terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Não há fumo sem Flexisegurança



A palavra surgiu no nosso léxico público há relativamente pouco tempo mas foi capaz, por si só, de fazer correr rios de discussão entre políticos, opinion-makers e parceiros sociais.
Tudo porque nos estudos em curso para revisão do Código do Trabalho, que devem estar concluídos até Julho do corrente ano, foi introduzida uma reflexão sobre a adopção em Portugal deste modelo de relações laborais que tão bons resultados tem ostentado em alguns países escandinavos.
Apesar de ser normalmente associado à realidade dinamarquesa, a verdade é que este modelo foi introduzido com quase uma década de avanço na Holanda, na sequência do acordo de concertação social de Wassenar, que data de 1982.
Na prática, como decorre da fusão entre as duas palavras que lhe dão origem, a Flexisegurança é um modelo de relações laborais que privilegia a Flexibilidade e a Segurança: Flexibilidade para os patrões e Segurança para os trabalhadores, poder-se-ia acrescentar de forma simplista.
Talvez por isso, nas primeiras opiniões emitidas sobre esta possibilidade, tenha havido uma resposta mais favorável das associações empresariais e claras objecções por parte dos sindicatos.
Neste particular, porém, não teria que ser assim, sendo que tais vincadas posições de princípio decorrem mais da cultura social e da mentalidade que existe no nosso País e que se pode revelar um dos principais obstáculos à implementação deste modelo na realidade nacional.
Olhando para a Flexisegurança de uma forma mais rigorosa, o seu principal objectivo é agilizar os processos de contratação e despedimento de trabalhadores, assim dando resposta à necessidades conjunturais do mercado de trabalho e contribuindo para o reforço da competitividade da economia, ao mesmo tempo que se reforçam os mecanismos de protecção social dos trabalhadores.
Na prática, um trabalhador não teria tanto receio de enfrentar um mercado de trabalho extremamente flexível nas relações contratuais uma vez que saberia que, em caso de desemprego pontual, receberia valores equivalentes ao que auferia na vigência do seu contrato e por um período de tempo suficientemente longo para potenciar a sua reintegração no mercado de trabalho.
A acrescer às condições financeiras, tal trabalhador passaria a ser imediatamente acompanhado com vista a assegurar a sua reinserção no meio laboral, ao mesmo tempo que lhe eram facultados os utensílios necessários ao reforço das suas qualificações pessoais (através de formação contínua).
De uma forma geral., os países em que este modelo foi implementado registaram uma evolução notável das taxas de desemprego globais, do desemprego de longa duração e da capacidade de inserção de jovens, idosos, mulheres e imigrantes no mercado de trabalho.
Na vizinha Espanha, por exemplo, a lei Para a Melhoria e o Crescimento do Emprego – que resultou de um Acordo Laboral concluído após catorze meses de negociação com os parceiros sociais – pretende aumentar a estabilidade laboral proporcionando, paralelamente, um incremento da transparência na contratação e um reforço dos poderes de fiscalização da Inspecção de Trabalho.
Com os novos incentivos à contratação por tempo indeterminado então definidos, a Espanha conseguiu diminuir a precariedade do emprego, ao mesmo tempo que promoveu o seu crescimento, com uma redução clara da taxa de desemprego para valores próximos dos de 1979.
Neste caso, é visível que esta reforma do mercado de trabalho espanhol se traduziu num tipo de intervenção política que, alicerçada no diálogo entre os parceiros sociais, consegue conciliar os desígnios de crescimento económico com o bem-estar social.
Neste mesmo espírito, a discussão em curso na União Europeia sobre a implementação generalizada do modelo de Flexisegurança, enquanto contributo para a concretização dos objectivos a Agenda de Lisboa e da Estratégia Europeia para o Emprego, consagra essa mesma orientação: mais do que olhar para os modelos existentes como um roteiro vinculativo a seguir, cabe a cada Estado-membro assegurar a adaptação do modelo à sua realidade nacional.
Assim se percebe, pois, que da aturada discussão em curso sobre este modelo, que já recolheu o parecer favorável do Presidente da República aquando do seu doutoramento honoris causa na recente deslocação à Índia, terão que resultar iniciativas legislativas concretas lá para o meio do ano.
Até porque, como salientava o Ministro Vieira da Silva num seminário sobre a Flexisegurança promovido pelo Ministério, “hoje - sabemo-lo todos! – nem a desregulação pura e simples, nem o imobilismo motivado pelo risco da perda dos chamados «direitos adquiridos», constituem bons portos de partida para os caminhos que temos de percorrer em direcção ao futuro. E não o são porque, como todos também sabemos, nem uma nem outra passaram ou passam nessa prova suprema, que é a da adequação à realidade”.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Size matters?


