sexta-feira, 22 de julho de 2011

Era uma vez uma Euro-Região?

Há menos de uma década, o aprofundamento das relações económicas, sociais e culturais entre o Norte de Portugal e a Galiza era visto não apenas como um desígnio histórico mas como um fenómeno quase incontornável no quadro da aproximação crescente entre os Países da Península Ibérica nos mais diversos domínios.
Mesmo a nível dos organismos europeus e dos indissociáveis fundos comunitários que estão associados às diversas agendas políticas da União, incentivou-se de forma activa o estreitamento dos laços empresariais, científicos, turísticos, patrimoniais, entre tantas outras esferas de acção, entre os dois lados da fronteira, com vista à afirmação de uma verdadeira Euro-Região Galiza-Norte de Portugal.
Os dados estatísticos foram comprovando essa crescente interdependência aos mais diversos níveis, fosse nas trocas comerciais, no investimento directo estrangeiro ou na mobilidade laboral, ainda que esta tendesse a enfatizar a saída de recursos portugueses para Espanha – sobretudo na área da construção civil – enquanto o Pais vizinho não assistiu também a uma profunda degradação das suas condições económicas.
Com a emergência de uma nova e mais agreste conjuntura económica internacional, estas evidências tenderam a diluir-se, mas o relacionamento próximo das duas “regiões” não enfraqueceu.
Bem pelo contrário, foi visível a partilha de recursos existentes, quer ao nível das infra-estruturas portuárias e aeroportuárias, quer ao nível da conclusão de mais céleres ligações rodoviárias entre os dois lados da fronteira e a criação de ligações ferroviárias regulares entre Porto e Vigo (que se chegou a supor poderem vir a ser reforçadas com a Linha de Alta Velocidade).
Da mesma forma, concretizaram-se relevantes projectos conjuntos, de que podia merecer especial destaque o INL – Instituto Ibérico de Nanotecnologia, sedeado em Braga, caso se tivesse consumado a sua presumida proximidade com as Universidades Galegas e com a Universidade do Minho.
Pelo meio, além das iniciativas e tomadas de posições públicas da Xunta da Galicia e da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N) na defesa de objectivos comuns, também a Associação do “Eixo Atlântico” foi ganhando protagonismo na representação dos municípios da Euro-Região e na promoção de acções de sensibilização dos Governos dos dois Países, tendo em vista ultrapassar os atrasos deste território ao nível de diferentes infra-estruturas.
Todavia, sendo conceptualmente oportuna e prioritária, a actividade deste organismo tem-se revelado pouco pragmática, deixando ainda por cumprir os objectivos a que se propôs aquando da sua constituição, em 1992.
Na mesma linha, mesmo instrumentos jurídicos e financeiros estrategicamente importantes – como os AECT’s – Agrupamentos Europeus de Cooperação Territorial -, que alicerçam as novas formas de cooperação transfronteiriça no quadro das Perspectivas Financeiras da União Europeia para o período 2007-2013 têm produzido resultados algo incipientes.
Perante estes factos, a afirmação de uma Euro-Região forte careceria de uma visão clara de futuro e de uma acção determinada dos agentes políticos e da sociedade civil no seu todo, em particular dos seus principais agentes de desenvolvimento, no sentido de desenvolverem projectos que contribuíssem para objectivos partilhados e para o seu bem comum.
Não deve surpreender, pois, a reacção frágil e fragmentada às sucessivas iniciativas que contribuem objectivamente para o enfraquecimento deste projecto de desenvolvimento e que, paulatinamente, sentenciam o futuro da Euro-Região.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Sim, Portugal está "lixo"

Apesar da indignação geral, nacional e internacional, com a decisão da Moody's descer o rating da dívida portuguesa para "lixo", a mesma é tecnicamente incontestável.
A uma Agência de Rating pede-se que seja rigorosa e objectiva e transmita aos potenciais investidores em títulos de uma certa entidade se a mesma é ou não capaz de fazer face de forma cabal aos compromissos que está a assumir ou que possui em certo momento. Daí resultará obviamente a sua notação em função do nível de risco perspectivado, reunida toda a informação disponível.
Se é certo que nessa informação se conjugam dados históricos (como os níveis conhecidos de execução orçamental) e dados previsionais (como a antecipação do impacto da adopção de certas medidas ou políticas), as mesmas não podem ser ponderadas da mesma forma.
Afinal, e olhando para este caso concreto, nada nos garante que atenta a evolução recente da realidade económica e financeira do País, Portugal consiga cumprir os objectivos quantitativos constantes do Memorando assinado com a Troika, mesmo que cumpra integralmente o que aí está explicitado e que introduza até medidas adicionais como aquelas que o Governo já anunciou.
Ao contrário do que se apressariam a dizer os defensores das teses comunista e bloquista, isto não é um argumento para a capitulação das políticas orientadas para a disciplina orçamental (que acarretaria consequências catastróficas), mas também não é algo que possa ser olhado com bondade e condescendência sob um prisma técnico de apreciação.
Para este efeito, Portugal está tal qual Sócrates e seus pares o deixaram, do ponto de vista da realidade concreta e da credibilidade externa: um lixo.
Ainda a este nível, aquilo que para mim é motivo de confiança e esperança no futuro - o empenho e a capacidade do novo Governo e a sua determinação na recuperação do País - só pode merecer a indiferença dos analistas da Moody's e demais Agências de Rating até que a mesma se traduza em resultados concretos do ponto de vista orçamental.
Aliás, os Portugueses não hesitaram em considerar que Passos Coelho é um vendedor mais "fiável" para um carro em segunda mão, mas é também inquestionável que José Sócrates e seus pares sempre foram vendedores mais "ardilosos" e potencialmente mais convincentes no plano estrito do discurso.
Quando se questiona os aspectos colaterais (e até subjectivos) da análise da Moody's - a oportunidade, o timing, a justiça para com o novo Governo, ... - está-se a sugerir ou a exigir que uma Agência de Rating faça uma gestão política deste tipo de processos, o que é por si um paradoxo.
Nesta como em tantas matérias, a gestão política cabe a quem deve fazer uma gestão política e a análise técnica àqueles que devem fazer uma análise técnica, no estrito cumprimento da sua missão.
O que não me impede de considerar que, nas actuais circunstâncias, Portugal poderia bem prescindir de gastar os milhões de Euros que suporta anualmente em serviços das Agências de Rating. Não por retaliação mas por manifesta inutilidade dessa análise numa altura em que o nosso acesso aos mercados financeiros está fortemente limitado e condicionado.
Aquilo que hoje verdadeiramente importa é, como agora escreveu o ex-futuro-Ministro das Finanças Vítor Bento "concentrar a energia em fazer o que é preciso ser feito - estabilizar as finanças e promover a competitividade e o crescimento - e cerrar os dentes até que os resultados comecem a manifestar-se".
Só assim Portugal conseguirá varrer definitivamente o lixo, do seu rating e do País.