de aperto em que dificilmente se vão encontrar soluções milagrosas.
E falta, seguramente, quem assuma a liderança. Quem diga basta. Quem inverta as prioridades tradicionais e coloque verdadeiramente as pessoas em primeiro lugar. Quem desenvolva todos os esforços para proteger os mais carenciados e para dar apoio aos mais capazes e empreendedores.
Quem tome consciência de que só com uma vida digna, com um rendimento capaz, com um emprego e com perspectivas de futuro é que se pode desfrutar dos passeios na Avenida ou das peladinhas nos renovados sintéticos do Concelho.
Tudo o mais, são promessas vãs de votos de fim de ano que mal se ouvem enquanto a banda tocar…
A todos os leitores dos Suplementos, um óptimo ano de 2009.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

A cana e o peixe


Ao longo das últimas semanas, o País passou de um estado de aparente letargia do Governo para com os graves problemas económicos e sociais que já se viviam no terreno, e de forma particularmente significativa no Norte do País, para uma visível hiper-actividade e uma contínua apresentação de medidas “potencialmente” mitigadoras das dificuldades em questão.
Uma vez identificado o álibi perfeito – a “crise internacional” - para problemas estruturais da nossa economia, alguns dos quais com sintomas claros que se arrastam de há já vários meses a esta parte, eis que o Primeiro-Ministro José Sócrates e os demais membros do seu Executivo nos surgem diariamente nos media como mestres-de-obras de um verdadeiro túnel que nos conduzirá à saída destes tempos de penumbra.
Das políticas fiscais contra-cíclicas (especialmente assentes em benefícios resultantes dos sacrifícios de finanças alheias – como foi o caso da desejável redução do IMI à custa das Autarquias locais), o Governo passou a socorrer-se de todos os meios ao seu alcance para proporcionar melhor saúde financeira a todos os agentes económicos no mais curto espaço de tempo possível.
Aproveitando a boleia das decisões tomadas pelos Estados-membros da União Europeia, sabemos já que o défice orçamental deixará de ser uma variável prioritária, baixa-se impostos (ainda que de forma selectiva), aumenta-se as prestações sociais (temporariamente), estimula--se o acesso ao crédito fácil para solver compromissos de tesouraria, avançam os grandes projectos de investimento público de cariz infra-estrutural.
Quase instantaneamente, o Governo descobriu que o País já não estava apenas sob a mera imagem censurada de uma “estagnação” para estar na vertigem de uma recessão às claras: que há empresas a falir de forma sistemática; que são milhares os portugueses a cair numa situação de desemprego, entre os jovens licenciados sem perspectivas de inserção no mercado de trabalho e os desempregados de longa duração ou indiferenciados de elevada idade; que proliferam os empregos precários, com baixos rendimentos e residuais garantias de futuro; que os efeitos do sobre-endividamento se fazem hoje sentir de forma avassaladora.
Como num passe de mágica, ficou perceptível que é crescente o número de pobres que se socorrem das diversas valências de cariz social que, de uma forma corajosa e dedicada, se entregam a atenuar os efeitos dos desleixos públicos, do Norte ao Sul do País.
Frustrado, mas não surpreendido, Portugal percebeu que era ainda maior o número de famílias que oculta uma crescente pobreza dissimulada por entre as vestes de um aparente conforto financeiro.
Ultrapassados os preconceitos para com aqueles que empreendem, investem e sustentam a economia nacional em condições particularmente adversas, percebeu-se os riscos de colapso pendentes sobre um tecido empresarial frágil e esvaziado, ora de liquidez, ora de competitividade.
Portugal está, como anunciava Manuela Ferreira Leite pouco depois de ser eleita no Congresso do PSD em Junho último, num estado de “emergência social”.
E, finalmente, o enorme Estado decidiu agir. O Governo e as Autarquias Locais injectaram benefícios vários na economia, ao mesmo tempo que se procurou conter as fontes de aumento da despesa dos vários agentes económicos.
Contra a corrente, e sob o pior formato possível, até o Ministro das Finanças pressionou a Banca para assegurar o acesso ao crédito às empresas, para conter o aumento galopante dos spreads (que anula o benefício da descida das taxas) e para conferir alguma eficácia às medidas pomposamente anunciadas de apoio às Pequenas e Médias Empresas.
Num qualquer desvario de eleitoralismo descontrolado, o Governo avança mesmo com a disponibilização de empréstimos para os funcionários públicos que sejam confrontados com situações de “emergência financeira”, eventualmente motivadas por um leque alargado de ocorrências imprevistas.
“-E os outros? São Portugueses de segunda?”, pergunta o País ainda incrédulo.
Bem sei que a quadra festiva que atravessamos não convida a este tipo de reflexões e que até é uma imagem simpática (pela diferença face à sua tradicional postura algo totalitária) imaginar um Sócrates bonacheirão a distribuir benesses numa fatiota vermelha, viajando num TGV movido a renas pelo Portugal profundo.
E não questiono, de uma forma mais séria, que cabe ao Estado distribuir o peixe quando o prato de tantos está vazio.
Todavia, o que verdadeiramente preocupa é a emergência do discurso do facilitismo, centrado no imediato, desde as condições económicas e financeiras de particulares e empresas às áreas da formação e qualificação profissional ou da investigação e competitividade empresariais.
Aliás, quando se vê a canalização dos parcos fundos comunitários para este tipo de políticas, só se pode temer o pior.
E, se Portugal, conseguir ultrapassar o “Cabo das Tormentas” de 2009, não custa imaginar que quando se quiser voltar a distribuir canas, muitos perguntarão indolentemente: “Para que serve?”.
A todos, um Santo Natal.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Suplementos de Economia

Como em relação a qualquer paciente de uma qualquer patologia, a introdução de medidas terapêuticas adequadas para as maleitas económicas requer a conjugação de um mesmo leque de factores: o diagnóstico atempado da doença, o domínio técnico do clínico e a perseverança e disciplina do doente.
A nível nacional, a situação complica-se um pouco mais, uma vez que cabe ao legítimo representante e gestor da “saúde” económica do doente (o País) o papel de prescritor e administrador da posologia adequada (enquanto Governo), numa versão atípica de auto-medicação.
Mais a mais, por muito que as crises económicas estejam devidamente tipificadas, nos seus sintomas e manifestações expressas, sobre as mesmas não há a capacidade de confrontar a eficácia de tratamentos alternativos em contexto laboratorial o que conduz, não raras vezes, à experimentação contínua de quem não possui o domínio claro da matéria em apreço.
Em Portugal, neste ocaso do ano de 2008, vive-se uma destas estranhas situações, mais conformes ao mundo da medicina que à desejável pujança das actividades económicas e empresariais.
Ao longo dos últimos anos mas, muito particularmente, ao longo dos últimos meses, o doente evidenciava já sintomas claros de que carecia de uma intervenção, parte por contaminação externa mas muito por via das más práticas e dos hábitos de uma vida pouco saudável. Todavia, o seu clínico desvalorizava os sinais e deixava agravar o estado do paciente.
Pior, a cada sinal de melhoria, os seus assistentes exultavam publicamente: “-Está curado!”, como que se tais palavras mágicas pudessem obstar à propagação do vírus.
Falhando no primeiro dos requisitos antes enunciados, a actuação do médico chega tarde, numa altura em que parte substancial da comunidade envolvente já se encontra infectada e em que os riscos de contágio impedem uma recuperação rápida das patologias próprias.
Quanto ao segundo requisito para a cura, há muito que fora posto de parte. O País cumpriu penosamente mais de uma década de práticas desaconselháveis (apenas brevemente interrompida), ilustradas por políticas económicas erráticas, desenquadradas da realidade e com recurso sistemático à promessa fácil e á ilusão. Sempre com a consequência da degradação do estado do paciente, com reflexos pontuais na dor de cabeça típica da ressaca das festividades excessivas, e com um crescente acumular de dores na sua carteira.
Quem olhara para estes quatro anos como o tempo de fortalecer os músculos e corrigir as rugas, confronta-se agora com a dura realidade de ter que actuar de forma célere e eficaz para salvar os órgãos vitais.
O lado esquerdo do corpo está praticamente paralisado e votado ao abandono. Da parte de cima do tronco seguem-se os alertas de que o todo está em risco de colapso. As bolsas de energia são cada vez mais intermitentes e concentradas no espaço circundante do umbigo da Nação.
Há bem pouco tempo, o paciente continuava a persistir no seu estado de negação. “Para o ano é que vai ser!”, vibrava, com a complacência e incúria do médico assistente, como que saltando as linhas do Relatório das Análises Clínicas realizadas anualmente, em busca de sinais positivos para avaliação do seu estado de saúde.
Os pareceres dos clínicos externos eram, porém, contundentes: avizinhava-se o pior, novamente por contágio da pandemia global, por agravamento das crises cíclicas que antecedem cada acto eleitoral e por inacção para com as várias infecções que hoje corroem o estado de saúde do paciente.
De repente, a luz. Um encontro com outros doentes infectados e a súbita recomendação da visita ao Dr. Keynes, especialista novamente em voga na revitalização económica por via das políticas orçamentais expansionistas, a cargo do aumento do investimento público e dos estímulos fiscais.
Uma rápida deslocação ao estrangeiro para assegurar o abastecimento da medicação na dose necessária e eis que se anuncia o tratamento, com a prescrição do consumo do maravilhoso e seguramente eficaz “pacote contra a crise”.
O País viu, ouviu mas não sabe se há-de acreditar. Há que despejar o conteúdo da embalagem num copo com água, juntar açúcar a gosto e esperar que faça efeito.
Se, como se prevê, as melhorias forem residuais e meros paliativos sem efeitos sensíveis, resta a esperança de que ainda valha a pena mudar de médico… se o País resistir até ao último trimestre de 2009.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Dar crédito ao crédito

