terça-feira, 30 de outubro de 2007

Valorizar o que é nosso


Tendo aproveitado parte do último fim-de-semana para pôr em dia a leitura das várias revistas e suplementos das edições das últimas semanas dos diversos periódicos de referência, achei curiosa a sucessão de alusões aos artífices de alguns produtos tradicionais da nossa região.
Algures, uma pequena reportagem sobre os artesãos do Galo de Barcelos. Na Revista Tabu, do Sol, um trabalho mais extenso sobre o trabalho da jovem designer de ourivesaria da Póvoa de Lanhoso, Liliana Guerreiro. A que se juntam vários outros trabalhos anteriores sobre, por exemplo, os lenços de namorados de Vila Verde.
Qualquer dos produtos artesanais aqui visados assenta em tradições que têm as suas raízes há já vários séculos, sendo muitos dos seus produtores actuais descendentes dos pioneiros da produção de tais peças, muitas das vezes ainda instalados em oficinas elas próprias seculares.
A forma como as Autarquias que gerem estes territórios têm sabido aproveitar e estimular o potencial destes produtos tão entranhados na sua cultura devia ser um caso de estudo para as diversas iniciativas que, pelos mesmos motivos, se poderiam reproduzir noutros contextos e espaços a nível nacional.
Em Vila Verde, o Presidente José Manuel Fernandes colocou os lenços de namorados como verdadeiros ícones da moda nacional, por via de um amplo processo de certificação e promoção (caminho entretanto seguido pelo vizinho Município de Amares), de que duas das iniciativas mais visíveis terão sido a associação a reputados estilistas e as parcerias com empresas como a TAP.
Na Póvoa de Lanhoso, a Autarquia tem-se desdobrado em esforços para reforçar a afirmação externa do sector da filigrana, assim potenciando as inúmeras iniciativas pioneiras e meritórias dos agentes privados locais.
Neste âmbito, realce para o projecto Rotas do Linho e do Ouro, agora concluído e que se iniciou em meados de 2005, numa parceria com a Câmara Municipal de Terras de Bouro, a ATHACA - Associação de Desenvolvimento das Terras Altas do Homem, Cávado e Ave (a quem cabe a coordenação), a Associação Pedras Brancas, a Associação de Turismo da Póvoa de Lanhoso e a Associação dos Industriais de Ourivesaria e Relojoaria do Norte.
Sendo financiado pela iniciativa comunitária EQUAL, este projecto teve como principais objectivos modernizar e revitalizar a arte do ouro e do linho, promovendo a filigrana e o linho, encontrar novas e eficazes soluções de comercialização e reforçar os níveis de formação dos artesãos (através da aprendizagem de novas técnicas ou a recuperação das ancestrais).
Estando especialmente orientadas para a partilha de experiências a nível internacional, as Rotas do Linho e do Ouro permitiram apoiar a criação de estratégias de marketing para a promoção dos produtos, identificar condicionalismos do mercado e estimular a introdução de novos designs e técnicas de utilização do ouro nos trabalhos em linho, conciliando-os e promovendo a sustentabilidade das artes.
A esta luz, ecos do sucesso de casos como o da Liliana Guerreiro, que este ano recebeu o Prémio Internacional de Filigrana, abrem excelentes perspectivas para o êxito desta aposta, validando também a conciliação entre a modernidade e a tradição destas artes.
Na óptica das Autarquias envolvidas nestes diferentes projectos, a valorização destes sectores reveste-se de um especial interesse estratégico com vantagens claras que vão para lá da esfera estritamente económica dos domínios abrangidos.
De facto, se é obviamente positivo o apoio aos sectores artesanais tradicionais, assegurando a manutenção de certos postos de trabalho e a criação de novas oportunidades de negócio e de emprego, bem assim como estimulando nichos de exportação, a valorização destes produtos pode ser assumida como um verdadeiro instrumento de marketing territorial.
Desde logo, porque transmitem uma imagem extremamente positiva das localidades visadas e assim contribuem para o reforço do seu potencial turístico. Por outro lado, porque conferem uma lógica estratégica à intervenção municipal, contribuindo para valorizar a identidade local e daí promover dinâmicas territoriais de desenvolvimento assentes nos recursos imateriais do território (como o seu património, a sua cultura e as suas tradições).
