quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Um passo de cada vez

Comece por pensar na sua situação pessoal. Ao longo da vida, recebe um conjunto de receitas que advém do seu trabalho, de outros rendimentos gerados pelo património que possui (rendas, juros, dividendos, etc.) ou de um leque de prestações sociais de que possa usufruir.
È obviamente com base nessas receitas que vai comparticipar as despesas que queira realizar, sejam elas de investimento (como a equisição de bens móveis ou imóveis) ou de natureza corrente (como férias, roupa, alimentação, transporte, saúde ou educação, só para citar exemplos comuns).
Se, num determinado momento não tiver os recursos necessários para fazer face às despesas que pretende realizar tem uma de duas hipóteses: ou aliena património para realizar liquidez ou socorre-se de um qualquer tipo de financiamento (seja este formal, através do sector financeiro, ou informal, através por exemplo do apoio de um familiar).
Ainda assim, ambas as alternativas exigem o cumprimento de pressupostos concretos: a existência de património para alienar e a possibilidade de identificação de potenciais interessados, no primeiro caso, e a confirmação do aceso ao crédito, no segundo.
No plano financeiro, sabe também que o valor que poderá realizar com uma venda não planeada pode ser inferior ao valor “justo” do bem e que um qualquer financiamento que obtenha terá posteriormente que ser reembolsado e comportará juros que mais vão onerar o seu orçamento corrente.
Dito isto, consegue admitir uma situação em que o conjunto de despesas que tem de suportar todos os meses é sistematicamente superior ao volume de receitas que obtém? Ou seja, não só vai registando um contínuo défice orçamental mensal como vai vendo os níveis de dívida agravados de mês para mês?
E se, ao fim de algum tempo, não tiver já património passível de ser alienado? Ou se não conseguir obter qualquer financiamento? Ou se, antes mesmo dessa situação limite, os juros que lhe possam exigir são já incomportáveis para a sua normal capacidade de geração de receita?
E se, perante a falta de recursos para efectuar pagamentos, os seus normais forncedores se recusarem a prestar-lhe certos serviços ou a vender os bens? Se lhe cortarem a luz, a água ou o telemóvel. Se não tiver dinheiro suficiente para fazer as compras do mês? Se…
Admitindo que não vai enveredar por qualquer actividade ilegal, e se colocado perante este desafio, surgem-lhe duas possibilidades de actuação (que podem e devem ser compatibilizadas): actuar de forma a reduzir os seus custos e procurar obter fontes adicionais de receita.
Naturalmente, esta segunda hipótese não é automática e pode demorar o seu tempo a produzir resultados, pelo que, confrontado com a necessidade de fazer face a determinados encargos, a única solução tem que ser reduzir o seu nível de despesa mensal.
Começará por cortar o que lhe parecer supérfluo, mas poderá ter que prescindir de coisas que lhe começam a pôr claramente em causa o seu nível de bem-estar e, até, de algo que já dera como natural e adquirido nos seus padrões de consumo.
Tanto mais que, muitas das vezes, aquilo de que acha que pode abdicar não lhe custa assim tanto e o grosso da sua despesa está em áreas que considera imprescindíveis para a sua qualidade de vida.
Além do mais, como em tudo na vida, pode até tomar opções que pressupõe que terão resultados efectivos, mas que acabam por se revelar más soluções.
Objectivamente, esse empobrecimento progressivo levá-lo-á a uma situação pior do que a que tinha anteriormente, mas permitir-lhe-á chegar a um limiar em que o seu orçamento acabe por ficar equilibrado e passível de ser paulatinamente ajustado em função da nova razão de forças entre receitas e despesas.
Aqui, é provável que volte a conseguir aceder ao crédito em condições mais favoráveis e que consiga orientar o seu foco para a necessidade de geração de recursos que lhe materializem a esperança de um futuro melhor.
Nesse dia, continuará apreensivo em relação aos desafios que tem pela frente e que podem até escapar ao seu controlo directo. Mas vai dormir melhor. Mesmo tendo a certeza de que foi apenas um pequeno passo. 