A situação era relatada no Diário do Minho do passado dia 29 de Novembro, tendo mesmo ganho o estatuto de manchete dessa edição. Sob o título “Banco financia luxos a família que passa fome”, podia ler-se que “o banco Credibom atribuiu um empréstimo de 4 mil e 500 euros para uma família de Braga comprar uma cama de vibromassagem. Composto por três pessoas, o agregado familiar tinha na altura do financiamento um rendimento mensal de 370 euros. A viver na miséria e a passar fome, não pagou mais do que a primeira das 60 prestações mensais previstas no contrato que afirma ter-lhe sido imposto por uma empresa do Porto. A instituição bancária ameaça agora com um processo de execução”.
O desenvolvimento da notícia causava ainda mais perplexidades ao cidadão menos atento a este tipo de fenómenos: a compra ocorrera sob a forte pressão dos comerciais de uma empresa de venda especializada deste tipo de bens, a qual garantira automaticamente o acesso ao crédito em questão e a respectiva celebração do contrato.
Apesar de tentar devolver o produto inúmeras vezes e assim rescindir o contrato, a família entrou em incumprimento e viu-se confrontada com uma acção judicial por parte da instituição bancária, que agora ameaça com a penhora dos parcos bens que possui.
Apesar da singularidade da história, este tipo de situações está longe de ser um caso isolado, proliferando inúmeras ocorrências em que os particulares são induzidos à contracção de empréstimos muito acima das suas reais capacidades de endividamento.
É óbvio que não se pode entrar em generalizações, nem muito menos apontar o dedo exclusivamente a uma das partes, uma vez que a situação a que o nosso País chegou nesta matéria resulta de contributos significativos de todos os envolvidos.
Passados os tempos em que empresas e particulares até se sentiam “envergonhados” de terem de recorrer ao crédito alheio, o recurso ao financiamento bancário passou da natural e legítima forma de alavancar investimentos ou antecipar aquisições de bens prioritários, para o expediente corrente que sustenta inúmeras existências acima das reais capacidades dos indivíduos e organizações.
Segundo dados coligidos pelo Jornal de Notícias, dois terços dos endividados têm mais de três créditos e 5% têm mais de 10, nalguns casos numa cascata de financiamentos sucessivos.
Para tal, há que contar com a óbvia complacência das instituições de crédito, as quais deram cobertura a essas práticas económica e socialmente irresponsáveis, quando não as estimularam, através de todo o tipo de campanhas promocionais, nalguns casos bastante agressivas.
Neste âmbito, quem nunca recebeu correspondência ou contactos telefónicos em que lhe era garantida a pré-aprovação de financiamentos que jamais solicitou? Quantos dos leitores desta coluna nunca receberam um “cheque” com o montante disponibilizado pela sua instituição bancária, com vista à contracção de um crédito para fins indeterminados?
Por acréscimo, a situação que hoje se vive é naturalmente resultado da passividade dos organismos de regulação em relação a este tipo de práticas e dos estímulos que o próprio discurso facilitista de diferentes Governos incutiu nas práticas de consumo e endividamento dos portugueses.
A conjugação de todos estes factores está bem expressa nas diferentes estatísticas do Banco de Portugal: os particulares têm uma taxa de endividamento que corresponde a cerca de 120% do seu rendimento disponível ou que equivalia, em 2007, a 91% do PIB português.
A este nível, Portugal apenas se encontrava atrás da Holanda (que tinha já em 2006 um endividamento superior a 120% do PIB), posicionando-se muito acima da média dos Países da Zona Euro (que atingiam um endividamento de 59% do PIB). Em Espanha, chegava-se aos 80% do PIB, mas na Grécia ou Itália, o endividamento dos particulares não ultrapassava os 41% ou 32% do PIB, respectivamente.
A esta luz, embora o Inquérito do Banco de Portugal aos Bancos sobre o Mercado de Crédito do passado mês de Outubro sugerisse já que “os critérios de concessão de empréstimos ao sector privado não financeiro tornaram-se mais restritivos no terceiro trimestre de 2008, face ao trimestre anterior, em todos os segmentos considerados”, em função do “aumento do custo de financiamento e restrições de balanço dos bancos, em conjunto com a deterioração dos riscos apercebidos pelas instituições inquiridas”, talvez não seja descabida a iniciativa de introdução de regras sobre a publicidade a produtos de crédito que poderá vir a público até ao final do ano.
É que, apesar de todas essas condicionantes, não se vislumbra um significativo abrandamento das estratégias de colocação de crédito junto de particulares, ao mesmo tempo que a drástica descida de juros pode voltar a aumentar a apetência dos consumidores.
Ou isso ou a introdução de regras que determinem que casos como o exposto pelo Diário do Minho teriam que redundar na perda do valor ao crédito concedido por parte da instituição bancária em questão.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Estagnação


1. Uma vez estancados os principais sintomas do terramoto que assolou o sistema financeiro internacional, por via da acção decidida da generalidade dos Governos e organismos públicos, eis que o sistema bancário ganha especial protagonismo, pelos piores motivos, no nosso País.
Assim, ainda o País “lambe as feridas” do caso BPN – que colocou (mais uma vez) a nu as fragilidades do sistema de supervisão – e já se antecipava a possibilidade de falência de uma outra instituição financeira, no caso, o Banco Privado Português (BPP).
Numa primeira fase, o Ministério das Finanças e o Banco de Portugal expressaram publicamente a sua recusa de apoiar financeiramente o BPP, quer através da injecção de capitais, quer através da concessão de um aval do Estado no valor de 750 milhões de Euros.
Desta feita, as posições do Governo e do Banco de Portugal não eram propriamente criticáveis uma vez que alicerçadas em dados objectivos: é verdade que o eventual colapso do BPP não acarretava o risco de impactar directamente com o resto do sistema bancário (não há o designado “risco sistémico”) e é também um facto que as linhas de crédito criadas se destinam a gerar liquidez na actividade comercial da Banca, em benefício dos seus clientes. Ora, o BPP é um Banco de Investimento, orientado para a gestão de património, com um peso residual de actividade bancária tradicional.
Em bom rigor, não se podia enquadrar a possível falência do BPP na mesma natureza de fenómenos que puseram em risco a subsistência de outras instituições financeiras a nível internacional, pese embora o a mesma decorra do risco de mercado que sempre se associa à gestão de qualquer investimento, e seja mesmo o mercado (e a sua significativa desvalorização) a trair aqueles que mais nele confiaram.
A esta luz, também não se pode equiparar de todo a situação do Banco Privado ao “caso Banco Português de Negócios”, principalmente à medida que novas informações vão sendo tornadas públicas sobre a investigação em curso nesta última instituição.
Seja como for, o final da passada semana deu à luz uma nova estratégia das Autoridades nacionais, o BPP será salvo e os seus investidores podem descansar com a defesa “do bom nome do País”.

2. À margem da esfera financeira, o mundo espera pelos primeiros sinais de retoma, depositando esperanças na capacidade de dinamização da economia internacional dos seus tradicionais motores.
Neste contexto, as primeiras medidas do futuro Presidente dos Estados Unidos são aguardadas com natural expectativa, seja pelo especial compromisso assumido com essa área pelo candidato eleito, seja pela reputação da equipa que constituiu (em que chegou a considerar-se a hipótese de entrar o multimilionário Warren Buffet), seja pela especial vocação Keynesiana da política económica deste País.
Ora, segundo os primeiros dados trazidos a público, a aposta vai ser mesmo na redução das taxas de juro e impostos e no fortalecimento do investimento público, com injecções maciças de fundos na economia real.
Em tese, é de admitir que tais iniciativas possam produzir os seus frutos no curto, médio prazo, mas pode colocar-se dúvidas sobre as suas reais consequências no longo prazo.
Afinal, se tomarmos por referência o que se passou no Japão na década de 90, poderemos admitir que estas políticas podem acarretar um período deflacionista e um forte crescimento da dívida pública, que talvez não sejam contrabalançados por um crescimento económico tão forte quanto seria desejável.
Todavia, a envolvente é naturalmente diferente e face à actual situação económica, talvez valha a pena “pagar para ver” os efeitos de tais medidas.

3. Por esta altura, estará já o(a) estimado(a) leitor(a) a questionar-se quanto à razão da escolha do título do presente artigo.
Pois bem, os portugueses ficaram a saber na passada semana que, no “34º ano da graça da democracia” no nosso País, os redactores de economia da Agência LUSA – a principal agência de informação Portuguesa – foram “proibidos de utilizar a palavra estagnação para qualificar a evolução de 0,1 por cento prevista para o PIB português em 2009” pelo Fundo Monetário Internacional.
A informação foi divulgada pelos membros eleitos do Conselho de Redacção desta Agência de Informação de capitais maioritariamente públicos, o órgão que tem por objectivo supervisionar o cumprimento das regras editoriais e deontológicas dentro da própria Agência.
De igual forma, os membros do Conselho de Redacção da Lusa revelam que já em Outubro último, na véspera das Eleições Regionais dos Açores, a jornalista da LUSA que tratou os dados do desemprego divulgados pelo IEFP fora “aconselhada” a fazer uma peça a destacar que os Açores tinham sido a região onde o desemprego mais tinha caído em Setembro.
Esta “Estagnação!” é, pois, uma homenagem a quem pode dar a sua opinião ou retratar a realidade sem censura, nem “orientação”. Mas também podia ter escrito “Liberdade” ou “Democracia”, não?

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Salvar Braga, o Minho, o Norte, Portugal


