terça-feira, 28 de outubro de 2008

A outra Política Fiscal

Para o comum dos cidadãos, aquilo que verdadeiramente importa em matéria de política fiscal, pelo menos ao nível da leitura pública que vai fazendo das opções políticas do Governo, é a definição das taxas dos impostos.
De facto, por mais que a aplicação das regras de cálculo, a definição da base de incidência ou as formas de tramitação (pagamento e/ou reembolso) se alterem, só à posteriori é que o contribuinte se aperceberá se a tais medidas corresponde uma subida ou descida dos impostos que paga ao Estado.
À partida, porém, e sem prejuízo de que a realidade possa demonstrar o contrário, é manifestamente claro e directo o raciocínio de que uma maior taxa é algo de mau e uma descida das taxas deve ser reconhecido como uma medida positiva, trate-se de impostos directos ou indirectos.
Para quem gere a política fiscal, todavia, esta dialéctica é demasiadamente redutora das opções em aberto, razão pela qual a generalidade dos economistas têm centrado o seu discurso na necessidade de simplificação do sistema fiscal, enquanto via para conferir maior transparência e equidade ao sistema e, potencialmente, gerar aumentos de receita cobrada, que viabilizariam a diminuição da carga fiscal individual.
Há, de facto, múltiplas decisões que podem ser tomadas em sede de gestão da política fiscal que, sem envolver a alteração das taxas aplicáveis, podem ter significativas consequências sobre a eficácia e justiça do sistema fiscal e, bem assim, sobre a própria gestão financeira das empresas e/ou dos particulares.
Nestes casos, exige-se um correcto equilíbrio entre a abertura para o estudo de novas soluções, a iniciativa de as implementar e a necessidade de monitorizar e corrigir (quando adequado) os seus impactos.
Até porque, se nem é admissível nem saudável para o funcionamento da economia no seu todo a constante mutação das “regras” – nomeadamente em matéria fiscal -, também não é compreensível nem desejável a perpetuação de situações perniciosas ou o desaproveitamento de propostas aparentemente positivas.
E, finalmente, parece-me de todo inaceitável que as razões para o fracasso de uma qualquer medida ou para o adiamento ou rejeição de qualquer inovação possam residir em “falhas” ou “limitações” da máquina fiscal.
Neste mesmo espírito, invoco dois exemplos que têm sido alvo de profusa discussão pública, ambos no quadro do IVA – Imposto sobre o Valor Acrescentado: a “inversão do sujeito passivo” no sector da Construção Civil e o movimento em prol do “IVA com recibo”.
No primeiro caso, e tendo como objectivo “acautelar eventuais situações de prejuízo ao erário público”, o Governo português estabeleceu, por via da inversão do sujeito passivo (Decreto-Lei nº 21/2007, de 29 de Janeiro), que o devedor do imposto é o sujeito passivo adquirente de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou de subempreitada.
Isto é, ao invés de ser o fornecedor dos bens ou serviços a proceder à liquidação do Imposto em dívida ao Estado, tal responsabilidade passou para o seu adquirente (desde que este seja também um agente que proceda à dedução do imposto), sem que tal ponha em causa o normal direito à dedução do imposto suportado pela entidade fornecedora/prestadora.
Todavia, como logo foi expresso em reivindicação expressa por nove associações representativas de toda a cadeia de valor do sector, esta alteração levou a que “a neutralidade do sistema do IVA fica, para estas empresas, dependente, quase em exclusivo, do mecanismo do reembolso”.
Daí que, no próprio Orçamento de Estado para 2008 tivessem sido introduzidas medidas que viabilizavam o acesso a um regime especial de reembolso do IVA a 30 dias, o que nunca se chegou a verificar, com questões meramente administrativas a impedir as empresas de aceder a tal regime.
Ora, perante tais atrasos, a imposição da exigência de caução ou garantia bancária para a atribuição do reembolso e a impossibilidade de as empresas requererem o reembolso antes do fim do período de 12 meses, quando o crédito a seu favor exceder 12,5 vezes o salário mínimo nacional, são múltiplas as fontes de previsível estrangulamento em termos financeiros e de tesouraria, que pode pôr em causa a sobrevivência de inúmeras empresas de pequena e média dimensão.
Da mesma forma, num país em que grassa o estatuto de “mau pagador”, e em que o próprio Estado contribui para tal situação, parece ser de elementar justiça a reivindicação de várias associações empresariais e do Movimento Cívico “IVA com Recibo”, para que o IVA apenas possa ser exigível pelo Estado quando a prestação dos serviços ou o fornecimento dos bens for pago e não quando a factura é emitida, como hoje acontece.
Também aqui, esta situação provoca sérias dificuldades à tesouraria das empresas mais débeis, podendo gerar, em muitas circunstâncias, e até por força das medidas radicais hoje adoptadas pela máquina fiscal em casos de incumprimento, consequências bastante gravosas, que podem conduzir ao próprio encerramento das empresas em questão.
Ora, é precisamente por exemplos como estes que invoquei que a condução da política fiscal requer uma especial atenção a todas as suas vertentes de aplicação, muito para lá da mera fixação das taxas de imposto aplicáveis a cada situação. Só que esta é uma tarefa bastante mais difícil…

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Quo vadis, Sindicalismo?

