quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Reestruturar Empresas


De uma forma geral, a falência de uma empresa pode ser vista como o resultado de um mecanismo de auto-regulação do mercado: admitindo que o objecto do negócio (a venda de certo tipo de bens ou serviços) não acaba, o encerramento da actividade de uma empresa leva a que o seu espaço seja apropriado por outra que cumpra a mesma função de forma mais competitiva e sustentável.
Isto é, numa aplicação económica da Lei de Darwin, há uma selecção natural entre aqueles que melhor se adaptam ao ambiente e aqueles que não o conseguem fazer.
Na verdade, tal como na natureza, também no quadro de desenvolvimento de cada uma das actividades económicas a envolvente não é imutável, o que obriga as empresas (mesmo as mais fortes e bem sucedidas) a desenvolverem um contínuo processo de transformação e ajustamento a cada nova realidade.
Poder-se-á dizer, porém, que há determinados contextos de tal forma adversos em que mesmo as ditas mais “fortes” (numa óptica de resistência e não de dimensão) têm extremas dificuldades em sobreviver.
Ora, restringindo-nos ao âmbito estritamente económico, assim acontece quando a conjuntura induzir um volume tal de falências que o mesmo ponha em causa a estrutura da base económica (nacional, regional ou local) e se repercuta em elevados custos sociais (nomeadamente pelo agravamento das cifras do desemprego).
Em qualquer circunstância, mas nestes casos de forma particular, o que é intolerável é admitir que pode haver factores que poderiam mitigar tal realidade e que os mesmos não estão a ser valorizados por todas as contrapartes envolvidas.
De registar, pois, o particular esforço que o Ministério da Economia desenvolveu no sentido de alterar o enquadramento normativo que envolve os processos de insolvência e de criar instrumentos de apoio à recuperação de empresas em dificuldades. O Programa Revitalizar (através do PER - Processo  Especial de Revitalização, do SIREVE – Sistema de Recuperação de Empresas pela Via Extrajudicial e da renovação do quadro legal dos administradores de insolvência), as alterações produzidas aos nível do Capital de Risco público e a criação dos Fundos Regionais de Expansão Empresarial são alguns exemplos desta nova postura.
Faltará, porventura, a criação de uma “Câmara de Compensação” de débitos/créditos com todo o Sector Público e o reforço dos estímulos à concessão de crédito às empresas por parte do sector bancário, tanto mais que boa parte das dificuldades das empresas resultam hoje de problemas de tesouraria.
Do lado privado, o contacto com inúmeras empresas levou-me a considerar que o problema se centrava na incapacidade de planear, de agir proactivamente e de promover as alterações necessárias em tempo, o que conduzia a tentativas tardias de reagir contra as adversidades ou à afirmação de “estados de negação” perante situações já quase insolúveis.
Mas também esta realidade parece estar a mudar. No âmbito do novel Programa de Reestruturação Empresarial da Porto Business School (Ex- Escola de Gestão do Porto) há a registar que a maioria das manifestações de interesse já verificadas advém de empresas com situações económicas e financeiras relativamente estabilizadas, que pretendem reforçar os seus argumentos e esbater as suas fragilidades antes que sejam surpreendidas negativamente pelas circunstâncias.
Note-se, finalmente, que uma das linhas do Programa Revitalizar visa ainda apoiar os processos de concentração, sucessão ou transmissão da propriedade das empresas, o que, em ligação com a reunião dos meios financeiros e a qualificação das práticas de gestão e actuação no mercado pode também contribuir para dar maiores oportunidades de sobrevivência às empresas e maior solidez ao tecido económico.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Portugal de marmita?


Há cerca de um ano, o Orçamento de Estado para 2012 concretizava uma das medidas de carácter fiscal que há muito vinha sendo discutida mas à qual se colocavam naturais reservas face ao potencial impacto da mesma sobre o tecido económico e aos resultados estimados da sua aplicação: o aumento da taxa do IVA de 13 para 23% no sector da restauração.
Na base dos argumentos então esgrimidos, começava por estar a avaliação do resultado directo em matéria de cobrança de IVA da medida em questão, contrapondo-se às previsões governativas de um aumento de 400 milhões de Euros uma potencial quebra de receita efectivamente obtida.
No que diz respeito a esta última hipótese, a mesma era justificada pelo claro aumento dos estímulos para a evasão fiscal e na quebra da procura decorrente de uma possível repercussão do agravamento fiscal sobre os preços finais praticados aos consumidores, com a natural retracção da procura por parte destes.