A notícia surgiu de forma mais vincada na comunicação social no início da passada semana: a União dos Sindicatos de Braga (USB) e a Associação Industrial do Minho (AIMINHO) estarão a preparar um documento estratégico que pretende elencar medidas específicas de apoio à região.
O ponto de partida para esta “inovadora” concertação social de cariz regional assenta no contínuo e visível flagelo social que assola o Distrito de Braga, com uma catadupa de encerramentos de empresas e um constante avolumar dos números do desemprego, já hoje muito acima da média nacional.
Mais do que a tradicional fragilidade do sector da indústria têxtil, as dificuldades que hoje se deparam ao tecido económico da região são bastante mais profundas e alargadas de forma transversal a todos os sectores de actividade, da agricultura, à indústria, ao comércio, às pequenas e médias empresas do sector dos serviços.
Pior, as perspectivas próximas são tudo menos animadoras, seja como consequência da evolução recente da situação económica do País e do mundo, seja como resultado da ausência de medidas concretas de redinamização da economia nacional e regional.
O caderno de encargos que as duas entidades pretendem preparar, em colaboração com outras instituições públicas e privadas, das Universidades ao meio associativo empresarial, não é um mero plano de “emergência social”, mas um verdadeiro catalisador da competitividade da Região.
Assim se entende que dentro dos dados já vindos a público se destaque a preocupação com os custos de produção, com a fiscalidade incidente sobre as empresas e outros aspectos que podem reforçar a viabilidade económica e financeira das empresas em laboração.
Estranho País este em que um Governo pode olhar quase com desdém para realidades como a que hoje se vive em parte significativa do Distrito de Braga, patente nas bolsas de pobreza efectiva existentes, na falta de oportunidade para jovens quadros licenciados ou na falta de perspectivas para cada fornada de desempregados de longa duração de mais um curso de “Novas Oportunidades”…
Estranho País esse que pode abdicar de uma das suas Regiões mais jovens e dinâmicas, com maior espírito empreendedor, com maior capacidade de inovação, com maior cultura empresarial, com maior tradição de contributo para o crescimento económico, a criação de riqueza e de emprego.
Para lá dos erros próprios (dos agentes económicos, dos poderes públicos e da conivência da sociedade civil da Região), o estado depressivo que hoje se evidencia é a clara consequência de um conjunto de políticas manifestamente centralistas – na tomada de decisão e na repartição dos investimentos infra-estruturantes – com que este e outros Governos têm vindo a delapidar o património de diversidade e o potencial de desenvolvimento do País.
E esse será porventura o elemento crítico de uma verdadeira inversão de ciclo, no plano económico, como político ou social: não se pode pensar que a Região (de Braga, como o Minho ou o Norte) poderá retomar o verdadeiro rumo do desenvolvimento sem haver um compromisso claro do poder central com uma política de coesão nacional e de desenvolvimento equilibrado do território.
Se a resposta formal a esse desafio se chamar Regionalização, venha ela. Não usem porém esse chavão para distrair os incautos da verdadeira dimensão dos problemas e da responsabilidade de quem nos (des)Governa ou para formatar um novo modelo de centralismo bicéfalo.
O que me traz de volta a Braga e à iniciativa da USB e da AIMINHO. Em bom rigor, esta intenção de convergência dos agentes de desenvolvimento locais não é novidade. Podemos voltar, como fez o JN, até à década de 80 e invocar a Comissão constituída pelo Governador Civil, Fernando Alberto Ribeiro da Silva, pela Presidente da então CCR-N, Elisa Ferreira, pela responsável da Segurança Social, Filomena Bordalo, e por outros responsáveis regionais. Ou recordar a proposta do Governador Civil Fernando Moniz que, já no ano 2000, propusera a constituição de um Fórum Económico e Social no Distrito. Ou lembrar a pomposa subscrição do Protocolo de Desenvolvimento Regional, entre a Universidade do Minho, a Associação Industrial do Minho e as Câmaras Municipais de Braga, Barcelos, Famalicão e Guimarães, no já remoto ano de 2003.
Ou perguntar, enfim, que atenção e respostas tem merecido estes problemas por parte dos Autarcas locais, nos diferentes órgãos municipais.
Para perceber, talvez, que se não começarmos mesmo pelo princípio, talvez nos reste apenas o “Era uma vez…”.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

OE ou não é


A cada mês de Novembro, a discussão do Orçamento de Estado (OE) assume-se como um dos principais pontos da agenda mediática, aqui se concentrando o foco das intervenções do Governo, dos Partidos da Oposição, de Sindicatos, Associações Empresariais e demais Parceiros Sociais, dos Analistas e demais agentes da Sociedade Civil cuja actuação contende de alguma forma com a política orçamental.
Normalmente, e porque concentrada num espectro temporal relativamente reduzido, esta discussão centra-se mais nas matérias de pormenor do que no confronto entre modelos alternativos de desenvolvimento económico do País ou de financiamento e gestão de cada um dos sub-sectores do Estado (do Ensino Superior à Saúde, da Segurança à Cultura, da Justiça à Segurança Social).
Talvez por isso, e ao contrário do que seria expectável e desejável, é mais fácil escrutinar e criticar a medida pontual, a falha de coerência, o erro contabilístico do que o conjunto do documento e das opções políticas que lhe estão subjacentes.
Não se pense, porém, que este é um erro directamente imputável ao observador externo, seja ele uma força partidária ou outro qualquer cidadão ou instituição. Bem pelo contrário, é o próprio Governo que tende a estimular este tipo de abordagem, enfatizando dados e opções avulsas como forma de diluir o impacto negativo que resultaria de uma análise mais profunda e integrada.
Ora, o ponto de partida para a construção deste documento devia ser precisamente o contrário, respondendo cabalmente à questão: o que é e para que serve um Orçamento de Estado?
Se assim acontecesse talvez se tomasse consciência que este deveria ser o pilar em que assenta a Governação do País no ano subsequente, tal como acontece com qualquer Autarquia, Empresa, Instituição ou Família com o seu orçamento particular.
Para tal, o Orçamento de Estado teria de partir dos dados que caracterizam a realidade actual, fundamentar opções mediante a devida concretização financeira e traduzir objectivos a atingir, definidos de forma clara, rigorosa, credível e transparente.
Mas, pode-se perguntar, que clareza, rigor, credibilidade e transparência tem um Orçamento de Estado cujas referências do quadro macroeconómico previsto são rebatidas de forma expressiva por todas as organizações internacionais antes mesmo de ele começar a ser discutido no Parlamento?
Será indiferente a taxa esperada de crescimento do produto? Serão idênticas as políticas e os seus custos em função de diferentes taxas de desemprego? Conseguir-se-á manter as estimativas de evolução das contas públicas quando todos os dados já disponíveis apontam para uma redução da base de captação da receita e para um aumento das fontes de realização de encargos?
Em suma, pode um Orçamento de Estado ser construído sobre um castelo de ilusões, um mar de irrealismo, um olhar sobre um país virtual que o Primeiro-Ministro só deve conhecer numa versão Second Life de um qualquer Magalhães?
Para quem passou três anos a esgrimir as décimas do nosso descontentamento como grandes trunfos do êxito de um modelo de desenvolvimento fracassado, parece sobressair agora o mesmo facilitismo que nos transformou num País de sobredotados a Matemática.
Há, depois, o plano das iniciativas concretas. E aqui saúde-se o súbito despertar para as dificuldades das famílias, para o enquadramento competitivo das pequenas e médias empresas, para o fracasso do mercado de arrendamento, para a obrigatoriedade de transformar o Estado num bom pagador.
Mas, chegarão as propostas avançadas e as correspondentes dotações financeiras? Conseguirão atingir os seus objectivos? Ainda virão a tempo?
È difícil avaliar em números quanto é que custa a um País ou território a prepotência e arrogância dos que o dirigem, o alheamento da realidade, o exercício continuado do poder autista e absoluto. A melhor proxy talvez sejam os 120.000 que se manifestaram (novamente) no Terreiro do Paço no passado dia 8.
Mas, voltando ao Orçamento de Estado, foi alguma dessas iniciativas inovadora? Há quantos meses ou anos não constava já das prioridades e alertas da generalidade das forças da Oposição, dos cadernos de reivindicação dos parceiros sociais, das análises e reparos dos comentadores independentes?
Como se tal não bastasse, 2009 é ano de eleições. E esse pequeno grande pormenor volta a fazer a sua incontornável cíclica diferença. Porque faz com que o OE seja cada vez mais o que parece e menos o que deveria ser e aquilo de que o País precisa.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

A falência do Banco de Portugal


Quando há algumas semanas se vivia o “aparente” epicentro da crise financeira internacional e começaram a surgir as primeiras notícias sobre a falência de instituições financeiras de firmados créditos nos mercados internacionais, os responsáveis do Governo e do Banco de Portugal foram taxativos: “-Não há risco de contaminação desta crise ao sistema financeiro nacional.
Ora, por paradoxal que tal possa parecer quando acabamos de assistir à falência e posterior nacionalização de uma instituição bancária no nosso País – o BPN – Banco Português de Negócios -, a verdade é que, pelo menos em termos de efeitos directos, esses responsáveis terão falado verdade.
Isto é, ninguém admite hoje que os factores que estiveram na origem da estrondosa derrocada do BPN e que poderão pôr em risco outras entidades de pequena, média ou grande dimensão em Portugal têm a ver com a mesma natureza de motivos que desencadearam o recente terramoto nos mercados financeiros mundiais.
E, em bom rigor, assim acontece. Como há muito vinha sendo pressentido (até publicamente) e como agora foi intensamente propalado, as dificuldades do BPN, primeiro de natureza estrutural (económica e financeira) e, depois, de natureza conjuntural (com problemas de falta liquidez), resultaram de erros de gestão, tanto mais graves quanto muitos terão estado associados a práticas alegadamente ilegais, prolongadas no tempo.
A saber, e baseando-me apenas nas declarações dos responsáveis públicos, os mais de 700 milhões de Euros de prejuízos acumulados à data terão resultado de “excessiva exposição a produtos de risco” e de “operações de crédito clandestinas”, o que terá levado o BPN a “deixar de cumprir com os seus rácios de solvabilidade”.
A progressiva saída dos recursos captados junto de particulares e institucionais e as dificuldades na concretização do Plano de Recuperação gizado por Miguel Cadilhe – que assumiu a Presidência do Banco em Junho último – já tinham obrigado o BPN a contrair em Outubro um empréstimo no valor de 200 milhões de euros junto da Caixa Geral de Depósitos para fazer face a uma situação de falta de liquidez grave.
Ao longo das últimas semanas, perante a impossibilidade de concretização de parte do aumento de capital que constava do “Plano Cadilhe”, a Administração do BPN (ou da Sociedade que detém a maioria do seu capital) tentou proceder à alienação do Banco a outras instituições de crédito nacionais, bem como sensibilizar o Governo para a eventual injecção de capitais públicos que reequilibrassem a situação financeira da instituição, mas nenhuma dessas iniciativas terá sido bem sucedida.
Chegou-se assim ao fatídico dia 2 de Novembro e ao anúncio de nacionalização do BPN, enquanto “melhor alternativa para defender os interesses dos depositantes da instituição” e para suster as réplicas deste terramoto no conjunto do sistema financeiro nacional.
De então para cá, seguiram-se a dura Conferência de Imprensa de Miguel Cadilhe – a rejeitar a solução adoptada e a apontar a “grave e demorada falha de supervisão”-, a trapalhona iniciativa Governamental de aprovar uma Lei Geral para Nacionalizações como anexo de um processo concreto e os múltiplos reparos da Oposição, uns mais extremados que outros, mas especialmente centrados na figura do Governador do Banco de Portugal.
Se recuarmos alguns meses, as primeiras notícias sobre pedidos de esclarecimentos do Banco de Portugal ao BPN surgiram em finais de 2007, ao que se seguiram processos de contra-ordenação que culminaram nas saídas de José Oliveira e Costa, em Fevereiro de 2007, e Abdool Vakil, em Junho último.
Em Maio, foram responsáveis superiores do BPN a denunciar a pretensa prática de “crimes financeiros”, enquanto que, logo após a sua tomada de posse (e segundo notícia do Expresso de Agosto), Miguel Cadilhe terá imposto a adesão a uma espécie de convénio de rejeição de todo e qualquer tipo de práticas e produtos de legalidade duvidosa. Tarde demais, porém.
Sucede que uma das funções cometidas ao Banco de Portugal é “garantir a estabilidade e a solidez do sistema financeiro, de modo a assegurar a eficiência do seu funcionamento, a segurança dos depósitos e dos depositantes e a protecção dos consumidores de serviços financeiros”. É para isso que existe um “Departamento de Supervisão Bancária”.
Ora, antes de se avançar com o pedido de demissão do Governador, que pode mudar a capa mas não a essência das práticas da supervisão bancária em Portugal, a sucessão próxima de ocorrências como as que se deram no BCP e, agora de forma bem mais grave, no BPN, aconselhariam a realização de uma Auditoria de Procedimentos imediata a este Departamento.
É que, na actual conjuntura, o mesmo não contribui apenas para a cabal prossecução das funções cometidas ao Banco de Portugal. Antes, ele deve mesmo assegurar a confiança dos cidadãos no Sistema Financeiro, nas Autoridades de Supervisão e poupar umas centenas de milhões de Euros aos contribuintes em circunstâncias como a que agora se verificou.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