No fundo, algo que se tem perdido um pouco ao longo dos últimos anos: a capacidade para se dar valor ao que é nosso!

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Erradicar a Pobreza


A minha geração cresceu na companhia dominante da televisão a cores, mas terão sido imagens a preto e branco que mais terão marcado os noticiários da nossa juventude.
A uma cadência constante, repetiam-se as imagens dos milhões de desalojados, dos cadáveres amontoados pela fome, dos olhares sem esperança que se entreabriam na direcção de seios ressequidos em ossadas vivas.
Os inexistentes níveis de desenvolvimento, os múltiplos conflitos militares, as limpezas étnicas e a displicência dos principais líderes mundiais foram, entre outras, algumas das razões que levaram ao prolongamento no tempo deste tipo de situações.
À medida, porém, que esta problemática foi sendo introduzida na agenda mediática, que se organizaram diversos eventos para recolher ajudas para o combate à fome e à pobreza nos países menos desenvolvidos (com destaque para os mega-concertos realizados sob a égide de Bob Geldof) e que se intensificou a pressão da opinião pública sobre os Governantes dos países mais ricos, verificaram-se os primeiros progressos.
Paulatinamente, aumentou o volume de ajudas, facilitou-se o trabalho das Organizações Não Governamentais e assumiram-se compromissos políticos à escala mundial, mesmo que muitos continuem ainda por materializar ou com uma taxa de concretização insuficiente.
Dos Objectivos do Milénio, resultantes da Cimeira da ONU do ano 2000, e com metas concretas a atingir até ao ano 2015, aos compromissos assumidos pela União Europeia nas Cimeiras de Lisboa e Nice, também no ano 2000, são vários os passos que vêm sendo encetados para a redução da expressão deste problema mundial.
Ainda que manifestamente insuficientes, os resultados registam já alguns progressos significativos. Por exemplo, de 1990 a 2002, a percentagem de população em pobreza extrema passou de 28% para 19%, tendo 250 milhões de pessoas abandonado a situação de miséria absoluta em diversos países da Ásia.
No contexto deste combate global, talvez um dos erros que mais frequentemente tenha sido cometido é o de tomar esta realidade como um fenómeno distante, mergulhado nas impressionantes estatísticas que ainda apontam para a existência de 800 milhões de pessoas a sofrer de problemas de fome e desnutrição crónica. Que destas, morrem 18 milhões por ano, 50 mil por dia, na sua maioria mulheres e crianças. Que 11 milhões de crianças morrem antes de completarem 5 anos. Que há 1.100 milhões de pessoas que vivem com menos de 1 dólar por dia, pouco menos do que aquilo que despendemos em dois cafés.
Bem mais perto de nós, e de acordo com o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento do INE (2005), a população residente em Portugal em situação de risco de pobreza era de 19% em 2005 (20% em 2004), enquanto que a taxa de risco de pobreza dos grupos compostos por idosos vivendo sós e em famílias com dois adultos e três ou mais crianças dependentes atingia o valor máximo de 42%.
Em termos médios, a distribuição dos rendimentos caracterizava-se por uma acentuada desigualdade, na medida em que o rendimento dos 20% da população com maior rendimento era então 6,9 vezes superior ao rendimento dos 20% da população com menor rendimento.
Como parece claro, dados igualmente preocupantes, a que se poderiam juntar estatísticas igualmente pouco simpáticas sobre a percentagem de cidadãos que aufere o Salário Mínimo Nacional, o volume de desempregados, o número de sem-abrigo nas nossas cidades, o rendimento de parte substancial da população idosa, os níveis de analfabetismo ou de conclusão dos diversos graus de ensino, mesmo na população jovem.
Pelo que muitos desses dados têm de estrutural, percebe-se que o fenómeno da pobreza está para durar e exige respostas concretas e imediatas por parte dos mais diversos actores sociais.
Daí que, mais que recordar os famigerados compromissos públicos, apelar a novas políticas e prioridades neste domínio ou formular votos de uma adesão popular maciça a estas causas, dias como o que se assinalou na passada Quarta-feira (o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza) deveriam servir para dar eco público ao trabalho tantas vezes discreto, quase sempre difícil, mas muitas vezes eficaz dos muitos agentes que já se encontram empenhados nesta batalha.
