segunda-feira, 30 de novembro de 2009

As Taxas Municipais


Até há bem pouco tempo, a criação e fixação de taxas municipais - poderíamos mesmo reportar-nos às demais Autarquias Locais mas face à sua maior expressão centremo-nos na esfera camarária -, desde que devidamente regulamentadas e enquadradas na Lei Geral, regiam-se pelo mesmo princípio que sustenta a aplicação da generalidade dos impostos e taxas praticadas pelos demais serviços públicos: o da responsabilidade política.
Assim, caberia aos titulares dos diversos órgãos de governo estabelecer os seus valores e cumpriria aos cidadãos e demais entidades taxadas avaliar da correcta gestão e aplicação dos recursos assim angariados por esses mesmos órgãos.
De forma ilustrativa, se fugindo a este âmbito olharmos para a esfera da fiscalidade municipal, verificamos que, em tese, eu posso ficar satisfeito por a minha Câmara Municipal fixar uma taxa máxima de IMI se admitir que esses recursos serão muito bem aplicados e, porventura, em meu benefício, por essa mesma Autarquia.
A publicação do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL), que entrou em vigor no passado dia 1 de Janeiro de 2007, mas cuja aplicação efectiva terá lugar a partir de Janeiro de 2010, veio alterar significativamente esta situação.
Assim, este Diploma (Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro) prevê que a aplicação das taxas municipais em vigor, a alteração do seu valor e a criação de novas taxas deve passar a subordinar-se à exigência de que os regulamentos a aprovar pelas autarquias locais contenham obrigatoriamente, entre vários outros elementos, a fundamentação económico-financeira relativa ao valor das taxas, designadamente os custos directos e indirectos, os encargos financeiros, amortizações e futuros investimentos realizados ou a realizar pela autarquia local.
Isto é, no respeito pelo princípio da equivalência jurídica, o valor das taxas das autarquias locais é fixado tendo em conta o princípio da proporcionalidade, não devendo ultrapassar o custo da actividade pública local (o custo da contrapartida) ou o benefício auferido pelo particular.
Nestes termos, induz-se as autarquias locais a procederem a um verdadeiro escrutínio dos factores financeiros que estão na base da aplicação das diferentes taxas, tarefa esta nem sempre fácil de consumar atendendo à inexistência de contabilidade analítica na esmagadora maioria das Autarquias.
Ainda assim, tendo por base quer a experiência dos trabalhos que desenvolvi para algumas Autarquias, quer ainda os relatórios finais disponibilizados pelas demais nos processos de consulta pública já realizados, creio que este desígnio foi assumido de uma forma séria e responsável pela generalidade dos Municípios.
De notar, porém, que a esta componente estritamente técnica da fundamentação se junta uma vertente política, uma vez que a Lei admite também que as taxas podem ser fixadas com base em critérios de desincentivo à prática de certos actos ou operações, desde que respeitada a necessária proporcionalidade, ou que as Autarquias podem assumir parte do custo social de certas taxas, como forma de incentivo à prática de certos actos ou ao desenvolvimento de determinadas actividades.
Ultrapassada esta tarefa, as novas Tabelas de Taxas e Licenças Municipais e, bem assim, os inerentes Relatórios de Fundamentação Económica e Financeira produzidos abrem campo a um interessante trabalho de investigação, que até poderá ser desenvolvido sob alçada de vários organismos públicos.
Afinal, não deixa de ser interessante efectuar um estudo comparativo das taxas praticadas por diferentes Autarquias, quer quanto à estrutura da Tabela, quer quanto aos valores aplicados, escrutinando os índices de produtividade que lhe estão inerentes ou as opções políticas que estiveram na base da aplicação dos referidos critérios de incentivo / desincentivo.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Conto de Natal