A economia da Política


Ao longo das últimas semanas, foram múltiplos os aspectos de natureza financeira que envolvem a actividade política e partidária que foram trazidos para a discussão pública e que provocaram um intenso debate sobre as opções políticas (também elas) subjacentes às diferentes abordagens em confronto.
No centro das atenções, a questão do financiamento da actividade política ou, se quisermos ser mais precisos, a designada Lei do Financiamento dos Partidos Políticos (e das Campanhas Eleitorais): Lei nº 19/2003, de 20 de Junho.
Como é sabido, este Diploma procurou “disciplinar” o financiamento da actividade partidária, impondo uma série de condicionantes nos domínios da prestação de contas, das fontes de angariação de receitas e das formas de realização das despesas, mediante também a submissão da actividade partidária ao escrutínio da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos – que funciona na dependência do Tribunal Constitucional e que foi instituída pela Lei nº 2/2005, de 10 de Janeiro.
Surgiram, assim, enquanto pilares destes documentos legais, as ideias de que se devia proibir toda e qualquer forma de apoio por parte de entidades empresariais, quer em valores monetários, quer em bens ou serviços; e de que se devia igualmente criar limites à recepção de apoios não escrutináveis por documentos bancário-contabilísticos adequados, condicionando as entregas em dinheiro.
Na base de tais orientações está seguramente a ideia de que os apoios por parte de empresas poderão condicionar as opções políticas dos eleitos e criar situações de dependência que irão condicionar a transparência e igualdade de tratamento exigíveis no exercício dos seus cargos.
Quando se pôs a hipótese de o próximo Orçamento de Estados levantar ou subir os limites aos donativos em dinheiro não faltaram as vozes críticas que apontaram tal medida como “um grave retrocesso no combate à corrupção”.
Ora, bem vistas as coisas, não me parece que a situação seja manifestamente diferente se o “apoio” for titulado por cheque não da conta da empresa mas da conta particular do empresário, e até respeitar os limites legais, mas a verdade é que a nossa democracia ainda enferma um pouco do síndrome da “mulher de César”.
Em paralelo com esta questão coloca-se obviamente uma outra que se assume como a outra face da mesma moeda: os partidos políticos são essenciais para o pleno exercício da democracia, o Estado e os cidadãos ganham com um bom exercício da actividade partidária (no poder, como na Oposição) mas esta actividade tem custos (mesmo que se suprimam as iniciativas supérfluas e o desbaratar de meios de propaganda). Quem paga?
Ora, se criamos obstáculos ao financiamento privado, a única resposta possível remete-nos para o Sector Público. É assim despropositado assumir uma postura “pudica” perante as verbas que serão despendidas pelo Estado com o financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, porque esses são os (bons) custos da Democracia.
À luz deste sistema de financiamento e, diria, enquanto garante de um “rendimento mínimo de existência” para os pequenos partidos em cenários de maior flexibilidade na angariação de meios, esta intervenção assegura também um maior equilíbrio entre as forças em compita que beneficia os eleitores: a nível central, como regional ou local, quem está no poder tem obviamente acesso a condições de exercício da actividade política e de disseminação da sua mensagem que não se equivalem às da Oposição.
Aduzo um exemplo que resulta da minha experiência pessoal: numa Autarquia como Braga, enquanto a esmagadora maioria dos responsáveis políticos do PS (no poder) exercem funções na Câmara ou nas Empresas Municipais, sendo assim profissionais pagos da actividade política, os Autarcas do PSD (Vereadores e Deputados Municipais) abdicam, em favor do Partido, da totalidade das senhas de presença que auferem pela participação nas reuniões em que participam em tempo que subtraem às suas actividades profissionais próprias.
Até por estes motivos, e porque acho que nestas como em todas as outras questões que envolvem juízos éticos sobre a actuação dos políticos “quem não deve não teme”, confesso que sou bastante mais adepto de um sistema de financiamento como o americano, em que há tanta liberdade quanta transparência nos meios financeiros angariados, sem que tal prejudique o respectivo escrutínio público.
Ora, só na presente Campanha para as Eleições Presidenciais Norte-Americanas, por entre o colapso do sistema financeiro e a crise económica em presença, os candidatos irão gastar 2,4 mil milhões de dólares, o equivalente a 350 milhões de contos (em moeda antiga), valor que corresponde ao investimento em 17 Hospitais Centrais como o que se prevê para Braga.
Neste caso, a vantagem está claramente do lado da “oposição” com uma diferença abissal entre os meios angariados e gastos por Obama face aos que estão ao dispor de McCain. Segundo dados avançados por Nuno Gouveia no seu blog de referência sobre as Eleições Americanas, Obama estará a gastar cerca de 4,5 milhões de dólares por dia, contra 1,5 milhões do candidato Republicano.
Isto, excluindo os documentários de meia-hora sobre o candidato Democrata que foram exibidos em prime-time nos principais canais televisivos nacionais no passado dia 29 de Outubro, enquanto publicidade paga, numa altura em que todas as sondagens davam já larga vantagem a Obama.
Também aqui, “Change”, we can?

terça-feira, 28 de outubro de 2008

A outra Política Fiscal

Para o comum dos cidadãos, aquilo que verdadeiramente importa em matéria de política fiscal, pelo menos ao nível da leitura pública que vai fazendo das opções políticas do Governo, é a definição das taxas dos impostos.
De facto, por mais que a aplicação das regras de cálculo, a definição da base de incidência ou as formas de tramitação (pagamento e/ou reembolso) se alterem, só à posteriori é que o contribuinte se aperceberá se a tais medidas corresponde uma subida ou descida dos impostos que paga ao Estado.
À partida, porém, e sem prejuízo de que a realidade possa demonstrar o contrário, é manifestamente claro e directo o raciocínio de que uma maior taxa é algo de mau e uma descida das taxas deve ser reconhecido como uma medida positiva, trate-se de impostos directos ou indirectos.
Para quem gere a política fiscal, todavia, esta dialéctica é demasiadamente redutora das opções em aberto, razão pela qual a generalidade dos economistas têm centrado o seu discurso na necessidade de simplificação do sistema fiscal, enquanto via para conferir maior transparência e equidade ao sistema e, potencialmente, gerar aumentos de receita cobrada, que viabilizariam a diminuição da carga fiscal individual.
Há, de facto, múltiplas decisões que podem ser tomadas em sede de gestão da política fiscal que, sem envolver a alteração das taxas aplicáveis, podem ter significativas consequências sobre a eficácia e justiça do sistema fiscal e, bem assim, sobre a própria gestão financeira das empresas e/ou dos particulares.
Nestes casos, exige-se um correcto equilíbrio entre a abertura para o estudo de novas soluções, a iniciativa de as implementar e a necessidade de monitorizar e corrigir (quando adequado) os seus impactos.
Até porque, se nem é admissível nem saudável para o funcionamento da economia no seu todo a constante mutação das “regras” – nomeadamente em matéria fiscal -, também não é compreensível nem desejável a perpetuação de situações perniciosas ou o desaproveitamento de propostas aparentemente positivas.
E, finalmente, parece-me de todo inaceitável que as razões para o fracasso de uma qualquer medida ou para o adiamento ou rejeição de qualquer inovação possam residir em “falhas” ou “limitações” da máquina fiscal.
Neste mesmo espírito, invoco dois exemplos que têm sido alvo de profusa discussão pública, ambos no quadro do IVA – Imposto sobre o Valor Acrescentado: a “inversão do sujeito passivo” no sector da Construção Civil e o movimento em prol do “IVA com recibo”.
No primeiro caso, e tendo como objectivo “acautelar eventuais situações de prejuízo ao erário público”, o Governo português estabeleceu, por via da inversão do sujeito passivo (Decreto-Lei nº 21/2007, de 29 de Janeiro), que o devedor do imposto é o sujeito passivo adquirente de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou de subempreitada.
Isto é, ao invés de ser o fornecedor dos bens ou serviços a proceder à liquidação do Imposto em dívida ao Estado, tal responsabilidade passou para o seu adquirente (desde que este seja também um agente que proceda à dedução do imposto), sem que tal ponha em causa o normal direito à dedução do imposto suportado pela entidade fornecedora/prestadora.
Todavia, como logo foi expresso em reivindicação expressa por nove associações representativas de toda a cadeia de valor do sector, esta alteração levou a que “a neutralidade do sistema do IVA fica, para estas empresas, dependente, quase em exclusivo, do mecanismo do reembolso”.
Daí que, no próprio Orçamento de Estado para 2008 tivessem sido introduzidas medidas que viabilizavam o acesso a um regime especial de reembolso do IVA a 30 dias, o que nunca se chegou a verificar, com questões meramente administrativas a impedir as empresas de aceder a tal regime.
Ora, perante tais atrasos, a imposição da exigência de caução ou garantia bancária para a atribuição do reembolso e a impossibilidade de as empresas requererem o reembolso antes do fim do período de 12 meses, quando o crédito a seu favor exceder 12,5 vezes o salário mínimo nacional, são múltiplas as fontes de previsível estrangulamento em termos financeiros e de tesouraria, que pode pôr em causa a sobrevivência de inúmeras empresas de pequena e média dimensão.
Da mesma forma, num país em que grassa o estatuto de “mau pagador”, e em que o próprio Estado contribui para tal situação, parece ser de elementar justiça a reivindicação de várias associações empresariais e do Movimento Cívico “IVA com Recibo”, para que o IVA apenas possa ser exigível pelo Estado quando a prestação dos serviços ou o fornecimento dos bens for pago e não quando a factura é emitida, como hoje acontece.
Também aqui, esta situação provoca sérias dificuldades à tesouraria das empresas mais débeis, podendo gerar, em muitas circunstâncias, e até por força das medidas radicais hoje adoptadas pela máquina fiscal em casos de incumprimento, consequências bastante gravosas, que podem conduzir ao próprio encerramento das empresas em questão.
Ora, é precisamente por exemplos como estes que invoquei que a condução da política fiscal requer uma especial atenção a todas as suas vertentes de aplicação, muito para lá da mera fixação das taxas de imposto aplicáveis a cada situação. Só que esta é uma tarefa bastante mais difícil…

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Quo vadis, Sindicalismo?