Às múltiplas IPSS que prestam apoio neste domínio, às Autarquias que respondem às necessidades dos seus cidadãos mais carenciados, ao trabalho desenvolvido pelas comunidades religiosas presto, pois, a minha homenagem.
A erradicação da pobreza começa nos gestos singelos dos voluntários da Cáritas ou da Cruz Vermelha, nas iniciativas atentas de Centros Paroquiais e outras Associações de cariz religioso e social, na atenção dispensada pelos Autarcas de muitas Juntas de Freguesia.
Sem prejuízo, pois, dos grandes objectivos mundiais, a erradicação da pobreza começará sempre pela resolução dos problemas que ocorrem à nossa porta, que se cruzam connosco nas ruas da nossa cidade.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

"Eco"(s) num Congresso


Será que há espaço para um Congresso partidário discutir questões do foro económico? E para o lançar do debate sobre a melhor forma de definir os objectivos estratégicos e as prioridades de tais políticas e para confrontar os diferentes instrumentos que podem apoiar a sua concretização?
Por mais boa vontade que se possa ter, a resposta tende a ser manifestamente negativa. Como rapidamente percebe quem quer que participe ou assista a este tipo de conclaves, qualquer que seja o Partido envolvido, não é este o espaço, o formato e o conjunto de protagonistas que poderia estar na base de tal discussão.
Ainda assim, do ponto de vista programático, são aspectos predominantemente económicos os que acabam por perpassar para a opinião pública através dos meios de comunicação social: objectivos de promoção do crescimento económico; iniciativas de combate ao desemprego; reformas do Estado Social; promoção de uma maior coesão nacional através dos incentivos à dinamização do interior do País.
No que diz respeito ao Congresso do PSD, que decorreu no passado fim-de-semana em Torres Vedras, em quaisquer destes casos, o maior mediatismo dos assuntos e as ideias inovadoras que aí foram apresentadas estão intimamente associados aos discursos do novo líder do Partido, tanto mais que constavam da Moção de Estratégia Global que sufragou neste Congresso e que suportou a sua candidatura à liderança do PSD.
No que respeita à promoção do crescimento económico, Luís Filipe Menezes rejeita a ideia de uma redução imediata da carga fiscal, mesmo aquela que, incidindo sobre a actividade económica, é menos vantajosa do ponto de vista eleitoral e mais útil do ponto de vista da concretização deste objectivo, mas fundamenta-o de forma mais correcta do que o fez, por exemplo, Manuela Ferreira Leite no decurso do Congresso.
De facto, sustentou a ex-Ministra das Finanças que não apoia uma redução imediata da tributação porque “o mesmo seria reconhecer a capacidade do Governo Socialista para promover a consolidação orçamental”. Ora, pese embora o pertinente reparo feito pela Presidente da Mesa cessante sobre a comparabilidade dos dados apresentados pelo Governo quanto ao défice orçamental de 2005 e actual – questão que merecia ser escrutinada a fundo publicamente -, não pode ser utilizado um tal argumento de mero taticismo político.
Aquilo que tem que ser claro para todos é em que circunstâncias o PSD está disposto a reduzir impostos e ficamos a saber que tal só acontecerá com Luís Filipe Menezes quando “for visível uma consolidação orçamental sustentada, que equivale a um défice inferior a 2% do PIB”. Assim, o critério é discutível mas a regra é clara e a política será coerente.
Em contrapartida, o líder do PSD defende, “já para o Orçamento para 2008, um programa coordenado de promoção acelerada dos investimentos público e privado, bem como uma proposta responsável de contenção da despesa pública”.
A primeira assentará ”na adopção de um projecto estratégico de investimento público com “reprodutividade” económica, que privilegiará projectos de modernização e ampliação dos nossos principais portos, de construção de uma nova e competitiva rede ferroviária de transporte de mercadorias, de construção e manutenção de um renovado parque escolar e da restante rede rodoviária prevista no Plano Rodoviário Nacional, bem como da aceleração de projectos de reabilitação urbana”.