Um ano volvido, a polémica mantém-se acesa muito por via das tomadas de posição públicas das Associações Empresariais e do recém-constituído Movimento Empresarial da Restauração.  
Segundo dados deste Movimento, de Julho de 2011 a Julho de 2012, a média nacional de quebras de vendas na restauração e similares foi de 30 a 40%. As margens de lucro terão baixado no mesmo período entre 40 a 45%. Por fim, terá existido uma queda de cerca de 45 % do consumo no sector da alimentação e bebidas por parte de visitantes estrangeiros, e cerca de 34% do turismo interno.
Já de acordo com os dados do INE, as insolvências no sector aumentaram 98% e o sector perdeu 33.000 postos de trabalho no 1º trimestre de 2012, face ao mesmo período de 2011.
De igual forma, um estudo independente contratado pela Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) à PricewaterhouseCoopers sugere que “até ao final de 2013, se registe uma redução do volume de negócios no sector de cerca de 1750 milhões de euros, e que cerca de 39 mil empresas encerrem, traduzindo-se na extinção de 99 mil postos de trabalho”. A ser assim, cerca de 40% das empresas do sector poderão fechar portas até ao final do próximo ano.
Ainda de acordo com tal estudo, a manutenção da taxa do IVA nos 23% provocará um impacto negativo nas contas públicas que pode ir até 854 milhões de euros. Nesta cifra, incluem-se factores como a redução das contribuições da TSU e o aumento das despesas com subsídios de desemprego (que poderão criar pressões adicionais no sistema de Segurança Social de mais de 550 milhões de euros), e as pressões orçamentais por efeitos indirectos negativos de 235 milhões de euros, como resultado do encerramento de empresas. 
À luz de todos estes dados, valerá a pena destacar as conclusões mais consensuais. Assim, por mais que seja difícil destrinçar quais os impactos específicos de cada um dos factores na situação actual, é claro que o sector da restauração se depara com uma enorme ameaça à sua sustentabilidade, sendo previsível o agravamento da quebra das receitas, das falências no sector e da destruição de postos de trabalho (com os inerentes custos sociais e financeiros associados). Em paralelo, parece igualmente certo que a capacidade de geração de receitas fiscais se tenderá a degradar de dia para dia.
De notar, ainda, que o perfil da classe empresarial do sector assenta em larga medida numa estrutura de base familiar, o que vem colocar preocupações acrescidas sobre os reais impactos da actual situação sobre os níveis de pobreza da população abrangida.
Na óptica do consumo, e enquadrado com outras condicionantes não ligadas à vertente fiscal – como a também recente polémica com os custos dos terminais de pagamento automático, os custos energéticos, as implicações da legislação sobre o arrendamento urbano, etc. – o actual estado do sector assume-se como um óbice à sua valorização enquanto recurso turístico, nacional e regional, e condiciona a procura regular de uma população necessariamente empobrecida pelo ajustamento financeiro em curso.
Não sendo possível resolver todos os problemas de uma só vez, seria talvez avisado não os agravar face à relevância estratégica e ao peso económico e social do sector em causa. E, assim sendo, parece-me que seria de todo defensável que voltasse a ser reposta a taxa original de IVA de 13%, a qual será potencialmente geradora de ganhos fiscais.
Tal como se perspectiva actualmente, os portugueses estarão cada vez mais condenados à “sopa de pedra” com que as Associações Empresariais se manifestarão hoje a este propósito e à marmita que vemos ganhar adeptos em todos os quadrantes sociais.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Programa de Reestruturação Empresarial


Para conhecer aqui.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Este artigo não tem desconto


Os Portugueses são um povo de paixões. No plano do discurso, e qualquer que seja a temática, é difícil mantermo-nos indiferentes, tendendo a assumir posições extremadas de apoio incondicional ou de oposição convicta sobre cada matéria em apreço.
Entre outros factores, esse pode ser um dos motivos que explica a comoção colectiva provocada pelas circunstâncias que envolveram a promoção levada a efeito pelos supermercados Pingo Doce no passado dia 1 de Maio.
Afinal, o tema invadiu as colunas de opinião, os debates nas redes sociais, os espaços informativos de todos os meios de comunicação, as conversas de café e até as intervenções públicas de governantes e parlamentares desde essa data até hoje, como se estivesse em jogo algo de verdadeiramente decisivo para o nosso futuro colectivo.