1. Por mais que nos pareçam bem mais interessantes as mega-operações de aquisição entre os grandes grupos económicos nacionais, a verdade é que a realidade do tecido empresarial português não se confunde com a Portugal Telecom, a EDP, o Millennium, a Sonae e outras blue-chips que o mercado de capitais deu a conhecer ao comum dos cidadãos.
Como mais uma vez veio demonstrar um estudo do Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento (IAPMEI), partindo de dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), as Pequenas e Médias Empresas portuguesas (PME) são responsáveis por metade do volume de negócios em Portugal e por mais de três quartos do emprego privado ou dois terços do emprego total.
No total, serão mais de duzentas e noventa mil as micro, pequenas e médias sociedades que asseguram cerca de 2 milhões de empregos e 163,5 mil milhões de euros de facturação.
Em termos sectoriais, e como seria previsível, o estudo do IAPMEI identifica uma estrutura predominantemente assente no sector terciário, com a esmagadora maioria das empresas ligadas ao Comércio e aos Serviços, mas também com pesos relevantes nos sectores da construção e da indústria transformadora.
Em função destes dados, compreende-se que sejam as PME o verdadeiro motor da economia nacional, como, se quisermos ser mais rigorosos, de uma qualquer outra economia, pelo que se exige um esforço contínuo de apoio ao desenvolvimento da sua actividade por parte das diversas entidades públicas.
Os objectivos de criação de emprego e fomento da actividade económica, o culto de um espírito empreendedor, os estímulos à inovação e à diferenciação, uma sustentada estratégia de internacionalização de uma economia têm sempre que ter como alicerces um conjunto de iniciativas especialmente orientadas para este segmento do tecido empresarial.
Neste sentido, as políticas públicas devem assumir-se como catalisadores da competitividade destas empresas, colaborando na superação dos principais bloqueios ao seu desenvolvimento: a falta de recursos humanos qualificados, a dificuldade de acesso a fontes de financiamento adequadas, a inexistência de redes de cooperação e disseminação do conhecimento propícias à inovação, os inúmeros obstáculos que advêm do funcionamento burocrático da própria administração pública ou as ineficiências do sistema judicial e judiciário.
A nível nacional, tudo se complica ainda mais se lembrarmos as opções de política fiscal pouco amigas das PME – ao invés do que sucede na generalidade dos países mais desenvolvidos, a começar pela vizinha Espanha – ou o custo associado a alguns bens da responsabilidade directa ou indirecta do Estado, como a energia e as comunicações.

2. Ainda neste âmbito, há necessariamente que invocar a premência das PME disporem de infra-estruturas de apoio adequadas, numa base de proximidade, abrangendo as áreas da incubação de empresas, da formação e outros mecanismos de estímulo ao desenvolvimento da actividade empresarial.
Estas infra-estruturas devem resultar de parcerias entre as suas estruturas representativas e os diversos organismos públicos que actuam nos domínios do fomento à actividade económica e do desenvolvimento local.
A este propósito, não deixa de ser curioso que no dia em que se noticiava o lançamento da primeira pedra do Centro de Incubação de Empresas de Base Tecnológica (CIEBT) em Vila Verde, o jornal Expresso desse ampla cobertura ao projecto do Centro de Dinamização Empresarial (CDE) deste Concelho.
No primeiro caso, trata-se de uma iniciativa conjunta da Câmara Municipal de Vila Verde, da Associação Industrial do Minho, da Universidade do Minho, da Associação Comercial de Braga, da Expoente, S.A. e do IDITE-Minho, todos agregados sob a capa do Instituto Empresarial do Minho. No segundo, estamos perante um equipamento promovido pela Associação Comercial de Braga, destinando-se a prestar apoio à comunidade empresarial de toda a Região.
Também em Vila Verde e na mesma freguesia de Soutelo em que estão a ser construídas estas infra-estruturas está já sedeada a ADERE-Minho, uma Associação de Desenvolvimento Regional que tem desenvolvido um notável trabalho na preservação e estímulo das iniciativas económicas tradicionais, mormente, ligadas ao artesanato.
Quer o CIEBT, quer o CDE ficarão instalados num Parque de Inovação e Desenvolvimento com 100 hectares, que será promovido por iniciativa directa das vizinhas Autarquias de Vila Verde e Amares.
Também por aqui se vê, pois, que o tamanho não importa: estes dois Concelhos têm em conjunto uma população que não chega a metade da vizinha capital de Distrito, sendo que a dita Freguesia de Soutelo confina mesmo com os limites do Concelho de Braga.
Acontece, porém, com as vantagens que saltam à vista para estas Autarquias mais dinâmicas, ali ao lado não se compram eventos… nem investimentos!

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Quem quer um Imposto para a Saúde?


