A cana e o peixe
Ao longo das últimas semanas, o País passou de um estado de aparente letargia do Governo para com os graves problemas económicos e sociais que já se viviam no terreno, e de forma particularmente significativa no Norte do País, para uma visível hiper-actividade e uma contínua apresentação de medidas “potencialmente” mitigadoras das dificuldades em questão.
Uma vez identificado o álibi perfeito – a “crise internacional” - para problemas estruturais da nossa economia, alguns dos quais com sintomas claros que se arrastam de há já vários meses a esta parte, eis que o Primeiro-Ministro José Sócrates e os demais membros do seu Executivo nos surgem diariamente nos media como mestres-de-obras de um verdadeiro túnel que nos conduzirá à saída destes tempos de penumbra.
Das políticas fiscais contra-cíclicas (especialmente assentes em benefícios resultantes dos sacrifícios de finanças alheias – como foi o caso da desejável redução do IMI à custa das Autarquias locais), o Governo passou a socorrer-se de todos os meios ao seu alcance para proporcionar melhor saúde financeira a todos os agentes económicos no mais curto espaço de tempo possível.
Aproveitando a boleia das decisões tomadas pelos Estados-membros da União Europeia, sabemos já que o défice orçamental deixará de ser uma variável prioritária, baixa-se impostos (ainda que de forma selectiva), aumenta-se as prestações sociais (temporariamente), estimula--se o acesso ao crédito fácil para solver compromissos de tesouraria, avançam os grandes projectos de investimento público de cariz infra-estrutural.
Quase instantaneamente, o Governo descobriu que o País já não estava apenas sob a mera imagem censurada de uma “estagnação” para estar na vertigem de uma recessão às claras: que há empresas a falir de forma sistemática; que são milhares os portugueses a cair numa situação de desemprego, entre os jovens licenciados sem perspectivas de inserção no mercado de trabalho e os desempregados de longa duração ou indiferenciados de elevada idade; que proliferam os empregos precários, com baixos rendimentos e residuais garantias de futuro; que os efeitos do sobre-endividamento se fazem hoje sentir de forma avassaladora.
Como num passe de mágica, ficou perceptível que é crescente o número de pobres que se socorrem das diversas valências de cariz social que, de uma forma corajosa e dedicada, se entregam a atenuar os efeitos dos desleixos públicos, do Norte ao Sul do País.
Frustrado, mas não surpreendido, Portugal percebeu que era ainda maior o número de famílias que oculta uma crescente pobreza dissimulada por entre as vestes de um aparente conforto financeiro.
Ultrapassados os preconceitos para com aqueles que empreendem, investem e sustentam a economia nacional em condições particularmente adversas, percebeu-se os riscos de colapso pendentes sobre um tecido empresarial frágil e esvaziado, ora de liquidez, ora de competitividade.
Portugal está, como anunciava Manuela Ferreira Leite pouco depois de ser eleita no Congresso do PSD em Junho último, num estado de “emergência social”.
E, finalmente, o enorme Estado decidiu agir. O Governo e as Autarquias Locais injectaram benefícios vários na economia, ao mesmo tempo que se procurou conter as fontes de aumento da despesa dos vários agentes económicos.
Contra a corrente, e sob o pior formato possível, até o Ministro das Finanças pressionou a Banca para assegurar o acesso ao crédito às empresas, para conter o aumento galopante dos spreads (que anula o benefício da descida das taxas) e para conferir alguma eficácia às medidas pomposamente anunciadas de apoio às Pequenas e Médias Empresas.
Num qualquer desvario de eleitoralismo descontrolado, o Governo avança mesmo com a disponibilização de empréstimos para os funcionários públicos que sejam confrontados com situações de “emergência financeira”, eventualmente motivadas por um leque alargado de ocorrências imprevistas.
“-E os outros? São Portugueses de segunda?”, pergunta o País ainda incrédulo.
Bem sei que a quadra festiva que atravessamos não convida a este tipo de reflexões e que até é uma imagem simpática (pela diferença face à sua tradicional postura algo totalitária) imaginar um Sócrates bonacheirão a distribuir benesses numa fatiota vermelha, viajando num TGV movido a renas pelo Portugal profundo.
E não questiono, de uma forma mais séria, que cabe ao Estado distribuir o peixe quando o prato de tantos está vazio.
Todavia, o que verdadeiramente preocupa é a emergência do discurso do facilitismo, centrado no imediato, desde as condições económicas e financeiras de particulares e empresas às áreas da formação e qualificação profissional ou da investigação e competitividade empresariais.
Aliás, quando se vê a canalização dos parcos fundos comunitários para este tipo de políticas, só se pode temer o pior.