Recordo dos meus tempos de Faculdade a opinião daquele professor que fazia questão de frisar um verdadeiro paradoxo intrínseco à implementação de uma determinada forma de espírito corporativo. No caso, sustentava que, ao contrário do que se podia pensar, os Sindicatos não defendiam os interesses dos trabalhadores em geral, reivindicando apenas as pretensões dos seus filiados contribuintes.
A ideia explica-se resumidamente: por norma, os sindicatos defendem aumentos dos salários e uma maior rigidez das leis laborais, o combate ao trabalho precário e as restrições a todo e qualquer tipo de despedimento. Com tal atitude, estão a pôr em causa as hipóteses de integração profissional dos trabalhadores desempregados, usualmente com menores qualificações e menores possibilidades de ver defendidos os seus interesses.
É óbvio que esta situação traz consequências de proporções imprevisíveis sobre as relações de poder no seio dos Sindicatos e a capacidade de afirmação e representatividade destes organismos, além de tensões de diversa ordem no seio da mole trabalhadora.
Naturalmente, também, esta situação é tão mais pertinente quanto maior for o número de trabalhadores no desemprego, pelo necessário aumento dos conflitos existentes.
Em Portugal, ao longo da última década, os períodos de diminuição da taxa de desemprego permitiram minimizar estes efeitos o que, conjugado com uma certa incapacidade de mobilização destas entidades e com as menores oportunidades de fazer valer as suas reivindicações num contexto de determinação das opções político-económicas fortemente condicionado por opções estratégicas de integração com o exterior, vem remetendo os Sindicatos para intervenções de cariz algo distinto: no domínio da formação e reconversão profissional, na mediação de casos pontuais, etc..
Mais recentemente, nova escalada dos níveis de desemprego, os sucessivos processos de despedimento colectivo e de encerramento de unidades fabris e a condução de políticas públicas mais ou menos acintosas para com certas classes profissionais, voltaram a devolver um forte protagonismo a estas estruturas e reforçaram a sua capacidade de mobilização dos seus representados, com acções de rua com o impacto das que abrangeram recentemente a classe docente.
Independentemente das transformações verificadas em sede de Código de Trabalho e de organização da Administração Pública, constata-se, pois, que estes são tempos em que é dada uma nova oportunidade às estruturas sindicais de reassumirem o seu papel mediador e de defesa da “classe trabalhadora” em sede de concertação social e de opinião pública.
Até por isso, situações como as que recentemente se verificaram em estruturas como o Sindicato Têxtil do Minho ou o Sindicato das Indústrias Eléctricas do Norte podem constituir-se como sérias contrariedades nessa reabilitação da imagem e do papel destas estruturas.
No primeiro caso, o líder da Nova Democracia, Manuel Monteiro, denunciou (e não foi totalmente contraditado) que esse Sindicato exigia que os trabalhadores abdicassem de uma parcela das suas indemnizações de despedimento, em benefício da estrutura sindical (supostamente para suportar as custas judiciais envolvidas).
Mais recentemente, o ex-líder do CDS apresentou documentos em que se demonstrava que a percentagem a cobrar aos trabalhadores não sindicalizados poderia atingir os 8 a 12 por cento do valor da indemnização que viessem a obter.
Na sequência de tal denúncia, que Manuel Monteiro encaminhou para a Procuradoria Geral da República e para o Ministro do Trabalho e Solidariedade, Vieira da Silva, abriu-se a discussão em torno da razoabilidade da cobrança destas importâncias por parte das estruturas sindicais, como contrapartida da representação neste tipo de processos dos trabalhadores não filiados.
No segundo caso, o Sindicato terá assumido um papel determinante na decisão de encerramento da empresa TELCA de Braga, como forma de viabilizar o pagamento dos valores em dívida aos credores da Empresa – em que se incluíam instituições financeiras e ex-trabalhadores -, mas contra a vontade dos cerca de 70 trabalhadores actuais da empresa, muitos dos quais não sindicalizados (como estes fizeram questão de expressar em documento subscrito pela maioria e divulgado pelo Diário do Minho).
Segundo tais trabalhadores, a actuação do Sindicato teria contribuído para o “encerramento criminoso” de uma empresa que punha em causa os referidos 70 postos de trabalho, acusação esta já refutada pela estrutura sindical.
Ainda assim, numa e outra circunstância, pode colocar-se a questão: razão tinha o meu professor?

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Ai se ela fala...


O pretenso “silêncio” de Manuela Ferreira Leite transformou-se num dos temas mais entusiasmantes da discussão pública do passado Verão. Criticada pelos eternos contestatários internos; acusada pelos comentadores e fazedores de opinião de regime; estudada como caso atípico pelos marketeers e especialistas da comunicação; estranhada, por arrastamento, pelos cidadãos comuns, a líder do PSD limitou-se a ser diferente.
Daí que, logo à partida, o rótulo de “silêncio” aplicado tenha que ser relativizado por comparação com aquilo que se tem por “normal” em matéria de intervenção pública dos responsáveis políticos e partidários.
Mas mais curioso ainda, o dito “silêncio”, foi mesmo veementemente atacado pelos próprios responsáveis do PS, membros do Governo incluídos, liderados pelo Primeiro-Ministro José Sócrates.
Ora, a não ser que tais responsáveis sentissem falta da oportunidade para virem ripostar, de imediato, aos pares, e em horário nobre nos principais órgãos de comunicação social – como acontece(u) após cada uma das intervenções da líder da Oposição, ou, como esta também sugeria numa recente iniciativa partidária em Braga “os socialistas são masoquistas”…
Pois bem, a avaliar pela intervenção de Manuela Ferreira Leite, nesse mesmo dia, numa iniciativa do Fórum de Economia da Associação Comercial de Braga, estamos em crer que prevalece a segunda hipótese.
O tema da Conferência centrava-se nas Políticas Orçamentais e nas Perspectivas para 2009, tendo a oportunidade servido de catalisador de uma explanação clara e frontal, ilustrativa da ampla experiência da líder do PSD e do seu domínio das questões económicas, mas orientada para as questões que dizem respeito a todos, como consequência da conjuntura económica e das políticas públicas prosseguidas a nível nacional.
O diagnóstico sucinto, posteriormente fundamentado, foi directo: "Portugal não soube viver em Moeda Única e assim aproveitar os inúmeros benefícios que este projecto da União Europeia trouxe e poderia ter trazido para o nosso Pais".
A questão jamais se colocou no interesse e na oportunidade da entrada, mas antes na forma como a nossa economia e o Estado, em particular, se acomodaram à nova realidade que daí resultou.
A saber, a queda substancial das taxas de juro tornou o dinheiro “barato” e de acesso generalizado, verificando-se o recurso intensivo ao endividamento por parte de empresas e particulares. Todavia, tal fenómeno pressupunha que o equilíbrio fosse alcançado através do reforço da poupança pública o que não se verificou de forma sustentada.
Antes, o Estado endividou-se tanto ou mais que o sector privado, criando pressões insuportáveis para o conjunto da economia e dando origem a uma clara perda de competitividade do País, que já não pôde recorrer ao mecanismo cambial para minorar esse efeito.
Na actual economia globalizada, a perda de competitividade representa o agravamento do risco de falência das empresas e assume-se como um sério contributo para a diminuição dos níveis de emprego. Em suma, o País tem vindo a empobrecer em resultado directo de uma política económica errada, cujos custos se encontram ainda, em grande parte, diferidos no tempo.
Neste cenário, a única solução passa pela inversão da política, obrigando a que se abandone a ideia de que é o Estado o responsável pelo crescimento económico do País.
Pior, mesmo que a despesa pública tenha alguns efeitos no curto prazo, a mesma só não resulta em endividamento acrescido se for financiada com o aumento dos impostos. E, resultando em endividamento, estará a exaurir recursos financeiros, encarecendo o crédito de empresas e famílias.
Segundo a líder do PSD, essa política “não só é restritiva do crescimento como é penalizadora do ponto de vista social”.
Em termos práticos, essa inversão estratégica obriga a privilegiar cada vez mais o Investimento Privado e a componente das Exportações e a ter uma visão crescentemente selectiva do Investimento Público que não seja reprodutivo.
Manuela Ferreira Leite é igualmente taxativa: "as Pequenas e Médias Empresas são o motor desse modelo de desenvolvimento alternativo, cabendo ao Estado criar incentivos à sua actividade que não têm que se traduzir em apoios estritamente financeiros (subsídios)".
Bem pelo contrário, é ainda longo o caminho a percorrer em matéria de simplificação administrativa de processos, de redução de custos de contexto (como o funcionamento da Justiça), de agilização da envolvente competitiva (em matéria de operações de Fusões e Aquisições, por exemplo) e de simplificação do sistema fiscal (enquanto via prioritária para a redução da carga fiscal).
Para quem acusa a líder Social Democrata de ausência de conteúdo e propostas, não deixa de ser curioso que não tenha ainda havido uma resposta cabal à sua sugestão de alteração das regras de pagamento do IVA (do momento da emissão da factura para o momento de emissão do recibo), que resolveria o problema de tesouraria de inúmeras empresas num País de maus pagadores.