Recordo dos meus tempos de Faculdade a opinião daquele professor que fazia questão de frisar um verdadeiro paradoxo intrínseco à implementação de uma determinada forma de espírito corporativo. No caso, sustentava que, ao contrário do que se podia pensar, os Sindicatos não defendiam os interesses dos trabalhadores em geral, reivindicando apenas as pretensões dos seus filiados contribuintes.
A ideia explica-se resumidamente: por norma, os sindicatos defendem aumentos dos salários e uma maior rigidez das leis laborais, o combate ao trabalho precário e as restrições a todo e qualquer tipo de despedimento. Com tal atitude, estão a pôr em causa as hipóteses de integração profissional dos trabalhadores desempregados, usualmente com menores qualificações e menores possibilidades de ver defendidos os seus interesses.
É óbvio que esta situação traz consequências de proporções imprevisíveis sobre as relações de poder no seio dos Sindicatos e a capacidade de afirmação e representatividade destes organismos, além de tensões de diversa ordem no seio da mole trabalhadora.
Naturalmente, também, esta situação é tão mais pertinente quanto maior for o número de trabalhadores no desemprego, pelo necessário aumento dos conflitos existentes.
Em Portugal, ao longo da última década, os períodos de diminuição da taxa de desemprego permitiram minimizar estes efeitos o que, conjugado com uma certa incapacidade de mobilização destas entidades e com as menores oportunidades de fazer valer as suas reivindicações num contexto de determinação das opções político-económicas fortemente condicionado por opções estratégicas de integração com o exterior, vem remetendo os Sindicatos para intervenções de cariz algo distinto: no domínio da formação e reconversão profissional, na mediação de casos pontuais, etc..
Mais recentemente, nova escalada dos níveis de desemprego, os sucessivos processos de despedimento colectivo e de encerramento de unidades fabris e a condução de políticas públicas mais ou menos acintosas para com certas classes profissionais, voltaram a devolver um forte protagonismo a estas estruturas e reforçaram a sua capacidade de mobilização dos seus representados, com acções de rua com o impacto das que abrangeram recentemente a classe docente.
Independentemente das transformações verificadas em sede de Código de Trabalho e de organização da Administração Pública, constata-se, pois, que estes são tempos em que é dada uma nova oportunidade às estruturas sindicais de reassumirem o seu papel mediador e de defesa da “classe trabalhadora” em sede de concertação social e de opinião pública.
Até por isso, situações como as que recentemente se verificaram em estruturas como o Sindicato Têxtil do Minho ou o Sindicato das Indústrias Eléctricas do Norte podem constituir-se como sérias contrariedades nessa reabilitação da imagem e do papel destas estruturas.
No primeiro caso, o líder da Nova Democracia, Manuel Monteiro, denunciou (e não foi totalmente contraditado) que esse Sindicato exigia que os trabalhadores abdicassem de uma parcela das suas indemnizações de despedimento, em benefício da estrutura sindical (supostamente para suportar as custas judiciais envolvidas).
Mais recentemente, o ex-líder do CDS apresentou documentos em que se demonstrava que a percentagem a cobrar aos trabalhadores não sindicalizados poderia atingir os 8 a 12 por cento do valor da indemnização que viessem a obter.
Na sequência de tal denúncia, que Manuel Monteiro encaminhou para a Procuradoria Geral da República e para o Ministro do Trabalho e Solidariedade, Vieira da Silva, abriu-se a discussão em torno da razoabilidade da cobrança destas importâncias por parte das estruturas sindicais, como contrapartida da representação neste tipo de processos dos trabalhadores não filiados.
No segundo caso, o Sindicato terá assumido um papel determinante na decisão de encerramento da empresa TELCA de Braga, como forma de viabilizar o pagamento dos valores em dívida aos credores da Empresa – em que se incluíam instituições financeiras e ex-trabalhadores -, mas contra a vontade dos cerca de 70 trabalhadores actuais da empresa, muitos dos quais não sindicalizados (como estes fizeram questão de expressar em documento subscrito pela maioria e divulgado pelo Diário do Minho).
Segundo tais trabalhadores, a actuação do Sindicato teria contribuído para o “encerramento criminoso” de uma empresa que punha em causa os referidos 70 postos de trabalho, acusação esta já refutada pela estrutura sindical.
Ainda assim, numa e outra circunstância, pode colocar-se a questão: razão tinha o meu professor?

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Ai se ela fala...


