Portugal de marmita?
Há
cerca de um ano, o Orçamento de Estado para 2012 concretizava uma das medidas
de carácter fiscal que há muito vinha sendo discutida mas à qual se colocavam
naturais reservas face ao potencial impacto da mesma sobre o tecido económico e
aos resultados estimados da sua aplicação: o aumento da taxa do IVA de 13 para
23% no sector da restauração.
Na
base dos argumentos então esgrimidos, começava por estar a avaliação do
resultado directo em matéria de cobrança de IVA da medida em questão,
contrapondo-se às previsões governativas de um aumento de 400 milhões de Euros
uma potencial quebra de receita efectivamente obtida.
No
que diz respeito a esta última hipótese, a mesma era justificada pelo claro aumento
dos estímulos para a evasão fiscal e na quebra da procura decorrente de uma
possível repercussão do agravamento fiscal sobre os preços finais praticados
aos consumidores, com a natural retracção da procura por parte destes.
Um
ano volvido, a polémica mantém-se acesa muito por via das tomadas de posição
públicas das Associações Empresariais e do recém-constituído Movimento
Empresarial da Restauração.
Segundo
dados deste Movimento, de Julho de 2011 a Julho de 2012, a média nacional de
quebras de vendas na restauração e similares foi de 30 a 40%. As margens de
lucro terão baixado no mesmo período entre 40 a 45%. Por fim, terá existido uma
queda de cerca de 45 % do consumo no sector da alimentação e bebidas por parte
de visitantes estrangeiros, e cerca de 34% do turismo interno.
Já de
acordo com os dados do INE, as insolvências no sector aumentaram 98% e o sector
perdeu 33.000 postos de trabalho no 1º trimestre de 2012, face ao mesmo período
de 2011.
De
igual forma, um estudo independente contratado pela Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de
Portugal (AHRESP) à
PricewaterhouseCoopers sugere que
“até ao final de 2013, se registe uma redução do volume de negócios no sector
de cerca de 1750 milhões de euros, e que cerca de 39 mil empresas encerrem,
traduzindo-se na extinção de 99 mil postos de trabalho”. A ser assim, cerca de
40% das empresas do sector poderão fechar portas até ao final do próximo ano.
Ainda de acordo com tal estudo, a
manutenção da taxa do IVA nos 23% provocará um
impacto negativo nas contas públicas que pode ir até 854 milhões de euros. Nesta
cifra, incluem-se factores como a redução das contribuições da TSU e o aumento
das despesas com subsídios de desemprego (que poderão criar pressões adicionais
no sistema de Segurança Social de
mais de 550 milhões de euros), e as pressões orçamentais por efeitos indirectos
negativos de 235 milhões de euros, como resultado do encerramento de empresas.
À luz de todos estes dados, valerá a
pena destacar as conclusões mais consensuais. Assim, por mais que seja difícil
destrinçar quais os impactos específicos de cada um dos factores na situação
actual, é claro que o sector da restauração se depara com uma enorme ameaça à
sua sustentabilidade, sendo previsível o agravamento da quebra das receitas,
das falências no sector e da destruição de postos de trabalho (com os inerentes
custos sociais e financeiros associados). Em paralelo, parece igualmente certo
que a capacidade de geração de receitas fiscais se tenderá a degradar de dia
para dia.
De notar, ainda, que o perfil da classe
empresarial do sector assenta em larga medida numa estrutura de base familiar,
o que vem colocar preocupações acrescidas sobre os reais impactos da actual
situação sobre os níveis de pobreza da população abrangida.
Na óptica do consumo, e enquadrado com
outras condicionantes não ligadas à vertente fiscal – como a também recente
polémica com os custos dos terminais de pagamento automático, os custos
energéticos, as implicações da legislação sobre o arrendamento urbano, etc. – o
actual estado do sector assume-se como um óbice à sua valorização enquanto
recurso turístico, nacional e regional, e condiciona a procura regular de uma
população necessariamente empobrecida pelo ajustamento financeiro em curso.
Não sendo possível resolver todos os
problemas de uma só vez, seria talvez avisado não os agravar face à relevância
estratégica e ao peso económico e social do sector em causa. E, assim sendo,
parece-me que seria de todo defensável que voltasse a ser reposta a taxa
original de IVA de 13%, a qual será potencialmente geradora de ganhos fiscais.
Tal como se perspectiva actualmente, os
portugueses estarão cada vez mais condenados à “sopa de pedra” com que as
Associações Empresariais se manifestarão hoje a este propósito e à marmita que
vemos ganhar adeptos em todos os quadrantes sociais.