segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Erin Brockovich


A actriz Julia Roberts conquistou no ano 2000 o Óscar da Academia pela sua representação do papel de Erin Brockovich no filme com o mesmo nome do realizador Steven Soderbergh.
Mais do que a história de uma mulher que tem que colocar todo o seu espírito de sobrevivência face às múltiplas contrariedades que a vida lhe traz, o filme retrata a história verídica de uma cidadã americana que pôs em cheque uma das grandes empresas de energia pelos danos causados à saúde dos habitantes de uma cidade do deserto californiano.
Erin Brockovich podia ser uma mulher como tantas outras, divorciada, falida e com dois filhos pequenos a seu cargo, sem qualquer formação superior ou experiência prévia na área ambiental. Todavia, consegue com a sua perseverança e a ligação a um pequeno escritório de advogados accionar um processo contra a Pacific Gas and Electric de que resulta a milionária maquia de 333 milhões de dólares de indemnização à população da cidade de Hinkley.
No filme, como na vida real, Erin contacta com alguns dos habitantes dessa cidade e descobre que existe um foco cancerígeno entre os adultos e uma elevada incidência de leucemia entre as crianças. Na sequência das suas investigações, Erin apura que a Pacific Gas and Electric se socorria de um determinado produto à base de cromo para evitar a corrosão das torres de compressão da sua unidade próxima de Hinkley, o qual acabava por derramar no meio envolvente, assim contaminando os lençóis freáticos utilizados pela população desta cidade para o seu abastecimento de água.
Após a decisão judicial, ainda morreram cerca de 50 habitantes de Hinkley por problemas directamente imputáveis à contaminação das águas. A intervenção de Brockovich, porém, terá evitado males muito maiores.
A história de Erin Brockovich e o filme que a tornou conhecida do grande público tem um carácter representativo de um dos grandes debates deste início de século: a dialéctica entre a actividade económica e a preservação do meio ambiente, traduzida esta última numa das suas variantes mais relevantes para o comum dos cidadãos, qual seja a da preservação da saúde pública.
Diariamente, são muitos os relatos de elevados prejuízos ambientais que resultam de diferentes actividades económicas, desde a escala planetária (como o propalado buraco da camada de ozono e as alterações climáticas decorrentes) ao impacto sobre certos ecossistemas ou territórios por força da acção particular de certas entidades.
A nível nacional, tem estado especialmente na berra a discussão sobre o impacto das linhas de alta tensão sobre as populações das zonas que são atravessadas pelas mesmas.
Após uma intensa batalha judicial, o Supremo Administrativo recusou um recurso da decisão tomada pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, datada de Julho, que mandou desligar os novos cabos de 220 kV da linha Fanhões-Trajouce (Amadora-Cascais), para gáudio da população de Monte Abraão, em Sintra, a mais directamente envolvida na contestação ao traçado que está a funcionar desde Abril.
Na sequência, também a Associação de Moradores de Vale Fuzeiros, em Silves, organizou uma manifestação em Lisboa contra o traçado da linha de muito alta tensão Tunes-Portimão, que se encontra ainda em construção.
Os moradores das zonas envolventes aos traçados defendem o enterramento das linhas (o que até minimiza as perdas de energia mas tem um custo dez vezes superior, segundo a empresa) ou um superior afastamento das zonas residenciais.
No caso do Algarve, não deixa de ser curioso que o actual traçado tenha sido escolhido em detrimento de um outro, mais a Norte, que não mereceu a aprovação do Ministério do Ambiente (via Instituto de Conservação da Natureza), por atravessar uma zona onde se pretende apoiar a instalação de uma comunidade de linces.
As palavras do presidente da REN, José Penedos, expressam bem o tipo de questão em apreço, ao lembrar que as dificuldades que estão a ser colocadas podem pôr em risco “a segurança de abastecimento” e que "não há provas dos efeitos das linhas sobre a saúde”. Aliás, José Penedos frisa também que “se os campos electromagnéticos se vierem a revelar nocivos, não será por passarem debaixo de terra que deixam de o ser".
É precisamente esta ambiguidade que devia motivar especiais cuidados a qualquer entidade e em especial a organismos públicos, a quem se exige a adopção de critérios prudenciais redobrados.
Sabendo-se que sobre esta matéria e outras análogas existe uma panóplia alargada de estudos internacionais, das mais reputadas e independentes organizações, não seria difícil tentar estabelecer um parâmetro mínimo, genericamente aceite, que funcionasse como cláusula de salvaguarda para as dúvidas que ainda existem nesta esfera.
O que não é admissível é que ao mesmo tempo que vemos o Ministério da Economia a querer promover a instalação das linhas no Sul do País seja noticiada a iniciativa da Delegação de Saúde de Guimarães promover um estudo, em parceria com o Hospital de Guimarães e o Instituto Português de Oncologia, sobre a eventual ligação dos casos de cancro detectados em Serzedelo (Guimarães) e a presença de torres de electricidade de muito alta tensão.
Será que, também aqui, temos que esperar pelo aparecimento de uma qualquer Erin Brockovich?

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