Para tal, pretende-se promover “modelos de financiamento assegurados por parcerias público/privadas, que transfiram, de forma justa, equilibrada e razoável, para o sector privado, parte significativa do risco, o que será facilitado na exacta medida em que se verifique uma rigorosa e eficiente gestão do QREN”.
A redução da despesa pública resultará de uma diminuição progressiva do peso do Estado na vida do País, através de uma “privatização imediata de várias áreas de negócio dependentes do Estado, de que é exemplo a área do ambiente”, no que concerne à captação e distribuição de água para consumo, ao saneamento básico e ao sector de gestão e tratamento de resíduos.
Nas actuais circunstâncias Menezes sustenta que não é possível esperar pela “capacidade de gerar um crescimento económico forte e sustentado” para atacar a situação do desemprego, pelo que avança com propostas especialmente dirigidas aos “jovens, mormente os licenciados com formações inadequadas à realidade do mercado de trabalho, e aos trabalhadores, maioritariamente mulheres, com baixas escolaridade e formação, vítimas da deslocalização de empresas de mão-de-obra intensiva”.
Tais propostas consistirão em “programas de formação/educação que, financiados pelo Estado, os habilitem com uma formação complementar em gestão, tecnologias de informação/comunicação e aprendizagem de uma nova língua, preferencialmente ligada a países das chamadas novas economias emergentes”, no caso dos primeiros, e projectos de incentivos às empresas para a reinserção no mercado de trabalho dos segundos.
Tomando apenas estes breves exemplos, talvez valesse a pena o Partido do Governo prestar alguma atenção às propostas apresentadas para estes temas que a todos importam.
Porque talvez assim pudessem também reflectir sobre o rumo traçado. Porque talvez assim percebessem melhor as reais ambições e necessidades da população. Porque talvez assim tivessem melhores resultados em questões tão sensíveis para todos.
E, como se lia no painel do palco do XXX Congresso do PSD, talvez assim ganhasse Portugal.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Erin Brockovich


A actriz Julia Roberts conquistou no ano 2000 o Óscar da Academia pela sua representação do papel de Erin Brockovich no filme com o mesmo nome do realizador Steven Soderbergh.
Mais do que a história de uma mulher que tem que colocar todo o seu espírito de sobrevivência face às múltiplas contrariedades que a vida lhe traz, o filme retrata a história verídica de uma cidadã americana que pôs em cheque uma das grandes empresas de energia pelos danos causados à saúde dos habitantes de uma cidade do deserto californiano.
Erin Brockovich podia ser uma mulher como tantas outras, divorciada, falida e com dois filhos pequenos a seu cargo, sem qualquer formação superior ou experiência prévia na área ambiental. Todavia, consegue com a sua perseverança e a ligação a um pequeno escritório de advogados accionar um processo contra a Pacific Gas and Electric de que resulta a milionária maquia de 333 milhões de dólares de indemnização à população da cidade de Hinkley.
No filme, como na vida real, Erin contacta com alguns dos habitantes dessa cidade e descobre que existe um foco cancerígeno entre os adultos e uma elevada incidência de leucemia entre as crianças. Na sequência das suas investigações, Erin apura que a Pacific Gas and Electric se socorria de um determinado produto à base de cromo para evitar a corrosão das torres de compressão da sua unidade próxima de Hinkley, o qual acabava por derramar no meio envolvente, assim contaminando os lençóis freáticos utilizados pela população desta cidade para o seu abastecimento de água.
Após a decisão judicial, ainda morreram cerca de 50 habitantes de Hinkley por problemas directamente imputáveis à contaminação das águas. A intervenção de Brockovich, porém, terá evitado males muito maiores.
A história de Erin Brockovich e o filme que a tornou conhecida do grande público tem um carácter representativo de um dos grandes debates deste início de século: a dialéctica entre a actividade económica e a preservação do meio ambiente, traduzida esta última numa das suas variantes mais relevantes para o comum dos cidadãos, qual seja a da preservação da saúde pública.
Diariamente, são muitos os relatos de elevados prejuízos ambientais que resultam de diferentes actividades económicas, desde a escala planetária (como o propalado buraco da camada de ozono e as alterações climáticas decorrentes) ao impacto sobre certos ecossistemas ou territórios por força da acção particular de certas entidades.