Caro Leitor,
Não querendo fazer papel de adivinho, visionário ou vendedor de ilusões, creio que lhe posso dar uma óptima notícia: apesar da conjuntura económica adversa e da eterna necessidade de disciplinar as contas públicas, o Governo Português vai baixar os impostos ao longo dos próximos anos!
Tal facto não se poderia depreender das habituais intervenções do Primeiro-Ministro ou do Ministro das Finanças que, à sua maneira, têm tentado incutir um sentido de rigor na gestão do Estado, mas a verdade é que parece encontrado o caminho para a redução dos Impostos sobre o Rendimento e, quem sabe, da própria taxa do IVA.
O segredo desta novidade genial pode ser extraído de duas palavras mágicas – “Imposto Consignado” – das quais decorrem múltiplas aplicações nos mais diversos contextos.
Aparentemente, a patente terá sido registada em nome da Comissão que está a estudar o financiamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS), sob a forma de um Imposto para a Saúde – um contributo para a sustentabilidade do Sistema, a cobrar a cada cidadão em função dos seus níveis de rendimento.
De acordo com as notícias já vindas a público, esse imposto adicional seria voluntário numa primeira fase, mas passaria a compulsório caso as contas da Saúde se tornassem incomportáveis para os cofres do Estado.
Na prática, não se trata do comum aumento de impostos e sua posterior redistribuição por diferentes aplicações via Orçamento de Estado. Bem pelo contrário, pretende-se definir um mecanismo que garanta que o dito imposto (ou taxa, ou complemento, ou seguro público, ou o que mais se lhe queira chamar) será realmente canalizado para o sector da Saúde.
De acordo, por exemplo com a notícia do Diário Económico de há algumas semanas, a intenção da Comissão é que o mesmo seja de adesão voluntária, através da. criação de “um seguro complementar público, em que coberturas adicionais são garantidas contra o pagamento de contribuições, eventualmente ligadas ao rendimento, dos beneficiários que escolham esta cobertura complementar”. No entanto, se a situação das contas da Saúde se mantiver no vermelho, a dita Comissão recomenda ao Governo que lance um novo imposto dedicado exclusivamente à Saúde.
Como curiosidade, refira-se que de entre as vantagens apontadas pela Comissão para este dissimulado aumento de Impostos se aponta a “menor resistência da população” face ao encaminhamento directo das verbas para um sector tido por prioritário.
Pela mesma lógica, não tardarão a chegar o Imposto para a Educação, o Imposto para a Cultura, o Imposto para a Segurança, o Imposto para o Ambiente e outras mais tributações consignadas que atenuem a dita “resistência da população”…
Ainda sobre esta proposta, se é verdade que o Ministério da Saúde se apressou a desmentir a intenção de adoptar esse novo Imposto logo que a notícia saiu, em meados de Janeiro último, o próprio Ministro admitia esta possibilidade na entrevista que deu ao Público no Verão passado.
Em todo o caso, o que parece indesmentível é que o País continua a precisar de identificar um caminho claro para garantir a sustentabilidade do SNS, seja ou não no respeito pelo preceito constitucional que sustenta que este deve ser “tendencialmente gratuito”.
Isto porque, ao longo dos últimos anos, foi evidente o descalabro do Sistema, cujos custos já atingem os 10% do PIB, um valor superior a outros Países da União, e ao qual não está associada uma prestação de serviços com a qualidade desejada.
Neste período, quer com Luís Filipe Pereira, quer com o actual Ministro Correia de Campos, foram múltiplas as medidas introduzidas com vista à racionalização da despesa.
Com o primeiro, avançou a reorganização das urgências hospitalares, definiram-se as bases de uma tabela de preços de referência para os actos médicos, implementou-se um Sistema de Conferência de Facturas e de um Sistema de Comunicação em Rede, procedeu-se à definição dos Preços de Referência dos Medicamentos, criaram-se incentivos à prescrição pela denominação comum internacional, assistiu-se ao reforço da quota de mercado dos Genéricos, aprovou-se a Lei da Gestão Hospitalar, procedeu-se à empresarialização de 31 hospitais e à preparação das parcerias público-privadas para a construção/gestão de 10 novos Hospitais e de uma nova Lei para os Centros de Saúde.
Com o actual Ministro, impuseram-se limites à subida do preço dos medicamentos, tentou-se dominar o crescimento dos gastos com remédios nos hospitais (restringindo a compra de medicamentos inovadores), mudou-se o sistema de gestão hospitalar, aumentou-se o valor das taxas moderadoras, encerraram-se urgências e maternidades, mexeu-se nas horas extraordinárias dos médicos e introduziram-se formas efectivas de controlar a assiduidade dos funcionários.
Apesar de este ano não ter havido necessidade de um orçamento rectificativo, mais pela generosidade da dotação inicial do que pela especial contenção da despesa, este esforço de rigor na gestão dos dinheiros públicos na Saúde está longe de ser concluído.
E, só então, faz sentido pensar em atacar o lado da receita, se não se quiser alterar a própria estrutura do Sistema, permitindo o reforço do grau de liberdade de escolha dos cidadãos.