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O precipício fiscal


A par com as Eleições Presidenciais de Novembro, os Estados Unidos viveram o final de 2012 sob a égide da ameaça do “precipício fiscal” – a metáfora recuperada pelo líder da Reserva Federal Norte-Americana, Ben Bernanke, para caracterizar as implicações sobre a economia americana de um conjunto de medidas fiscais que entrariam em vigor automaticamente no início do novo ano.
Recuando um pouco no tempo, cumpre lembrar que esta situação teve origem no facto de os próprios Estados Unidos (EUA) terem estado na vertigem do colapso financeiro em meados de 2011, por força do crescimento contínuo do seu défice público.
Na ocasião, o limite do défice (que nos EUA é definido pelo Congresso de forma a evitar que existam gastos excessivos) foi alargado mas foi estabelecido o compromisso de que cortes significativos na despesa do Estado teriam que ser definidos até ao final de 2012, sob pena de haver um agravamento fiscal e uma supressão de benefícios de diversa ordem, de forma automática, já a partir de 1 de Janeiro de 2013.
Na prática, os ajustes previstos poderiam corresponder a uma redução de quase 4% do PIB no défice público em um só ano, reduzindo-o para menos de metade da cifra actual.
Acontece que lá, como em outros pontos do globo, o limite do endividamento triplicou no espaço de uma década, dos Governos Clinton para a esfera de Bush e Obama, com a dívida pública a ultrapassar os 100% do PIB, o valor mais elevado em várias décadas.
Na prática, o impasse neste processo, que se arrastou até aos últimos dias do ano – e que foi mais adiado do que resolvido -, requeria um entendimento entre as principais forças políticas nos Estados Unidos, de forma a encontrar compromissos que permitissem disciplinar as contas públicas mas de forma paulatina, evitando as consequências económicas de uma política excessivamente austera.
De acordo com as estimativas dos organismos de referência, o desemprego poderia subir para os 9% e o País entraria em recessão no presente ano, com uma diminuição do produto estimada de 0,5%, em resultado da introdução automática das medidas de contenção fiscal. Entre estas, encontravam-se a supressão de benefícios concedidos na área da saúde e de alguns apoios aos desempregados, uma redução no orçamento da defesa e a remoção de benefícios fiscais para algumas franjas da população e para as empresas.
No acordo alcançado, repartiram-se as cedências entre Democratas e Republicanos, conjugando medidas de aumento de impostos com a redução de despesas através da implementação de alguns dos cortes antes enunciados.
Todavia, a discussão está ainda parar durar, visando conter a escalada dos défices públicos e combater aquilo que alguns designaram como a “spending addiction” (o vício da despesa, numa tradução literal) do Estado. Em cima da mesa, mais cortes no sistema de saúde e nas pensões, o alargamento da idade de reforma e a reestruturação da política fiscal.
Por esta altura, estará já a perguntar-se se está a ler um texto sobre os Estados Unidos ou sobre outra realidade que lhe é mais familiar. E, com as devidas diferenças de escala, enquadramento e potencial económico, a verdade é que a questão central é comum a esses e a muitos outros paises.
De uma forma resumida, cada sociedade tem que escolher o modelo de Estado que pretende, seja na sua dimensão, nos serviços que presta ou nos benefícios e apoios que proporciona, na consciência de que toda essa despesa tem que ter uma contrapartida de receita e que esta só pode provir dos cidadãos ou das empresas.
Assim, se não queremos elevar a factura fiscal que impende sobre uns e outros, com as consequências económicas que se conhecem, a única solução é encurtar o nível da despesa, definindo prioridades e racionalizando a utilização dos recursos disponíveis.
Aqueles que se recusarem a efectuar esta discussão e se limitarem a cumprir estes objectivos impelidos pelas suas próprias circunstâncias e condicionantes, mergulharão sem margem para dúvida no “precipício fiscal”. E, quando assim acontecer, o terrível ano de 2013 que vamos enfrentar será apenas uma amostra…