sexta-feira, 11 de maio de 2012

Este artigo não tem desconto


Os Portugueses são um povo de paixões. No plano do discurso, e qualquer que seja a temática, é difícil mantermo-nos indiferentes, tendendo a assumir posições extremadas de apoio incondicional ou de oposição convicta sobre cada matéria em apreço.
Entre outros factores, esse pode ser um dos motivos que explica a comoção colectiva provocada pelas circunstâncias que envolveram a promoção levada a efeito pelos supermercados Pingo Doce no passado dia 1 de Maio.
Afinal, o tema invadiu as colunas de opinião, os debates nas redes sociais, os espaços informativos de todos os meios de comunicação, as conversas de café e até as intervenções públicas de governantes e parlamentares desde essa data até hoje, como se estivesse em jogo algo de verdadeiramente decisivo para o nosso futuro colectivo.
Mas, poderá perguntar: é normal uma cadeia de supermercados lançar uma promoção que suscite tal adesão popular ao ponto de provocar distúrbios e focos de violência que exijam a intervenção das forças policiais em vários dos seus espaços comerciais?
E será que tais circunstâncias só ocorreram face às difíceis circunstâncias económicas e sociais que o país atravessa, ao ponto de a esmagadora maioria dos consumidores desse dia provirem de famílias com grandes dificuldades financeiras?
Além da característica antes referida, os portugueses são conhecidos por terem também memória curta ou por lhes faltar perspectiva de enquadramento sobre determinadas realidades.
A saber, mesmo quando os combustíveis estavam a um preço substancialmente inferior ao actual, alguém se lembra das filas de carros que procuravam abastecer a um valor 2 ou 3 cêntimos inferior ao aumento superveniente do dia seguinte?
E quem se recorda das filas (quando não verdadeiros acampamentos que se iniciaram durante a madrugada) de fãs e consumidores às portas de determinadas superfícies comerciais antes da venda de bilhetes para certos espectáculos ou das datas de realização de certas promoções em equipamentos informáticos (em ambos os casos, bens de consumo não urgente)?
Mesmo se olharmos para lá das nossas fronteiras, quem não viu já as imagens da balbúrdia que se regista em diversos espaços comerciais aquando do início das épocas de saldos ou em datas em que se realizam promoções especiais como a Black Friday americana?
Mesmo fora dos padrões “normais” desta promoções, quem não viu as imagens das centenas que aderiram às promoções daquelas lojas de roupa que ofereciam os seus produtos aos primeiros clientes a entrarem nus ou semi-nus (como foi o caso da espanhola Desigual em Janeiro último) nas suas lojas?
Na perspectiva dos consumidores, pois, esta foi uma promoção como tantas outras, que foi bem aproveitada por quem se dispôs a suportar os incómodos inerentes, fossem estes cidadãos mais carenciados, comerciantes e gestores de outras empresas de restauração ou o comum dos consumidores do mais variado leque de produtos. E, convenhamos, desde quem procurou assegurar os seus consumos mais imediatos a quem investiu várias centenas/milhares de Euros na compra de produtos com um desconto tão substancial, chega a ser ridículo sugerir que tais compras resultaram de um mero impulso consumista.
Na óptica dos trabalhadores da empresa, a realização de tal promoção num dia como o primeiro de Maio, com os sindicatos à porta, envolve uma espécie de “provocação” aos que contestam a abertura das superfícies comerciais nesta data, enquanto que a promoção em si terá provocado uma enorme sobrecarga de trabalho e stress no exercício das suas funções.
Todavia, a Jerónimo Martins parece querer ressarcir os visados por tal facto, quer com o pagamento de remunerações extraordinárias muito acima dos referenciais legais em vigor, quer pela atribuição de novos descontos na aquisição dos seus produtos.
Do ponto de vista da regulação do mercado, cada uma das entidades parece ter também cumprido a sua função: a Comissão Europeia não encontrou vícios de relevo nesta prática e a ASAE e a Autoridade da Concorrência desencadearam as diligências inerentes às desconformidades pontuais encontradas.
Já quanto aos fornecedores da empresa, conseguiram, por um lado, assegurar a venda de maiores quantidades dos seus produtos. Por outro, terão provavelmente que partilhar parte do esforço comercial inerente à promoção, mas não é crível que o façam de forma substancialmente distinta do que acontece em relação a todas as outras campanhas deste tipo de superfícies.
Resta avaliar a perspectiva do próprio Pingo Doce / Jerónimo Martins e os motivos que terão estado na base de tal iniciativa. Obviamente, nem podemos olhar para a empresa como uma instituição benfeitora que procurou responder à crise que assola o País, nem tratar os seus gestores como uma trupe de malfeitores que apenas se limitaram a escoar stocks perto do fim do prazo de validade à custa de pobres e desinformados, conseguindo mesmo assim assegurar ganhos substanciais.
Bem pelo contrário, visto de fora, tenho poucas dúvidas que o Grupo perdeu dinheiro com esta promoção, E, mesmo do ponto de vista da imagem pública, esta foi uma opção de comunicação que envolveu riscos, com o volume de exposição a não se traduzir integralmente em ganhos de imagem.
Pior, como o tempo poderá comprovar, esta iniciativa poderá acarretar custos directos e indirectos substanciais, para a empresa e para o sector, que põe em causa a sua razoabilidade e motivações na perspectiva do promotor.