O pretenso “silêncio” de Manuela Ferreira Leite transformou-se num dos temas mais entusiasmantes da discussão pública do passado Verão. Criticada pelos eternos contestatários internos; acusada pelos comentadores e fazedores de opinião de regime; estudada como caso atípico pelos marketeers e especialistas da comunicação; estranhada, por arrastamento, pelos cidadãos comuns, a líder do PSD limitou-se a ser diferente.
Daí que, logo à partida, o rótulo de “silêncio” aplicado tenha que ser relativizado por comparação com aquilo que se tem por “normal” em matéria de intervenção pública dos responsáveis políticos e partidários.
Mas mais curioso ainda, o dito “silêncio”, foi mesmo veementemente atacado pelos próprios responsáveis do PS, membros do Governo incluídos, liderados pelo Primeiro-Ministro José Sócrates.
Ora, a não ser que tais responsáveis sentissem falta da oportunidade para virem ripostar, de imediato, aos pares, e em horário nobre nos principais órgãos de comunicação social – como acontece(u) após cada uma das intervenções da líder da Oposição, ou, como esta também sugeria numa recente iniciativa partidária em Braga “os socialistas são masoquistas”…
Pois bem, a avaliar pela intervenção de Manuela Ferreira Leite, nesse mesmo dia, numa iniciativa do Fórum de Economia da Associação Comercial de Braga, estamos em crer que prevalece a segunda hipótese.
O tema da Conferência centrava-se nas Políticas Orçamentais e nas Perspectivas para 2009, tendo a oportunidade servido de catalisador de uma explanação clara e frontal, ilustrativa da ampla experiência da líder do PSD e do seu domínio das questões económicas, mas orientada para as questões que dizem respeito a todos, como consequência da conjuntura económica e das políticas públicas prosseguidas a nível nacional.
O diagnóstico sucinto, posteriormente fundamentado, foi directo: "Portugal não soube viver em Moeda Única e assim aproveitar os inúmeros benefícios que este projecto da União Europeia trouxe e poderia ter trazido para o nosso Pais".
A questão jamais se colocou no interesse e na oportunidade da entrada, mas antes na forma como a nossa economia e o Estado, em particular, se acomodaram à nova realidade que daí resultou.
A saber, a queda substancial das taxas de juro tornou o dinheiro “barato” e de acesso generalizado, verificando-se o recurso intensivo ao endividamento por parte de empresas e particulares. Todavia, tal fenómeno pressupunha que o equilíbrio fosse alcançado através do reforço da poupança pública o que não se verificou de forma sustentada.
Antes, o Estado endividou-se tanto ou mais que o sector privado, criando pressões insuportáveis para o conjunto da economia e dando origem a uma clara perda de competitividade do País, que já não pôde recorrer ao mecanismo cambial para minorar esse efeito.
Na actual economia globalizada, a perda de competitividade representa o agravamento do risco de falência das empresas e assume-se como um sério contributo para a diminuição dos níveis de emprego. Em suma, o País tem vindo a empobrecer em resultado directo de uma política económica errada, cujos custos se encontram ainda, em grande parte, diferidos no tempo.
Neste cenário, a única solução passa pela inversão da política, obrigando a que se abandone a ideia de que é o Estado o responsável pelo crescimento económico do País.
Pior, mesmo que a despesa pública tenha alguns efeitos no curto prazo, a mesma só não resulta em endividamento acrescido se for financiada com o aumento dos impostos. E, resultando em endividamento, estará a exaurir recursos financeiros, encarecendo o crédito de empresas e famílias.
Segundo a líder do PSD, essa política “não só é restritiva do crescimento como é penalizadora do ponto de vista social”.
Em termos práticos, essa inversão estratégica obriga a privilegiar cada vez mais o Investimento Privado e a componente das Exportações e a ter uma visão crescentemente selectiva do Investimento Público que não seja reprodutivo.
Manuela Ferreira Leite é igualmente taxativa: "as Pequenas e Médias Empresas são o motor desse modelo de desenvolvimento alternativo, cabendo ao Estado criar incentivos à sua actividade que não têm que se traduzir em apoios estritamente financeiros (subsídios)".
Bem pelo contrário, é ainda longo o caminho a percorrer em matéria de simplificação administrativa de processos, de redução de custos de contexto (como o funcionamento da Justiça), de agilização da envolvente competitiva (em matéria de operações de Fusões e Aquisições, por exemplo) e de simplificação do sistema fiscal (enquanto via prioritária para a redução da carga fiscal).
Para quem acusa a líder Social Democrata de ausência de conteúdo e propostas, não deixa de ser curioso que não tenha ainda havido uma resposta cabal à sua sugestão de alteração das regras de pagamento do IVA (do momento da emissão da factura para o momento de emissão do recibo), que resolveria o problema de tesouraria de inúmeras empresas num País de maus pagadores.

É que, por essas e por outras, mais vale que ela continue caladinha…