sábado, 30 de abril de 2011

Totus Tuus. Sempre nosso.

O Cristianismo é, historicamente, muito anterior às bases da economia de mercado, razão pela qual não é possível encontrar no legado dos Evangelhos mensagens ou referências sobre a postura dos homens em relação à actividade económica.
Aliás, quem recorda o chamamento de Cristo ”vai, vende o que tens e dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me” ou as diversas palavras de enaltecimento à pobreza e ao desapego dos bens materiais, poderia mesmo presumir a reprovação do envolvimento dos fiéis na economia.
Na verdade, porém, sem jamais perder a sua coerência e traves mestras, o pensamento da Igreja tem acompanhado a complexidade dos diferentes contextos históricos, procurando enquadrar a intervenção de todos os agentes à luz dos seus princípios e dos fins que devem presidir à actividade humana, através de diversas orientações doutrinais e pastorais.
No plano económico, em particular, releva a importância da Encíclica “Rerum Novarum”, da autoria do Papa Leão XXIII, datada de 15 de Maio de 1891, que versava a revolução industrial do século XIX e consagrava temas como o direito ao salário e à propriedade privada (já antes expresso na Encíclica ”Quod Apostolici Muneris” de 28 de Dezembro de 1878).
Na “Rerum Novarum” podia ler-se que o “exercício do direito de propriedade é não só permitido, mas absolutamente necessário”, expressando uma forte crítica aos modelos colectivistas vigentes ao referir que “a abolição da propriedade privada teria como consequência a igualdade na miséria”.
Alguns destes princípios enformam o que é comum designar como a Doutrina Social da Igreja - o conjunto de critérios que permitem, a cada momento, interpretar as realidades sociais, culturais, económicas e políticas e aferir da sua conformidade com os ensinamentos do Evangelho sobre a pessoa humana, a sua vocação terrena e transcendente, proporcionando uma aplicação dinâmica dos ensinamentos de Cristo às realidades e circunstâncias das sociedades e culturas concretas.
Na base desta Doutrina Social, de que resulta, seguramente, uma Doutrina Económica, está o mandamento do amor, pilar de toda a moral cristã, como elemento integrador da moral com a análise política e económica, através das quais o cristão pode também expressar a sua fé.
Por acréscimo, a Doutrina Social da Igreja assenta em quatro princípios fundamentais: a dignidade da pesoa humana, o bem comum, a subsidariedade e a solidariedade.
Ao longo do seu pontificado, o Papa João Paulo II deu um contributo determinante para o aprofundamento destes princípios e para a afirmação das causas sociais na doutrina da Igreja, não hesitando em assumir uma postura igualmente crítica às práticas colectivistas do comunismo do Leste e às tendências recentes da globalização e do capitalismo desenfreado.
A este nível, o seu percurso fica marcado pelas Encíclicas “Laborem Exercens”, de 15/09/1981, sobre o trabalho humano; a “Sollicitudo Rei Socialis’, de 30/01/1987, sobre as transformações económico-político-sociais, por ocasião do 20º aniversário da “Populorum Progressio”, do Papa Paulo VI; e a “Centesimus Annus”, de Maio de 1991, por ocasião dos 100 anos da “Rerum Novarum”.
Segundo João Paulo II, à Igreja não compete “apresentar soluções técnicas para as graves e urgentes questões sociais”, nem a sua doutrina social se pode “apresentar como uma ‘terceira via’ entre o capitalismo liberal e o colectivismo marxista”, apesar dos seus postulados se terem assumido como um dos fundamentos éticos da corrente da Economia Personalista.
Nas suas intervenções, João Paulo II clamou “pela supressão do abismo que separa ricos cada vez mais ricos às custas de pobres cada vez mais pobres”, pela “garantia dos direitos humanos dos povos todos” e pelo “combate aos dramas da exclusão”, assumindo a sua confiança na “bondade do ser humano” e propondo a “globalização da solidariedade” como forma de consagrar o “direito ao desenvolvimento” a todas as nações.
Mais do que centrar-se na abordagem estritamente redistributiva, a leitura que o Papa fez dos fenómenos económicos levaram-no a realçar o espírito empreendedor, o virtuosismo do indivíduo, desde que em respeito pelos princípios éticos e colocando o seu labor e capacidades ao serviço do bem comum.
Na “Centesimus Annus”, o Papa enfatiza a sua interpretação da capacidade empresarial, associando-a “à inteligência e capacidade de assumir riscos e descobrir novas oportunidades no processo de mercado, que possam oferecer respostas mais eficientes a muitos problemas humanos ainda não solucionados”.
Nesta linha, “a raiz ética e cultural da economia empresarial moderna será a liberdade integral da pessoa humana, assente num sólido contexto político-jurídico”, que seja capaz de prevenir o que a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) designou como os “pecados sociais”: o “egoísmo”, o “consumismo”, a “corrupção”, a “desarmonia do sistema fiscal”, ou a “exclusão social”.
Na sua Carta Pastoral “Responsabilidade solidária pelo bem comum”, esta Conferência apelava a todos os cidadãos para trilharem um caminho que teve, ao longo dos últimos 28 anos, o exemplo sereno, terno e carismático de Karol Wojtila: da esperança contra os pessimismos, da confiança contra os derrotismos, da participação contra os passivismos.
Parte, agora, com o nosso carinho, admiração e respeito e, seguramente, com o sentido do dever cumprido.