A nível nacional, tem estado especialmente na berra a discussão sobre o impacto das linhas de alta tensão sobre as populações das zonas que são atravessadas pelas mesmas.
Após uma intensa batalha judicial, o Supremo Administrativo recusou um recurso da decisão tomada pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, datada de Julho, que mandou desligar os novos cabos de 220 kV da linha Fanhões-Trajouce (Amadora-Cascais), para gáudio da população de Monte Abraão, em Sintra, a mais directamente envolvida na contestação ao traçado que está a funcionar desde Abril.
Na sequência, também a Associação de Moradores de Vale Fuzeiros, em Silves, organizou uma manifestação em Lisboa contra o traçado da linha de muito alta tensão Tunes-Portimão, que se encontra ainda em construção.
Os moradores das zonas envolventes aos traçados defendem o enterramento das linhas (o que até minimiza as perdas de energia mas tem um custo dez vezes superior, segundo a empresa) ou um superior afastamento das zonas residenciais.
No caso do Algarve, não deixa de ser curioso que o actual traçado tenha sido escolhido em detrimento de um outro, mais a Norte, que não mereceu a aprovação do Ministério do Ambiente (via Instituto de Conservação da Natureza), por atravessar uma zona onde se pretende apoiar a instalação de uma comunidade de linces.
As palavras do presidente da REN, José Penedos, expressam bem o tipo de questão em apreço, ao lembrar que as dificuldades que estão a ser colocadas podem pôr em risco “a segurança de abastecimento” e que "não há provas dos efeitos das linhas sobre a saúde”. Aliás, José Penedos frisa também que “se os campos electromagnéticos se vierem a revelar nocivos, não será por passarem debaixo de terra que deixam de o ser".
É precisamente esta ambiguidade que devia motivar especiais cuidados a qualquer entidade e em especial a organismos públicos, a quem se exige a adopção de critérios prudenciais redobrados.
Sabendo-se que sobre esta matéria e outras análogas existe uma panóplia alargada de estudos internacionais, das mais reputadas e independentes organizações, não seria difícil tentar estabelecer um parâmetro mínimo, genericamente aceite, que funcionasse como cláusula de salvaguarda para as dúvidas que ainda existem nesta esfera.
O que não é admissível é que ao mesmo tempo que vemos o Ministério da Economia a querer promover a instalação das linhas no Sul do País seja noticiada a iniciativa da Delegação de Saúde de Guimarães promover um estudo, em parceria com o Hospital de Guimarães e o Instituto Português de Oncologia, sobre a eventual ligação dos casos de cancro detectados em Serzedelo (Guimarães) e a presença de torres de electricidade de muito alta tensão.
Será que, também aqui, temos que esperar pelo aparecimento de uma qualquer Erin Brockovich?

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

O ardil


No exercício das suas funções, qualquer governante ou autarca tem que solucionar uma equação difícil no que respeita ao equilíbrio entre os objectivos que pretende concretizar e os recursos que lhes quer ou poderá afectar face às condicionantes que incidem sobre o orçamento de que dispõe.
Não raras vezes, a única forma de ultrapassar tal dificuldade passa por elencar prioridades, de cariz temporal e financeiro, executando em primeira instância aqueles projectos (materiais ou imateriais) que mais benefícios possam trazer às populações, sob a restrição do volume de receitas que podem despender.
Ao fazê-lo, estão a aplicar princípios essenciais da chamada Teoria do Consumidor: afinal, os ditos governantes ou autarcas terão que maximizar a sua satisfação (medida pelo bem-estar gerado para a população ou, por via indirecta, pelo grau de apreço pelo seu trabalho), sujeitos a restrições de cariz orçamental (o seu “rendimento”) e ao custo dos projectos que irão realizar (o montante de investimento que lhes está associado).
Em cada momento, resultará deste conjunto de ponderações uma solução de equilíbrio que se traduzirá no leque de iniciativas que irão constar do seu Plano de Actividades e Orçamento anuais.
Como qualquer consumidor, o governante ou autarca tentará socorrer-se dos projectos mais baratos para obter um mesmo nível de satisfação (adesão popular) e tentará aumentar o mais possível o seu rendimento/orçamento (para elevar ao máximo o número de realizações).