(Imagem retirada daqui)
Era uma vez uma cidade que era conhecida como a “Capital do Comércio”.
Progressivamente, porém, à medida que alguns se apaixonaram pela novidade e imponência das grandes superfícies comerciais - que viam como a solução mais fácil e imediata para os graves problemas de desemprego que emergiram no conjunto da sociedade local -, as suas mais-valias tradicionais começaram a degradar-se e a perder atractividade.
Daí que fossem muitas as vozes dos mais diversos quadrantes a clamar por um conjunto de iniciativas que contribuíssem para a revalorização dos espaços comerciais inseridos no centro da cidade, muito particularmente na sua zona do Centro Histórico, quer como elemento de revitalização económica e apoio ao emprego, quer como instrumento de promoção turística, quer ainda como parte fulcral de uma premente estratégia de renovação urbana.
Entre estas, poder-se-iam destacar: a promoção de iniciativas de animação sócio-cultural dos espaços; o desenvolvimento de medidas que estimulassem a fixação de “lojas-âncora” em alguns dos edifícios nobres existentes e hoje subaproveitados; a adopção de uma lógica mais cooperante entre os proprietários e lojistas (como se de uma verdadeira gestão de condomínio se tratasse); até à intervenção na melhoria das condições físicas de acolhimento de visitantes ou turistas e consumidores.
Neste domínio, o sonho de muitos era ver chegar o dia em que toda a Rua do Souto (a principal artéria comercial dessa zona da cidade) e suas zonas contíguas, pudessem ser revestidas de uma cobertura translúcida, erigida em material consentâneo com as condições de segurança exigíveis, até face ao avançado estado de degradação de muitos dos edifícios aí implantados.
Mais do que um mero “centro comercial ao ar livre”, impunha-se que a dita “Capital do Comércio” possuísse um ícone, umas galerias ao nível do melhor que existe no mundo, como se nessa bimilenar cidade fosse possível desfrutar do travo das milanesas Vittorio Emanuele II, das Saint-Hubert de Bruxelas e de outros espaços afins um pouco por todo o mundo.
Ora, desde o ano passado, os habitantes dessa cidade podem viver uma simpática ilusão Natalícia. No âmbito da instalação das iluminações públicas alusivas a esta quadra festiva, uma longa abóbada cintilante cobre estas artérias, ao longo de algumas centenas de metros, como que querendo devolver a luz da vida a esse espaço nobre do centro, tradicionalmente deserto após o encerramento dos estabelecimentos comerciais.
Por entre o tradicional fervilhar de gentes e emoções que se vivencia nesta época do ano, das gargalhadas dos miúdos e dos cumprimentos e reencontros que o ímpeto oferente sempre acaba por propiciar, fica latente a secreta esperança de que, desta feita, a diáfana cobertura não se vá junto com o papel de embrulho e os pinheiros enjeitados a cada novo princípio de Janeiro.
E que, assim, a Capital do Comércio possa voltar a ganhar o seu fulgor e a afirmar-se como destino incontornável de visitantes de todos os pontos do norte da Península.
Porque, também aqui, Natal pode ser sempre que um Presidente da Câmara quiser…

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Programa de(s)Governo


Após a renovação da confiança dos eleitores nacionais nas Legislativas de 27 de Setembro último, o líder do Partido Socialista e Primeiro-Ministro cessante, José Sócrates, foi novamente indigitado para a liderança do Executivo, constituiu a sua equipa e apresentou na Assembleia da República o seu novo Programa de Governo.
Ora, nas actuais circunstâncias políticas que resultaram desse acto eleitoral, com a constituição de um Parlamento sem suporte maioritário para nenhuma força partidária, o novo Governo terá que fazer “pontes” ainda que circunstanciais com as diferentes forças da Oposição, com vista à viabilização da aprovação dos diplomas que venha a submeter à Assembleia da República.
Enquadrado por estas condicionantes, e tal como sugeriam os comentários difundidos nos principais media generalistas da pretérita semana, seria de supor uma abordagem pragmática do Executivo com vista a assegurar a “conquista” dos votos dos seus opositores: alicerçada numa governação “à esquerda” nas matérias de cariz sócio-político e numa governação “ao centro” nas questões da esfera sócio-económica.
A apresentação, já esta semana, do Programa de Governo não veio pôr em causa essa antevisão, pese embora este documento seja uma cópia relativamente fiel do programa eleitoral do Partido Socialista, também ele pouco prolixo em relação à explicitação da forma de concretização de certos objectivos.
Sobre esta matéria, poderia questionar-se a opção do Executivo de não abrir desde já a porta a um diálogo conciliador com as demais forças partidárias, mas ninguém pode pôr em causa a legitimidade política da opção tomada à luz da vontade popular expressa.
Neste particular, parece até de todo despropositado que as estruturas sindicais e os partidos políticos, bem como a classe visada por esta matéria, venham novamente questionar a manutenção do estatuto docente e do respectivo modelo de avaliação (ainda que tenham razão quanto ao essencial) tendo em conta que sendo essas duas das principais bandeiras do anterior Governo que foram sufragadas em Setembro último, o novo Executivo de Sócrates se encontra plenamente legitimado para manter as suas opções.
Ainda assim, aqui como nas matérias do foro económico, e, em concreto, na recorrente insistência na prioridade aos investimentos públicos – mormente em projectos demasiado onerosos para a saúde financeira das nossas contas públicas e de rendibilidade duvidosa quanto ao seu potencial reprodutivo para a economia no seu todo, a legitimidade eleitoral não se deve sobrepor em demasia ao bom-senso, ao rigor e à cultura democrática.
Neste plano, a ideia repetida até à exaustão de que um aumento desse tipo de despesa, co-financiado por verbas públicas e por fundos comunitários e privados, é a alavanca necessária para promover a retoma económica e promover o bem-estar social e o combate ao desemprego galopante está longe de estar comprovada.
E, bem sabido, as “juras de amor” hoje renovadas às PME e outros públicos, esbatem-se na parcimónia das medidas, na não efectividade dos programas, na tremenda carga burocrática que retarda e esbanja os recursos alocados aos diferentes fundos comunitários.
Mesmo com o mesmo “homem do leme” e com os “homens e mulheres dos remos” por este escolhidos, Portugal precisa de um novo e diferente rumo, se não quer continuar a levar reprimendas públicas nos diversos estudos independentes que vão sendo produzidos por diferentes organismos e credíveis instituições financeiras internacionais.
Antes que a “consequência” seja verdadeiramente incomportável e onere irreversivelmente as gerações vindouras, fazia falta uma amostra de política de “verdade”. Para variar.