terça-feira, 17 de julho de 2007

Não venda, ofereça!


Se costuma efectuar juízos precipitados, poderá estar já a questionar-se se os parcos dias de calor de Verão da última semana já me terão diminuído a lucidez e se, por conseguinte, valerá a pena acompanhar este devaneio até ao final.
Presumo, então, que se lhe disser que o motivo que me levou a escrever sobre este tema foi a comparação entre o número de espectadores de dois dos últimos concertos que Tony Carreira realizou na cidade de Braga só conseguirei aumentar a perplexidade do leitor desta coluna.
A questão surgiu no âmbito de uma discussão sobre a resistência de adesão dos Bracarenses a qualquer evento pago, fosse ele de natureza cultural, desportiva ou outra, e por mais baixo que fosse o preço aplicado à iniciativa em questão.
A este propósito, evocou-se o confronto do número de pessoas que assistiram aos referidos concertos do popular artista nacional, realizados num mesmo local, com o intervalo de quase dois anos, em que cerca de 30.000 pessoas participaram no espectáculo gratuito enquanto que menos de metade de tal cifra aderiu ao concerto com preços simbólicos.
É óbvio que são vários os factores que impedem que esta seja uma comparação linear e justa, sustentada naquilo que os economistas gostam de designar como a condição “ceteris paribus”. Afinal, a verdade é que nem todos os demais factores que condicionaram o número de espectadores destes eventos se mantiveram constantes (desde logo, porque o evento gratuito foi o primeiro de vários concertos realizados pelo cantor em zonas próximas de Braga ao longo dos últimos dois anos).
Para lá do caso concreto, a questão poderá seguramente colocar-se em relação a outras iniciativas e seguramente também fora do contexto local. Será que, neste tipo de bens/serviços, a elasticidade-preço da procura (a forma como a quantidade procurada reage a variações de preço) é efectivamente tão elevada mesmo quando os preços se aproximam significativamente de zero?
Do ponto de vista económico, poder-se-á pensar que a questão subjacente a tal discussão é puramente académica, uma vez que não parece minimamente razoável que qualquer entidade com fins lucrativos pudesse sequer considerar a “alienação” gratuita do seu bem ou serviço, podendo também questionar-se a sua capacidade de abastecer um mercado potencialmente ilimitado…
Começando por este segundo aspecto, regra geral, o risco de que a empresa se deparasse com um mercado “infinito” é relativamente reduzido tendo em conta que, para lá do factor preço, existem outras variáveis que condicionam a procura dos consumidores, com especial relevo para a sua escala de preferências: não é certo que todos os agentes económicos/cidadãos queiram consumir um bem, por mais que o mesmo lhes seja oferecido. De qualquer forma, caso a empresa optasse por esta decisão estratégica, não seria improvável que a mesma pudesse deixar uma parcela de consumidores sem produto para fazer face ao seu volume de procura.
Quanto à primeira questão – poderá uma empresa com fins lucrativos considerar sequer a “oferta” dos seus produtos -, a verdade é que existem já exemplos abundantes de bens e serviços que são facultados gratuitamente aos seus consumidores potenciais.
Atente-se, por exemplo, ao caso dos jornais gratuitos. Poderiam parecer à partida um “produto” algo estranho, mas a verdade é que se trata hoje de um sector de actividade em franca expansão, não só nas tiragens dos vários títulos existentes, como até na segmentação de mercado que começa a ocorrer com o aparecimento de edições temáticas (economia, desporto, imobiliário, cultura,…) e com a publicação de edições geograficamente diferenciadas.
O sucesso destes projectos é tanto mais pertinente para a discussão em curso neste artigo quanto se verifica que os periódicos tradicionais têm registado uma tendência inversa, com uma queda generalizada nos volumes de vendas e na sua capacidade de angariação de publicidade.
De igual forma, e ainda na esfera da comunicação social, veja-se o que se passou com muitos dos títulos que tentaram restringir a subscritores o volume de informação inicialmente disponibilizado nas suas edições on-line e que tiveram que posteriormente inverter a rota para permitir o acesso aos mesmos conteúdos a título gratuito.
Pois bem, dirão, a verdade é que nestes casos, o grosso do volume de facturação não provém das vendas do bem em si, mas antes do volume de publicidade angariada e paga, em alguns casos, a peso de ouro.
Isto é, mais do que “vender a informação” aos seus leitores/visitantes, noticiosa no caso dos ditos jornais gratuitos, ou qualquer outro tipo de conteúdos no caso dos diversos sítios da Internet, os seus promotores estão alienar “tráfego” e um volume significativo de destinatários/contactos-directos aos seus anunciantes.
Ora, como em qualquer negócio, o segredo está mesmo em saber identificar e aproveitar as oportunidades, por mais que elas rompam com os cânones tradicionais dos manuais de economia e gestão.