É que, por essas e por outras, mais vale que ela continue caladinha…

terça-feira, 30 de setembro de 2008

As guerras do leite


Pelos dias que correm, enquanto o País vive sob a ameaça da “marcha das vacas” sobre o Terreiro do Paço, no quadro do movimento de protesto dos produtores leiteiros nacionais com as recentes tendências do sector, os consumidores mundiais (incluindo obviamente os portugueses) vão assistindo com algum receio aos sintomas da crise do “leite em pó” Chinês.
Neste último caso, porque também (ou especialmente) na economia real se sentem os efeitos da globalização dos mercados, o comum dos cidadãos tomou consciência que os produtos que pretensamente arrastaram para os hospitais e demais unidades de saúde chinesas milhares de famílias, tendo mesmo causado a morte de algumas crianças, eram os mesmos, ou similares, àqueles que se lhes deparavam na montra da loja de desconto do seu bairro.
De uma forma mais discreta que o habitual e a título quase simbólico, a ASAE – Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica limitou-se a apreender algumas embalagens desses produtos, mas os seus responsáveis assumiram a incapacidade para impedir as importações destes bens e, de igual forma, para assegurar a sua total remoção do mercado.
Ora, eu que em abstracto nada tenho contra as “lojas chinesas” nem partilho do preconceito contra a “falta generalizada de qualidade dos seus produtos”, creio que este é um daqueles tipos de situações em que o Estado tem que assegurar a real protecção dos consumidores, retirando do mercado o que se possa constituir como uma ameaça à saúde pública e garantido a total transparência e clareza da informação transmitida no processo de compra, no que concerne às especificações e proveniência dos produtos.
É, aliás, este o principal elo de ligação entre esta situação e a outra “guerra do leite” de cariz mais doméstico, uma vez que uma das principais queixas dos produtores se prende com a estratégia de aprovisionamento de alguns grupos da grande distribuição nacional – porventura com a excepção da Sonae – que optam por importar leite para os seus produtos “marca branca”.
Ora, segundo tais produtores, esse leite importado é manifestamente mais barato, mas tal competitividade advém da falta de qualidade dos produtos em questão.
Em terminologia que me escuso a reproduzir por ser totalmente ignorante em relação a tais especificações técnicas, garantiam-me alguns que no que concerne aos valores que estão sujeitos a verificação no âmbito do controlo de qualidade e dos normativos legais, nacionais e comunitários, a diferença é abissal, em benefício da nossa produção doméstica.
Ora, também neste particular, deve-se assegurar que os consumidores têm total informação sobre as características dos produtos, não apenas quanto ao local de embalagem, mas quanto à origem das suas matérias-primas e à indicação das suas especificações. Mais, como a generalidade dos cidadãos seguramente partilha do meu desconhecimento quanto às especificidades técnicas de um produto como o leite, a rotulagem deveria socorrer-se de mecanismos inteligíveis que tornassem totalmente clara a comparabilidade dos produtos em relação a tais indicadores. A título de exemplo, poder-se-ia seguir um modelo de classificação análogo ao que já hoje é aplicado à capacidade de economia de energia nos electrodomésticos…
Na verdade, porém, este é talvez o menor dos problemas com que se deparam os produtores leiteiros nacionais, devendo a sua situação merecer especial atenção das entidades públicas, com o objectivo de assegurar a sobrevivência de um sector estratégico nos planos social e económico.
De há uns anos a esta parte, são inúmeras as dificuldades com que se deparam os empresários deste sector, na sua maioria de base familiar, quer por via dos graves constrangimentos financeiros assumidos no passado recente para negociação das quotas de produção, quer em função dos avultados investimentos necessários para procederem ao cabal licenciamento das suas explorações, ao abrigo das novas normas legais em vigor.
Como agravante, num contexto de subida dos custos de produção, o preço de venda do leite tem vindo a registar um significativo e inusitado decréscimo, de que os consumidores finais não têm vindo a aproveitar, ficando este retido nos circuitos de distribuição do sector, pelo que os mesmos apontam baterias a empresas como a Lactogal.
De entre as legítimas reivindicações do sector, algumas das quais já publicamente denunciadas, realce também para o corte dos apoios à electricidade verde por parte do Governo e para a bizarra facturação de taxas de radiodifusão em todos os inúmeros contadores de cada exploração.
Finalmente, verifica-se um coarctar dos apoios ao reforço da competitividade dos produtores leiteiros em sede de Fundos Públicos e Comunitários, como é o caso do PRODER, prescindindo o Governo de dotar estas unidades de meios para assegurar a sua subsistência.
Neste contexto, tem vindo a ser contínuo o encerramento de explorações, com os graves custos sociais directos e indirectos que tal opção comporta, sendo especialmente expressiva a sua implantação e ocorrência deste fenómeno na Região de Entre Douro e Minho.
Nos contactos que efectuei com alguns produtores, é visível o desalento e a preocupação com a forma como o sector tem sido votado ao esquecimento nas mais diversas instâncias oficiais, como continua a ser olhado como o parente pobre da economia portuguesa e como é injustamente estigmatizado por uma visão de “subsidiodependência” que categoricamente rejeitam.
No fundo, pedem apenas que lhes seja dada oportunidade para sobreviver.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Once upon a time...

A história das grandes empresas do sector financeiro norte-americano sempre foi um autêntico conto de fadas, recheado de finais predominantemente felizes para todas as suas contrapartes: accionistas, investidores, trabalhadores e para o mercado em geral. As excepções, em cada uma das categorias, não costumavam passar disso mesmo…
Firmas como a Lehman Brothers, a Merryll Linch, a JP Morgan, a Goldman Sachs, o Citigroup e tantas outras cedo se perfilaram como ícones de um modelo económico ou, de uma forma mais abrangente, de todo um estilo de vida.
Em certo sentido, Wall Street - de que se assumiam e assumem como pilares estruturais-, era e é uma ilustração clara do American Dream, enquanto expressão de uma América “terra de oportunidades”.
Através do sistema financeiro e, em particular, do investimento no mercado de capitais, qualquer um poderia construir fortuna, fosse através de ganhos de apostas especulativas mais ou menos alavancadas, fosse através dos enormes bónus atribuídos pelos níveis de rendibilidade alcançados ou pelo volume de activos sob gestão dos profissionais do sector.
A crise do subprime, como vários outros episódios avulsos anteriores, veio alterar radicalmente este estado de coisas e mostrar à vista desarmada as fragilidades do modelo “capitalista”, para gáudio dos ortodoxos dos regimes centralistas (cuja falência a História há muito se encarregara de demonstrar).
Neste particular, a passada semana tem sido especialmente negra para todos quantos, como eu próprio, acreditam piamente nos méritos do livre funcionamento dos mercados e, em paralelo, na relevância e utilidade dos mercados financeiros para o funcionamento das economias.
A abrir, ainda no rescaldo da intervenção do Governo norte-americano que permitiu resgatar, via “nacionalização”, a Freddie Mac, Fannie Mae, o mundo foi confrontado com a irreversibilidade da falência da Lehman Brothers, aos 158 anos de idade, perante o desinteresse dos potenciais compradores privados da companhia.
Entre estes, o Bank of América optou por adquirir, por 50 mil milhões de dólares, também esta semana, a não menos gigante Merrill Lynch, dando o pontapé de saída para uma nova série de operações de concentração no sector financeiro, a que outros grupos parecem querer dar sequência no futuro próximo.
Do ponto de vista do Estado, esta foi a crónica de uma morte anunciada a partir do momento em que o Executivo americano não quis reeditar a decisão de suportar os largos milhares de milhão de dólares de prejuízo da empresa, como chegou a fazer no recente caso do Bear Stearns.
Quanto às autoridades de supervisão dos mercados financeiros e monetários, a SEC – Securities Exchange Commission (o regulador do mercado de capitais) assegurou que os clientes da Lehman teriam as suas contas salvaguardadas, enquanto que o FED – a Reserva Federal (autoridade monetária) alterou as regras de concessão de empréstimos, passando a aceitar todos os activos de dívida com notação financeira (análise de risco) como colateral de tais operações, incluindo as acções, e alargou as linhas de crédito para este tipo de instituições.
Como é de bom tom nestas ocasiões, a SEC sugeriu também estar a “estudar tomar medidas sobre o “short-selling” abusivo”, a materializar a curto prazo.
Ao nível da auto-regulação, também o conjunto dos Bancos de Wall Street chegou a um entendimento para a criação de um fundo de 70 mil milhões de dólares para “dar liquidez ao sistema”.
Do outro lado do Atlântico, por entre a derrocada dos principais índices accionistas, também o Banco Central Europeu, o Banco da Suíça e o Banco de Inglaterra se disponibilizaram para abrir linhas de crédito especiais para as instituições financeiras europeias, em sede de mercados interbancários.
Poucos dias depois, ainda os mercados financeiros mundiais se começavam a recompor do terramoto da falência da Lehman já as autoridades norte-americanas se deparavam com os riscos de falência da maior companhia de seguros dos EUA – a AIG - American Insurance Group -, uma entidade com forte presença no mercado nacional.
Também aqui, coube ao FED proceder a uma injecção de 85 mil milhões de dólares para assegurar o controlo de 80% da empresa, viabilizando o desenvolvimento de um plano de reestruturação a dois anos.
Depois da tormenta, as medidas mais drásticas que chegaram com o final da semana devolveram a euforia aos mercados, com as principais bolsas a registarem subidas históricas.
Mas, por entre o turbilhão, a discussão de motivos e estratégias para reagir a novas ocorrências – que seguramente acontecerão -, a principal pergunta só pode ser uma: qual é o próximo?