Publicado a 05.04.2005

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Contrato com o futuro

Segundo uma das citações mais conhecidas de John Maynard Keynes, “no longo prazo, estamos todos mortos”, do que se poderia depreender uma focalização absoluta das políticas públicas no imediato e no bem-estar das gerações presentes.
Todavia, tal como acontece na esfera individual, de há muito que os responsáveis políticos vêm tomando em linha de conta as ambições e necessidades dos seus descendentes, ou não fossem tais governantes pais e avós tal como os demais cidadãos.
Ora, o instinto protector para com a sua família não é um traço distintivo dos Homens face a muitas outras espécies animais, tal é o volume de actos expressivos que a natureza nos proporciona diariamente.
Ainda assim, há dois aspectos que são obviamente específicos dos Humanos e que acarretam claras implicações sobre a matéria em apreço: o primeiro é que, para lá desse natural afecto para com os seus entes próximos, a maioria dos Humanos prossegue (ou aceita) uma lógica de preservação e perpetuação da sua própria espécie; o segundo, e ainda mais importante, é que esses Humanos têm consciência que os seus actos de hoje podem e terão consequências directas sobre o bem-estar das gerações futuras.
Daí que, embora suscitando ainda uma ampla controvérsia no plano legal e filosófico, a afirmação de um princípio que pugne pelo estabelecimento de condições para a equidade inter-geracional tem vindo a ganhar adeptos nos mais diversos meios políticos, económicos e sociais, daqui resultando já várias iniciativas concretas.
Em termos formais, as primeiras corporizações deste princípio surgiram a nível internacional na esfera ambiental, umbilicalmente ligadas à emergência do conceito de desenvolvimento sustentável.
Na antecâmara dos vários acordos celebrados sobre esta matéria, encontram-se os múltiplos estudos efectuados que davam conta do inevitável esgotamento dos recursos naturais do Planeta caso se mantivesse o modelo de crescimento económico em vigor, assim pondo em causa a subsistência das gerações vindouras.
A par com tais evidências de cariz económico-ambiental, as preocupações nesta área tenderam a diversificar-se, à medida em que se tornaram claros os sinais das alterações climáticas, do aquecimento global do Planeta e, em sentido positivo, em que o progresso tecnológico e do conhecimento científico permitiu estancar o desenvolvimento de alguns dos fenómenos nocivos antes identificados como sérias ameaças à sobrevivência futura da espécie.
Paulatinamente, porém, a aplicação deste princípio foi perpassando para uma multiplicidade de outras áreas: assim aconteceu com a assunção da responsabilidade inter-geracional de salvaguarda do património cultural, material e imaterial; assim se justifica(ra)m muitos dos estudos médico-científicos que poderiam levantar questões delicadas do ponto de vista ético; assim se vem procedendo a sucessivas reformulações dos sistemas de segurança social dos diversos Países, em resposta às alterações das condições demográficas, económicas e sociais em que estes assentavam, tendo por pilar base este mesmo princípio da solidariedade inter-geracional.
De uma forma mais ampla, a questão pode hoje colocar-se em relação a todo o tipo de decisões das diversas instâncias de Governo que ponham em causa a ideia de que cabe a cada geração gerir e escolher o destino dos recursos gerados por essa mesma geração.
Levado ao extremo, esse princípio poria em causa a possibilidade de recurso ao endividamento por parte de qualquer organismo público, uma vez que essa prática traduz o endossar de uma factura para as gerações vindouras de uma parcela de despesa/investimento que é realizada hoje.
Pior ainda, também à luz deste princípio, seria toda e qualquer utilização antecipada de receitas futuras, seja através de operações financeiras - como a securitização de créditos supervenientes -, seja através de operações económicas, como a alienação ou concessão de activos abaixo do seu valor justo de mercado.
Como contra-argumento, há quem invoque a ideia de que o resultado dos investimentos hoje realizados irá igualmente beneficiar e servir essas gerações vindouras, sendo justo que as mesmas suportem parte do custo da respectiva concretização.
Ainda assim, não está garantido que tais recursos financeiros serão canalizados para investimento e, ainda que o sejam, que o mesmo se traduz em algo de realmente benéfico para a população, seja pela análise do seu retorno material ou imaterial presente e/ou futuro, seja pela avaliação do seu custo de oportunidade.
De entre as múltiplas iniciativas adoptadas no plano internacional sobre esta matéria, com especial incidência nas sociedades mais desenvolvidas, permito-me citar dois exemplos mais recentes.
Em Portugal, os Deputados da JSD Pedro Rodrigues e António Leitão Amaro prepararam nesta legislatura um conjunto de contributos para uma possível “Lei de Bases da Justiça Inter-geracional”, a qual, entre outros instrumentos, transpunha para a realidade nacional a figura do Alto-Comissário para as Novas Gerações, a quem caberia efectuar um juízo sobre a avaliação do impacto financeiro para as novas gerações das principais opções de políticas públicas.
Na Hungria, o Fidesz – partido conservador no poder – propõe-se adoptar uma reforma constitucional que conduza à aplicação, pioneira ainda que adaptada, do sistema eleitoral proposto pelo demógrafo americano Paul Demeny em 1986.
A saber, tendo em conta que os menores não podem votar e que não está assim assegurada a defesa directa dos interesses das gerações vindouras, este sistema propõe-se atribuir mais votos aos seus responsáveis legais (os pais), em proporção do número de filhos menores, reforçando o seu papel no processo de escolha das políticas hoje prosseguidas com potencial impacto futuro.
Seja qual for o mecanismo adoptado, este princípio estará cada vez mais na primeira linha das reivindicações populares, com o impacto e destaque que outros movimentos socialmente disruptivos assumiram ao longo das últimas décadas.
O que, em verdade se diga, acaba por ser um paradoxo: como pode alguém exigir o melhor para as gerações vindouras, se não parece claro que queira hoje o melhor para si?