Neste último prisma, porém, uma vez que parte substancial das suas receitas advêm de verbas subtraídas ao público-alvo das suas acções (por via de impostos, taxas e outras fontes), os ditos responsáveis terão que evitar lesar os seus objectivos pela apreciação negativa que pode estar associada a tal “caça à receita”.
É aqui que entra, normalmente, a criatividade dos responsáveis públicos, ao procurarem, por todas as vias ao seu alcance, ultrapassar essas restrições e assim maximizarem a sua “satisfação”.
De entre as várias alternativas possíveis ou já aplicadas, o recurso a parcerias público-privadas assume-se como uma opção natural, uma vez que não só permite a transferência de parte substancial do risco económico e financeiro dos projectos para o parceiro privado, como possibilita o aproveitamento de um superior domínio técnico de certas áreas e uma maior capacidade de gestão desse mesmo parceiro.
Bem diferente, porém, é a solução encontrada por Autarquias como Braga ou Guimarães para a concretização de diversos projectos municipais, desenvolvendo uma modalidade de “parceria público-privada” que se resume a um financiamento privado da acção municipal.
Num e outro caso as propostas foram já aprovadas pelos órgãos municipais e deverá estar para breve o concurso público que permitirá a selecção do(s) parceiro(s) privado(s) que darão corpo ao negócio em questão.
Na engenhosa iniciativa destas e outras Autarquias, a “parceria” sustenta-se na criação de uma sociedade anónima de capitais maioritariamente privados (para que não seja abrangida pela Lei das Finanças Locais), para a qual o ente público irá transferir a propriedade de um certo número de terrenos ou equipamentos nos quais se irão concretizar, a expensas do privado, as obras projectadas.
Decorrido o prazo estabelecido (em torno dos 25 anos), todos esses activos e as construções/intervenções aí realizadas voltam a reverter para o ente público, mediante condições a incluir no acordo parassocial que agora será acordado entre a Autarquia e o(s) privado(s) que vença(m) o concurso público.
Nesse mesmo acordo, será estabelecido o valor da renda a pagar pelo ente público ao ente privado durante o período de vigência da “parceria” e outras cláusulas de salvaguarda que serão prioritariamente orientadas para a defesa do interesse do(s) privado(s).
Em suma, o privado financia e executa (mediante uma clara violação do princípio da livre concorrência) imediatamente os projectos municipais e assegura um retorno certo para o seu investimento através da renda que irá auferir durante o período de vigência da “parceria”.
Quanto à perspectiva da Autarquia, disponibilizará de imediato os equipamentos às populações e deixará para os Autarcas vindouros e para as populações futuras a factura das obras que agora tão agilmente irá concretizar, escapando de forma ardilosa às amarras da Lei das Finanças Locais e aos sintomas de uma situação financeira própria manifestamente depauperada.
Curiosamente, nas próprias propostas aprovadas é expresso que se “impõe saber, através de estudos técnicos, na óptica do investimento, do plano do projecto, da exploração e do financiamento, se, por um lado, a empresa tem viabilidade económica e, mais importante, qual o impacto da PPP a constituir, a médio e longo prazo, nas finanças do Município”, algo que face à “urgência” de avançar com esta iniciativa a Autarquia não cuidou de acautelar.
Há, todavia, em todo este processo um espectador que rapidamente terá que tomar posição. Ao impor tais condicionalismos na Lei das Finanças Locais e ao emitir vários juízos negativos sobre práticas como a titularização de receitas futuras, o Governo quis impor um conjunto de restrições ao exercício da Gestão Municipal.
Se permitir a generalização deste tipo de iniciativas, esse mesmo Governo (ou os que se lhe seguirão) confrontar-se-á com a assunção de pesados encargos perante os parceiros privados por um número muito significativo de Autarquias do País (só em Braga, os projectos a englobar na parceria ascendem aos 70 milhões de Euros).
Ora, ou entende o Governo que as suas orientações iniciais são válidas e tem que colocar um travão neste processo ou acha legítimo que as Autarquias actuais adoptem este tipo de procedimentos. Nesse caso, mais vale suprimir os limites ao endividamento autárquico: sempre torna o processo mais fácil, transparente e até, bastante mais económico para as finanças municipais.