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Criar emprego ou criar emprego


Quando o Partido Socialista avançou com o emblemático cartaz do José Sócrates candidato que assegurava que o futuro Governo ia proceder à recuperação de 150.000 empregos, estaria longe de imaginar o quão pertinente seria essa promessa no decurso do seu mandato.
Na verdade, ao longo dos últimos três anos, a situação económica do País degradou-se de forma significativa, os diversos sectores do tecido empresarial viram-se ameaçados por desafios crescentes na sua envolvente local e internacional, os principais indicadores de conjuntura assinalaram as dificuldades que cada família portuguesa sente de forma clara no seu dia-a-dia.
A questão do emprego, em particular, ganhou ainda mais pertinência com as enormes dificuldades que se deparam a várias franjas do território, por via dos sucessivos casos de desinvestimento estrangeiro, de encerramento de serviços públicos e de falência de projectos empresariais locais.
Temos hoje, em diversas zonas do País, taxas de desemprego que se situam bem acima dos dois dígitos, afectando famílias inteiras que se viram privadas do seu meio de subsistência perante a passividade e condescendência dos responsáveis públicos.
Em contrapartida, os estímulos à iniciativa empresarial e, em especial, ao sensível espectro das Micro, Pequenas e Médias Empresas foram inócuos. Os grandes e mediáticos projectos PIN tardam em sair do papel. Os sucessivos programas de apoio ao empreendedorismo ou à criação de emprego traduzem-se em pouco mais que flores noticiosas e espuma que a mínima onda dos dias que correm faz dissipar.
Nesta conjuntura, há, porém, exemplos de sucesso. Agentes de desenvolvimento local e regional que assumem cabalmente as suas potencialidades, em benefício dos meios em que se encontram inseridos, e que não hesitam em substituir-se às responsabilidades do Governo Central na promoção de um desenvolvimento harmonioso do País e no combate às dificuldades económicas existentes.
Em Guimarães, a recente inauguração do Avepark é um dos exemplos desse tipo de parcerias e projectos, envolvendo aqui a autarquia local, a Universidade do Minho, a Associação Industrial do Minho e a Associação do Parque de Ciência e Tecnologia do Porto.
Neste parque empresarial de vanguarda, está já assegurada a presença de diversas dezenas de empresas de referências, start-ups universitárias, centros de investigação e institutos de referência internacional.
Bem perto, entre Vila Verde e Amares, duas Autarquias e a mesma associação empresarial deitaram também mãos-à-obra para criar o I9 Park.
Mais a Norte, vários concelhos do Alto Minho tentam seguir os passos notáveis dos Arcos de Valdevez, na tentativa de mitigarem os efeitos desta situação económica sobre o coração de uma das “zonas deprimidas” de Portugal, nos termos do Relatório dos tempos do Professor Daniel Bessa.
Mais do que um verbo de encher, estes e outros Municípios, Associações Empresariais e demais parceiros, têm vindo a criar condições reais para o acolhimento de projectos empresariais, para a atracção de investimentos e para a criação de empresas, assumindo o acesso ao emprego como elemento crucial da qualidade de vida das populações visadas.
A nível nacional, e, por via dos organismos desconcentrados do Estado, o Governo tem tido também a preocupação de “criar emprego”.
Directamente, através da política maciça de criação de estágios profissionais (de duvidosa sequência e capacidade de identificação de soluções exequíveis para o futuro dos profissionais abrangidos) e de canalização de significativos volumes de fundos comunitários para a área da formação (com resultados também duvidosos, mas com grande impacto estatístico na actualidade).
Indirectamente, através da eliminação administrativa de inscrições nos Centros de Emprego, com critérios cada vez mais apertados – mas nem sempre sustentados -, numa óptica de reforço da preocupação estritamente estatística, mas aumentando a burocracia e o livre arbítrio nesta área.
Esta gestão política das estatísticas tem conseguido, por si só, mitigar os efeitos da crise económica e o fracasso das políticas públicas orientadas para esta esfera da sociedade.
Mas, como também se costuma dizer, "consegue-se enganar alguns durante muito tempo, consegue-se enganar muitos durante algum tempo, mas não é possível enganar todos durante todo o tempo..."

terça-feira, 9 de setembro de 2008

É a vida, Zé!


Desta feita, o Zé estava a encarar o final de mais um Verão com estranho alívio.
Mais do que a satisfação pela complacência que S. Pedro tivera para com as florestas e matas do seu País ou a satisfação que registava pela impossibilidade de mergulhar nas multidões que desaguaram na Costa Algarvia em período de contenção com as despesas de férias dos nativos, Zé sentia que o Outono teria que ser para ele um período de reflorescimento.
Afinal, nada poderia superar as agruras daquele Verão cinzento.
Para trás, concluído o curso de engenharia, vira-se integrado no êxito do Plano Tecnológico que tanto acarinhara, engrossando as estatísticas de criação de emprego que meticulosamente construíra, tendo sido contratado por uma empresa de vanguarda de um dos mais dinâmicos clusters nacionais: o sector dos call-centers.
As condições de trabalho até não eram más e estavam em linha com o espírito da flexisegurança que bebera dos exemplos nórdicos que lera nas últimas férias. Pudera optar pelo horário de trabalho, quer na duração (5, 6 ou 8 horas), quer no período (manhã, tarde e noite/madrugada) e até beneficiara de um contrato de trabalho – coisa rara para a maior parte dos jovens licenciados da sua lusa pátria -, com pagamento de férias e outras regalias.
Mesmo o vencimento estava muito acima do salário mínimo nacional, bem na média dos rendimentos da generalidade da população activa, sem que tivesse que suportar os encargos com habitação (ainda morava na casa dos país), alimentação e família (que não tinha e nem se sentia motivado a ter, apesar da crescente flexibilidade “contratual” que, neste domínio, o seu Governo queria também implementar).
Pensando que seria o período mais descansado, optara pelo horário da madrugada, das 0:00 às 6:00 da manhã, longe de supor que iria passar as noites com o número crescente de pessoas que transforma este tipo de serviços no confessionário com que combatem o isolamento gerado pela actual vida em sociedade. Afinal, aqueles indivíduos que ligam e mandam sms para os chat e passatempos que passam de madrugada na televisão existem mesmo, não são uma mera montagem dos canais para ocupar os tempos mortos de emissão…
Logo a meio de Junho, poucos dias depois de iniciar funções, quase perdera o emprego porque não conseguira encontrar uma bomba com combustível disponível, por via do bloqueio que se registava em várias cidades do País.
No final de Julho, ele e uma colega foram ameaçados com uma pistola à saída do trabalho por um casal dos seus quarenta anos, mas mais ágeis que muitos dos atletas que viu competir mais tarde em plenos Jogos Olímpicos, que lhes subtraíram a carteira e um colar (a ela) e o telemóvel (a ele), por entre as ameaças de que estavam quase a virar “queijo suíço”.
Menos mal o prejuízo, porque a verdade é que depois do início de funções, a utilização daquele utensílio até lhe causava uma espécie de alergia no ouvido.
Algumas semanas mais tarde, porém, um grupo de jovens larápios (assim os identificaram os clientes do café em frente a casa) arrombaram o carro que deixara estacionado há já algumas semanas – tornara-se um utilizador preferencial dos transportes públicos por economia de recursos – apenas para levar um par de óculos de sol e uns ténis que deixara pousados no banco de trás.
Também aqui, o prejuízo era sobretudo de carácter sentimental uma vez que perdera a força e a companhia dos colegas com que fazia o seu jogging matinal, ainda antes do regresso a casa.
Por vezes, pensava se não deveria também ele emigrar, como o haviam feito antes outros nas mesmas condições.
Nas muitas conversas que tinha com o António, também ele engenheiro mas hoje a trabalhar numa organização internacional de natureza humanitária, colocava-lhe sistematicamente essa questão: E se eu fosse fazer campanha pelo sim ao Tratado de Lisboa num futuro Referendo na Irlanda?
O António, homem ponderado, dialogante e conciliador, deixava-lhe sempre o mesmo conselho: “Tem calma! Aguenta! É a vida, Zé!”

domingo, 24 de agosto de 2008

De Portugal a Pequim


No momento em que escrevo estas linhas, os Portugueses ainda estão a acabar de “lamber as feridas” da primeira semana de desilusões com a prestação dos nossos atletas nos Jogos Olímpicos de Pequim.
Desde esta madrugada, porém, o bom desempenho da Vanessa – desculpem a familiaridade mas assim é que nós tratamos os nossos que ganham -, o promissor arranque do Nelson e os resultados positivos na vela fazem-nos supor que o quadro acabará por não ser tão negro quanto o estávamos já a pintar.
Sendo um extraordinário evento desportivo, as Olimpíadas são, como sempre foram, um veículo de afirmação da capacidade social, económica e até política de cada uma das Nações presentes.
Uma boa prestação dos atletas de cada País é, assim, uma manifestação de força da “raça” (se posso também usar o mote Presidencial) e um estímulo para o reforço do orgulho nacional.
Em épocas de especiais desencantos como aquela que hoje vivemos mais premente se torna a necessidade de encontrar vias alternativas de fortalecimento da alma mater lusitana.
Mas, pode perguntar-se: será efectivamente legítima a avaliação tão crítica que dirigimos ao grosso da representação nacional nos Jogos?
Pessoalmente, confesso que não deixei de contribuir para o engrossar do coro de impropérios e adjectivos menos simpáticos que foram dirigidos a muitos dos nossos atletas, em especial àqueles em que depositávamos maiores esperanças na obtenção de bons resultados.
Fi-lo, todavia, por via desse maldito hábito de um adepto fervoroso do Desporto que sempre tenta assistir em directo às prestações dos representantes portugueses nestas competições.
Poucas horas depois, o duche matinal e o bom senso recuperado depois da noite mal dormida volta a trazer à liça a questão: seria expectável termos a nível desportivo uma prestação muito superior à que temos nos demais quadrantes da sociedade?
Quantos portugueses temos na elite mundial em cada uma das vertentes artísticas? Quantas são as personalidades políticas de referência no plano internacional? Quantas das nossas empresas e gestores estão entre os melhores do seu sector a nível mundial? Em que lugar nos posicionamos nos rankings internacionais de competitividade, produtividade e demais indicadores de desempenho?
Será assim tão mau termos vários atletas entre os vinte, trinta ou quarenta melhores do mundo na sua especialidade? Neste prisma, o terem conseguido a qualificação para os Jogos é ou não a “medalha” a que muitos podem aspirar e que nos deve deixar satisfeitos?
Se uma empresa vê os seus resultados aumentar, se aumenta o seu volume de vendas, a quota de mercado, a qualidade ou notoriedade dos seus produtos pode ser criticada por não estar no topo do sector?
Se um atleta bate as suas marcas pessoais ou até recordes nacionais, ainda que fique em últimos nas suas provas, deve merecer qualquer reparo?
Há, também, as ditas desilusões, aqueles que se posicionavam no topo dos rankings mundiais, que acumulavam resultados de relevo e mesmo títulos internacionais e cujas prestações não corresponderam ao desejado.
Mas seremos assim exigentes no dia-a-dia das nossas vidas? Com os nossos governantes e autarcas? Com os gestores das empresas públicas? Com os empreendedores privados? Com as associações empresariais? Com os sindicatos? Com os trabalhadores em geral? Com cada um de nós?
Quantos não teriam que mergulhar diariamente no banho de humildade do “menos português” dos nossos e apresentar-se perante os seus pares, pedir desculpa pelas suas falhas e assumir, talvez, que é tempo de mudar de vida?
Desde que dêem o melhor de si, que deixem tudo o que têm nas piscinas, pistas, tapetes, campos e demais palcos das provas dos Jogos Olímpicos em que participam, creio que a resposta às questões que coloquei só pode ser negativa. E tal não se deve confundir jamais com a falta de ambição.
Aquilo de que tenho mesmo certeza é que, daqui por quatro anos, não voltarei a acordar de madrugada para ver provas de judo, atletismo, ciclismo, remo, triatlo, trampolins, esgrima, etc..
Afinal, os Jogos Olímpicos são em Londres…