terça-feira, 10 de julho de 2007

O novo adepto da bola


Antes, era vê-los de rádio de pilhas encostado ao ouvido, o palito no canto da boca para disfarçar o nervosismo, o perdigoto fácil à mínima falha do árbitro ou do jogador da sua equipa, o jornal “A Bola” a fazer de almofada improvisada para atenuar o frio da bancada, a face ainda ruborizada pelo garrafão que se entornara entre duas febras e um prato de arroz de miúdos, na sombra onde o carro ficou estacionado para que a mulher pudesse atacar com conforto o tricot de mais uma tarde de Domingo.
Hoje, os adeptos de futebol já têm acesso em condições preferenciais ao novel Museu Berardo, escusam-se a ir aos estádios porque optam pelo clima ameno, a facilidade de estacionamento e a tranquilidade do lar que a televisão por cabo sempre assegura, regateiam o preço dos bilhetes por causa da perda de qualidade do espectáculo que lhes é proporcionado.
Se houve, indiscutivelmente, uma sofisticação dos gostos e exigências do adepto-cliente, ao qual muitos dos agentes de mercado não conseguem dar ainda uma resposta adequada, este será porventura um dos poucos sectores de actividade em que os consumidores se dedicam a discussões intensas sobre os fundamentos do próprio negócio.
Qual é, hoje em dia, o adepto que não está devidamente familiarizado com os conceitos de merchandising, cross-selling, sponsorização, passivo, sustentabilidade financeira e outros que entram recorrentemente no dia-a-dia das colectividades desportivas de cariz profissional?
A esta luz, uma qualquer contratação do defeso já não é apenas avaliada pela sua importância desportiva imediata, vendo, pelo contrário, detalhadamente escrutinada a sua capacidade de geração de retornos e mais-valias futuras em posteriores transacções do seu passe.
De igual forma, a criação de uma Academia de Formação, um Centro de Estágio ou outras infra-estruturas conexas são já apreendidas como investimentos estratégicos e estruturantes que podem assegurar o equilíbrio financeiro de médio-longo prazo do Clube em questão, merecendo o carinho dos vários adeptos-investidores e do “mercado” em geral.
Alguém se lembraria, há alguns anos atrás, de discutir a razoabilidade de uma determinada aquisição de um jogador com base no risco de a mesma pôr em causa o tecto salarial estabelecido para o plantel?
Neste momento, o mais comum dos adeptos não hesitará em defender que uma gestão financeira avisada do Clube deve sustentar um maior aproveitamento dos recursos internos, um aumento da sua produtividade e, por arrastamento, uma melhoria da sua competitividade externa, doméstica ou internacional…
Com a emergência das Sociedades Anónimas Desportivas, então, os adeptos-accionistas descobriram todo um conjunto de novas terminologias e conceitos, fossem do foro estritamente contabilístico (como o Resultado Líquido, o Passivo Financeiro, o Activo Imobilizado), fossem do foro do mercado de capitais (como as Comissões de Guarda de Títulos, os Preços de Subscrição, os Volumes Negociados, a Política de Dividendos, os Aumentos de Capital, a Cotação das acções e suas variações diárias).
Quem é que hoje se dedica a avaliar a capacidade táctica de um treinador e o potencial físico e técnico de uma atleta se tem sobre a mesa a dúvida sobre a existência de uma OPA-Oferta Pública de Aquisição aos títulos do seu clube, a posição do Conselho de Administração da SAD, a reacção da Assembleia-Geral, o término do período de registo ou a possibilidade de uma contra-OPA?
E não será esta uma oportunidade de ouro para se debruçar sobre os diferentes tipos de acções existentes, as implicações da obtenção de uma maioria qualificada do capital da Sociedade, a possibilidade de salvaguardar direitos de veto sobre determinadas matérias da gestão da mesma?
O adepto de hoje pode até nem ter bem presentes as implicações das mudanças da legislação laboral, os novos regimes da segurança social ou as principais medidas que resultam de cada Orçamento de Estado. Mas há algum que não fique apreensivo com as implicações da alteração do regime fiscal dos futebolistas nas renovações em curso no seu clube ou na capacidade de recrutar jogadores de outros clubes europeus?
Há alguns anos atrás, as primeiras privatizações instigaram o capitalismo popular e trouxeram para o mercado de capitais investidores com reduzida cultura financeira.
Neste período recente, as mudanças em curso no futebol profissional praticamente exigem que cada adepto tenha lições de economia para acompanhar a vida do seu clube de eleição…