E, se Portugal, conseguir ultrapassar o “Cabo das Tormentas” de 2009, não custa imaginar que quando se quiser voltar a distribuir canas, muitos perguntarão indolentemente: “Para que serve?”.
A todos, um Santo Natal.
Uma vez identificado o álibi perfeito – a “crise internacional” - para problemas estruturais da nossa economia, alguns dos quais com sintomas claros que se arrastam de há já vários meses a esta parte, eis que o Primeiro-Ministro José Sócrates e os demais membros do seu Executivo nos surgem diariamente nos media como mestres-de-obras de um verdadeiro túnel que nos conduzirá à saída destes tempos de penumbra.
Das políticas fiscais contra-cíclicas (especialmente assentes em benefícios resultantes dos sacrifícios de finanças alheias – como foi o caso da desejável redução do IMI à custa das Autarquias locais), o Governo passou a socorrer-se de todos os meios ao seu alcance para proporcionar melhor saúde financeira a todos os agentes económicos no mais curto espaço de tempo possível.
Aproveitando a boleia das decisões tomadas pelos Estados-membros da União Europeia, sabemos já que o défice orçamental deixará de ser uma variável prioritária, baixa-se impostos (ainda que de forma selectiva), aumenta-se as prestações sociais (temporariamente), estimula--se o acesso ao crédito fácil para solver compromissos de tesouraria, avançam os grandes projectos de investimento público de cariz infra-estrutural.
Quase instantaneamente, o Governo descobriu que o País já não estava apenas sob a mera imagem censurada de uma “estagnação” para estar na vertigem de uma recessão às claras: que há empresas a falir de forma sistemática; que são milhares os portugueses a cair numa situação de desemprego, entre os jovens licenciados sem perspectivas de inserção no mercado de trabalho e os desempregados de longa duração ou indiferenciados de elevada idade; que proliferam os empregos precários, com baixos rendimentos e residuais garantias de futuro; que os efeitos do sobre-endividamento se fazem hoje sentir de forma avassaladora.
Como num passe de mágica, ficou perceptível que é crescente o número de pobres que se socorrem das diversas valências de cariz social que, de uma forma corajosa e dedicada, se entregam a atenuar os efeitos dos desleixos públicos, do Norte ao Sul do País.
Frustrado, mas não surpreendido, Portugal percebeu que era ainda maior o número de famílias que oculta uma crescente pobreza dissimulada por entre as vestes de um aparente conforto financeiro.
Ultrapassados os preconceitos para com aqueles que empreendem, investem e sustentam a economia nacional em condições particularmente adversas, percebeu-se os riscos de colapso pendentes sobre um tecido empresarial frágil e esvaziado, ora de liquidez, ora de competitividade.
Portugal está, como anunciava Manuela Ferreira Leite pouco depois de ser eleita no Congresso do PSD em Junho último, num estado de “emergência social”.
E, finalmente, o enorme Estado decidiu agir. O Governo e as Autarquias Locais injectaram benefícios vários na economia, ao mesmo tempo que se procurou conter as fontes de aumento da despesa dos vários agentes económicos.
Contra a corrente, e sob o pior formato possível, até o Ministro das Finanças pressionou a Banca para assegurar o acesso ao crédito às empresas, para conter o aumento galopante dos spreads (que anula o benefício da descida das taxas) e para conferir alguma eficácia às medidas pomposamente anunciadas de apoio às Pequenas e Médias Empresas.
Num qualquer desvario de eleitoralismo descontrolado, o Governo avança mesmo com a disponibilização de empréstimos para os funcionários públicos que sejam confrontados com situações de “emergência financeira”, eventualmente motivadas por um leque alargado de ocorrências imprevistas.
“-E os outros? São Portugueses de segunda?”, pergunta o País ainda incrédulo.
Bem sei que a quadra festiva que atravessamos não convida a este tipo de reflexões e que até é uma imagem simpática (pela diferença face à sua tradicional postura algo totalitária) imaginar um Sócrates bonacheirão a distribuir benesses numa fatiota vermelha, viajando num TGV movido a renas pelo Portugal profundo.
E não questiono, de uma forma mais séria, que cabe ao Estado distribuir o peixe quando o prato de tantos está vazio.
Todavia, o que verdadeiramente preocupa é a emergência do discurso do facilitismo, centrado no imediato, desde as condições económicas e financeiras de particulares e empresas às áreas da formação e qualificação profissional ou da investigação e competitividade empresariais.
Aliás, quando se vê a canalização dos parcos fundos comunitários para este tipo de políticas, só se pode temer o pior.
E, se Portugal, conseguir ultrapassar o “Cabo das Tormentas” de 2009, não custa imaginar que quando se quiser voltar a distribuir canas, muitos perguntarão indolentemente: “Para que serve?”.
A todos, um Santo Natal.
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