Mas, poderá perguntar: é normal uma cadeia de supermercados lançar uma promoção que suscite tal adesão popular ao ponto de provocar distúrbios e focos de violência que exijam a intervenção das forças policiais em vários dos seus espaços comerciais?
E será que tais circunstâncias só ocorreram face às difíceis circunstâncias económicas e sociais que o país atravessa, ao ponto de a esmagadora maioria dos consumidores desse dia provirem de famílias com grandes dificuldades financeiras?
Além da característica antes referida, os portugueses são conhecidos por terem também memória curta ou por lhes faltar perspectiva de enquadramento sobre determinadas realidades.
A saber, mesmo quando os combustíveis estavam a um preço substancialmente inferior ao actual, alguém se lembra das filas de carros que procuravam abastecer a um valor 2 ou 3 cêntimos inferior ao aumento superveniente do dia seguinte?
E quem se recorda das filas (quando não verdadeiros acampamentos que se iniciaram durante a madrugada) de fãs e consumidores às portas de determinadas superfícies comerciais antes da venda de bilhetes para certos espectáculos ou das datas de realização de certas promoções em equipamentos informáticos (em ambos os casos, bens de consumo não urgente)?
Mesmo se olharmos para lá das nossas fronteiras, quem não viu já as imagens da balbúrdia que se regista em diversos espaços comerciais aquando do início das épocas de saldos ou em datas em que se realizam promoções especiais como a Black Friday americana?
Mesmo fora dos padrões “normais” desta promoções, quem não viu as imagens das centenas que aderiram às promoções daquelas lojas de roupa que ofereciam os seus produtos aos primeiros clientes a entrarem nus ou semi-nus (como foi o caso da espanhola Desigual em Janeiro último) nas suas lojas?
Na perspectiva dos consumidores, pois, esta foi uma promoção como tantas outras, que foi bem aproveitada por quem se dispôs a suportar os incómodos inerentes, fossem estes cidadãos mais carenciados, comerciantes e gestores de outras empresas de restauração ou o comum dos consumidores do mais variado leque de produtos. E, convenhamos, desde quem procurou assegurar os seus consumos mais imediatos a quem investiu várias centenas/milhares de Euros na compra de produtos com um desconto tão substancial, chega a ser ridículo sugerir que tais compras resultaram de um mero impulso consumista.
Na óptica dos trabalhadores da empresa, a realização de tal promoção num dia como o primeiro de Maio, com os sindicatos à porta, envolve uma espécie de “provocação” aos que contestam a abertura das superfícies comerciais nesta data, enquanto que a promoção em si terá provocado uma enorme sobrecarga de trabalho e stress no exercício das suas funções.
Todavia, a Jerónimo Martins parece querer ressarcir os visados por tal facto, quer com o pagamento de remunerações extraordinárias muito acima dos referenciais legais em vigor, quer pela atribuição de novos descontos na aquisição dos seus produtos.
Do ponto de vista da regulação do mercado, cada uma das entidades parece ter também cumprido a sua função: a Comissão Europeia não encontrou vícios de relevo nesta prática e a ASAE e a Autoridade da Concorrência desencadearam as diligências inerentes às desconformidades pontuais encontradas.
Já quanto aos fornecedores da empresa, conseguiram, por um lado, assegurar a venda de maiores quantidades dos seus produtos. Por outro, terão provavelmente que partilhar parte do esforço comercial inerente à promoção, mas não é crível que o façam de forma substancialmente distinta do que acontece em relação a todas as outras campanhas deste tipo de superfícies.
Resta avaliar a perspectiva do próprio Pingo Doce / Jerónimo Martins e os motivos que terão estado na base de tal iniciativa. Obviamente, nem podemos olhar para a empresa como uma instituição benfeitora que procurou responder à crise que assola o País, nem tratar os seus gestores como uma trupe de malfeitores que apenas se limitaram a escoar stocks perto do fim do prazo de validade à custa de pobres e desinformados, conseguindo mesmo assim assegurar ganhos substanciais.
Bem pelo contrário, visto de fora, tenho poucas dúvidas que o Grupo perdeu dinheiro com esta promoção, E, mesmo do ponto de vista da imagem pública, esta foi uma opção de comunicação que envolveu riscos, com o volume de exposição a não se traduzir integralmente em ganhos de imagem.
Pior, como o tempo poderá comprovar, esta iniciativa poderá acarretar custos directos e indirectos substanciais, para a empresa e para o sector, que põe em causa a sua razoabilidade e motivações na perspectiva do promotor.