segunda-feira, 2 de julho de 2007

A acreditação dos Analistas Financeiros


Ao longo da última semana, li em diversos órgãos de comunicação social que a CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários se vem mostrando preocupada com a forma como são tornadas públicas e disseminadas as várias análises sobre as empresas cotadas no mercado bolsista, seja através de estudos formais (as vulgares notas de research), seja através de referências públicas de analistas, identificados ou não.
Como é sabido, a divulgação destas informações acaba por ter bastante impacto no comportamento de parte significativa dos investidores, mormente particulares, porquanto na sempre difícil busca pelo maior volume de informação possível sobre cada activo financeiro, estes tendem a confiar nas avaliações efectuadas pelos “profissionais” de mercado.
Neste contexto, está lançado o debate em torno da necessidade de impor regras adicionais sobre estes agentes de mercado, para lá daquelas que decorrem dos normativos europeus e que foram já vertidas para a legislação nacional, nomeadamente através do Decreto-Lei nº 52/2006, de 15 de Março e do Regulamento da CMVM nº 6/2006.
A nível internacional, proliferam situações muito heterogéneas quanto às exigências de Acreditação dos Analistas Financeiros e demais profissionais de investimento.
Nalguns casos, tal obrigatoriedade decorre da intervenção directa das Entidades de Supervisão dos Mercados de âmbito nacional, noutros, de processos de auto-regulação das próprias Associações de Profissionais.
Em muitas circunstâncias, também, considera-se que as necessidades de qualificação dos Analistas Financeiros acabam por ser plenamente satisfeitas graças ao livre funcionamento do mercado, razão pela qual não é necessário impor modelos de Acreditação formais ao exercício da profissão.
Noutros países, porém, com especial ênfase para os Estados Unidos e para o Reino Unido, proliferam as exigências impostas pelas autoridades de supervisão que redundam normalmente na necessidade de acreditação das várias classes de profissionais de investimento.
Do ponto de vista legal ou regulamentar, a União Europeia não impõe um processo de Acreditação formal nem reconhece oficialmente nenhuma das principais Designações de Analistas Financeiros e demais profissionais de investimento já existentes (como o CEFA – Certified European Financial Analyst, o CFA – Chartered Financial Analyst ou o CIIA – Certified International Investment Analyst).
Ainda assim, a Comissão Europeia criou em 2002 um grupo de trabalho – o “Fórum Group” - a quem incumbiu de produzir recomendações nesta matéria. O “Forum Group” não sugeriu a adopção de nenhuma Designação oficial, optando por identificar os requisitos exigíveis para o exercício da profissão, que são facilmente cumpridos pelos detentores de Designações como o CEFA, o CIIA ou o CFA.
No Relatório que elaborou, o “Forum Group” considera que Analistas Financeiros competentes são fundamentais para a preservação da integridade do mercado e para o fortalecimento da confiança dos investidores. O Grupo foi unânime na conclusão de que os Analistas devem estar profundamente preparados ao nível dos princípios éticos e dos melhores padrões de conduta profissional, bem assim como, de aspectos relevantes do enquadramento legal e regulamentar dos mercados em que actuam.
Até ao momento, apenas algumas entidades reguladoras optaram por proceder à Acreditação dos Analistas Financeiros, situação em que têm optado por validar certos Programas de Formação específicos ou permitir a acreditação automática dos detentores das Designações Internacionais (CEFA, CIIA, CFA).
Assim acontece, por exemplo, em Hong Kong, no Brasil, na Polónia e na Grécia. Em outros países, começa a ser exigido o registo prévio dos Analistas Financeiros e dos profissionais de investimento, embora sem qualquer critério de admissibilidade.
Nos casos em que as Entidades de Supervisão ainda não adoptaram qualquer fórmula de Acreditação, vêm sendo as Associações nacionais a assumir a iniciativa de desenvolver programas específicos de formação, a redigir Códigos de Ética e Conduta Profissional de adesão obrigatória para os seus membros, entre várias outras acções.
Este é o caso da APAF – Associação Portuguesa de Analistas Financeiros, quer através do seu Código de Conduta do Analista Financeiro, quer através das Pós-graduações em Análise Financeira que conferem o título CEFA e que são promovidas há vários anos em colaboração com o ISEG – Instituto Superior de Economia e Gestão e com a Faculdade de Economia do Porto.
Em matéria de informação mais relevante emanada da Comissão Europeia, realce para a Comunicação da Comissão Europeia de 12/12/2006 e para a Directiva 2003/125/CE (que regulamenta determinados aspectos da Directiva 2003/6/CE).
Como já foi referido, parte substancial da Regulamentação existente em Portugal que incide sobre a actividade dos Analistas Financeiros, decorre da transposição para o ordenamento jurídico nacional de legislação da União Europeia, a qual, por sua vez, teve em vista reforçar os níveis de transparência do mercado e combater potenciais conflitos de interesses.
Em linha com o que se passa a nível internacional, presentemente existe apenas uma obrigatoriedade de registo dos Analistas Financeiros junto da CMVM e um conjunto de orientações para a identificação dos trabalhos que estes produzem.
A possibilidade de criação de um regime de Acreditação dos profissionais destas áreas, enquanto condição sine qua non para o exercício da sua actividade é, ainda assim, uma possibilidade em aberto que apenas carece de vontade política para avançar nesse sentido mas que poderia seguramente contribuir para a dignificação, credibilização e responsabilização dos profissionais desta tão exigente actividade.