terça-feira, 12 de agosto de 2008

A Gestão do Sá Carneiro

O Governo faz constar que este é um processo que poderá demorar dois anos mas a verdade é que a discussão em torno do futuro modelo de gestão do Aeroporto Sá Carneiro está a marcar de forma decisiva o ano de 2008.
Desde logo porque, ainda que a propósito deste processo, a conciliação de posições entre a Junta Metropolitana do Porto e quatro Associações Empresariais da Região Norte (a ACP – Associação Comercial do Porto, a AEP – Associação Empresarial de Portugal, a AIMINHO – Associação Industrial do Minho e a AIDA – Associação Industrial do Distrito de Aveiro) parece querer romper com a letargia político-reivindicativa que pautou o Norte do País ao longo das últimas décadas.
Neste período, é difícil escrutinar se a decadência económica do Norte de Portugal e a sua evidente perda de competitividade para a Grande Lisboa e o Noroeste de Espanha se deveu ou esteve na origem dessa perda de protagonismo político e dessa incapacidade de construção e afirmação de projectos comuns entre os agentes de desenvolvimento regionais.
Num período mais recente, coube à CCDRN – Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, especialmente sob a liderança de Carlos Lage, esse papel aglutinador e catalisador de iniciativas verdadeiramente “regionais”, de que esta tomada de posição da Junta Metropolitana do Porto e das quatro Associações Empresariais acaba por ser mais um reflexo.
Ora, estes protagonistas não escolheram uma questão menor para a assunção desta posição de força. Mais do que o próprio negócio de gestão aeroportuária, o modelo de gestão do Aeroporto Sá Carneiro pode ter amplas repercussões em vários outros sectores de actividade da base económica local, com especial ênfase para os sectores que giram em torno do turismo e do comércio internacional.
Disso mesmo dá conta o estudo realizado por alguns especialistas da Faculdade de Economia do Porto que, a pedido da Junta Metropolitana do Porto, analisaram sob diversos prismas seis cenários alternativos de gestão desta infra-estrutura.
Em colaboração com a Deloitte Consultores, os especialistas da FEP sugerem que a possibilidade de introdução de uma liderança descentralizada, que envolva as autarquias e parceiros privados, é a solução que poderá gerar mais emprego, rentabilidade e passageiros para o Grande Porto e o Norte de Portugal.
De acordo com os dados desse estudo, esta genuína Parceria Público-Privada poderia potenciar um aumento médio anual do movimento de passageiros na ordem dos 8,7%, que guindaria para quase 12 milhões de passageiros o número de utentes deste aeroporto em 2020. Pelo contrário, a manutenção de um monopólio público, liderado pela ANA, faria com que a taxa média anual de crescimento do movimento de passageiros se cifrasse em 4,5%, enquanto que, com o monopólio privado será de 5,9%.
Ao nível do emprego, se a ANA se mantiver na liderança de todas as infra-estruturas aeroportuárias nacionais, registar-se-á um aumento de 23 mil empregos na Área Metropolitana do Porto e de 25 mil no Norte de Portugal, até 2020. Já no cenário da gestão partilhada entre as autarquias e os privados, dar-se-á a criação de mais 56 mil empregos na Área Metropolitana e quase 60 mil na região Norte nestes 12 anos.
Na posição conjunta da Junta Metropolitana do Porto e das quatro Associações Empresariais, já expressa em carta dirigida ao Primeiro-Ministro, José Sócrates, em Junho último, não se releva porém a preferência por um modelo específico, adiantando-se apenas que é claramente desejável uma gestão autónoma daquela infra-estrutura aeroportuária.
Mais, o Presidente da Junta Metropolitana, Rui Rio, fez também questão de clarificar que a recente tomada de posição não é “uma acção de apoio ao consórcio entretanto constituído pela Sonae e Soares da Costa”, que já se mostraram interessadas em concorrer ao eventual concurso público.
Notável neste processo tem também sido a conduta da entidade que hoje gere estas infra-estruturas no nosso País: a empresa (ainda) pública ANA – Aeroportos de Portugal. A saber, num primeiro momento fez constar que um estudo realizado pela Universidade Católica e pelo Boston Consulting Group atestaria que o Aeroporto Sá Carneiro regista significativos prejuízos. Mais recentemente, divulgou uns novos retalhos desse estudo - que tarda em ser totalmente acessível às partes interessadas - que sugerem, desta feita, que a autonomização da gestão deste aeroporto representará a duplicação dos seus custos operacionais, obrigará a um significativo aumento do seu preçário e levará à perda de atractividade para certo tipo de voos e companhias aéreas, em benefício dos aeroportos de Lisboa e Faro (cujos custos e preços registariam mesmo uma descida).
À luz destes dados, seria importante que tal estudo fosse integralmente divulgado antes do Governo definir o modelo de privatização da ANA e, o que se impõe seja concomitante, o modelo de gestão futura do Aeroporto Sá Carneiro.
Afinal, só com base nessas informações sobre o valor e a estratégia pública para o melhor Aeroporto da Europa em 2007 (segundo o Airports Service Quality-Survey do Airports Council International) é que os investidores poderão saber se o Governo lhes está a vender “gato por lebre” ou se estão a adquirir “lebre por gato”…

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Quanto vale um Banco de Germoplasma?


Tudo começou, quase por carolice de uma investigadora brasileira (a hoje bem portuguesa Eng. Rena Farias), há mais de 3 décadas. Garantido o financiamento da FAO – Food and Agriculture Organization e a necessária contrapartida nacional – contra o apetite dos responsáveis de outras potenciais localizações alternativas -, foi criado em Braga, em 1977, um espaço de recolha e preservação das células genéticas vegetais: o Banco Português de Germoplasma Vegetal.
Ao longo destas três décadas foram várias as transformações do projecto inicial: alargou-se o espectro de actuação (para lá dos cereais e das leguminosas); diversificou-se e valorizou-se o espólio (com espécies únicas na colecção de alho e brassica e criando-se uma forte especialização na área do milho); asseguraram-se os meios para a conservação de espécies in vitru (também através do Laboratório de Caracterização Molecular); iniciou-se a conservação de germoplasma animal (desde 2007, em colaboração com a Federação de Raças Autóctones).
Para lá de várias alterações de tutela, orgânicas e funcionais, o Banco viu a sua permanência em Braga ameaçada em 1995 - quando a sua primeira localização foi alienada (na Quinta dos Peões, junto à Universidade do Minho) -, mas a pronta intervenção dos Deputados do PSD de Braga da época viabilizou a transferência do projecto para a sua localização actual, na Quinta de S. José, na também Bracarense Freguesia de S. Pedro de Merelim.
Nos últimos dois anos, para lá da drástica, indiscriminada e imponderada redução de pessoal que resultou do processo dos “supranumerários” no Ministério da Agricultura, o Banco viu novamente a sua subsistência ameaçada com o anúncio da possibilidade de instalação do novo Quartel da GNR de Braga nessa mesma Quinta.
Esta não é hoje, porém, uma questão de natureza meramente local.
O Banco Português de Germoplasma Vegetal possui uma vasta colecção de mais de 17.000 populações, representativas de um número superior à centena de espécies, que se encontram conservadas em frio, vidro e no campo. Para lá da singularidade de algumas das colecções, o Banco assume a responsabilidade de ser o Banco Mediterrânico do Milho.
Ao longo dos últimos anos, a instituição envolveu-se em vários projectos inovadores, desde a caracterização de toda a colecção, ao apoio à preservação no Campo do Agricultor, à já referida aplicação de técnicas moleculares por via laboratorial e à conservação do germoplasma animal.
Tal como há três décadas, os Bancos de Germoplasma são hoje uma prioridade estratégica para as várias Nações de per si e para as principais organizações internacionais que trabalham na esfera da agricultura e da alimentação.
Hoje, mais do que nunca, a escassez de determinadas espécies, os desequilíbrios que vão surgindo na cadeia alimentar e na sobrevivência de certos produtos agrícolas, bem como a escalada exponencial dos preços de determinados produtos, sugere que se atribua o devido valor a projectos desta natureza.
Isto é, mais do que o mérito histórico e cultural de preservação das raízes e tradições de certos locais, mais do que o contributo académico e de apoio à investigação científica destas colecções, há um sentido estratégico, uma lógica de salvaguarda dos meios de subsistência e um incontornável valor económico e social dos Bancos de Germoplasma.
Talvez por este conjunto de razões, se assista hoje à criação contínua de novos projectos à escala internacional o e ao encetar de esforços globais para a preservação dos vários projectos que corporizaram os ideais do biólogo russo Nicolai Vavilov – o percursor destes Bancos de conservação genética.
De entre os mais recentes, o mais relevante será porventura a “Arca de Noé Verde” - o Armazém de Sementes Svalbarg Global – escavado numa montanha do Árctico, na Noruega, com o objectivo de salvaguardar as espécies mundiais de uma potencial “catástrofe global”.
À luz deste enquadramento, não se percebe, pois, a atitude negligente daqueles que enaltecem os méritos do Banco nas visitas de circunstância, mas cujas decisões apenas contribuem para a delapidação da sua capacidade de obter resultados ainda mais significativos.
Ou, como também referi, que permitam que se vislumbrem crescentes nuvens negras sobre a subsistência do Banco (e da sua presente localização) sem que assumam uma postura de total transparência e reafirmação dos compromissos internacionais que o País assumiu no quadro deste projecto.
Para cúmulo, falta ainda frisar que a esmagadora maioria dos custos de funcionamento são financiados por projectos internacionais e que o Orçamento de Estado pouco mais suporta que uma cifra próxima dos 250.000 Euros com os honorários anuais dos colaboradores ainda em funções.
Será, pois, caso para dizer que esta é apenas mais uma triste evidência de Portugal… no seu pior.