terça-feira, 19 de abril de 2011

Nós e os outros

Na recorrente narrativa do Governo de José Sócrates e do Partido Socialista, que todos os factos e estatísticas contraditam, as dificuldades que o País enfrenta de forma estrutural, mas que se agravaram sobremaneira nos últimos 16 anos de domínio socialista da governação do País, continuam a ser fruto da imaginação de analistas e detractores da Oposição.
Assim sendo, os constrangimentos financeiros graves com que nos deparámos e a superveniente necessidade de recurso à ajuda externa traduziram apenas o resultado prático de uma espécie de conspiração cósmica, através da qual os especuladores dos mercados financeiros quiseram testar a sustentabilidade das economias mais frágeis da Zona Euro e contaram para o efeito com o apoio de uma Oposição interna “sedenta de poder”.
Por todos estes motivos, apesar do esforço inicial para destrinçar a situação Portuguesa da Grega e da Irlandesa – quem não se recorda da reacção abespinhada do Primeiro-Ministro perante a insistência dos jornalistas internacionais -, é hoje comum ouvir-se responsáveis e apoiantes do Partido Socialista a juntarem-se ao coro contra as Agências de Rating e a citarem artigos como o do sociólogo Robert Fishman no New York Times.
Segundo este autor, é questionável a razoabilidade e a legitimidade da actual intervenção externa, que Fishman considera mesmo ser atentatória da liberdade política no nosso País.
À margem de tais argumentários de cariz eminentemente político, a situação dos dois países que já enfrentaram (e continuam a deparar-se) com uma situação semelhante à nossa deve servir-nos de alerta e termo de comparação a três níveis fundamentais: a análise das circunstâncias que determinaram o recurso à ajuda externa, os condicionalismos e as políticas decorrentes da intervenção do FMI e da União Europeia e as perspectivas para o período subsequente a tal intervenção.
Sob a primeira perspectiva de análise, a situação é de certa forma paradoxal. Afinal, segundo os números “oficiais”, a situação Portuguesa não era/é tão gravosa como a dos seus parceiros europeus.
Por outro lado, a verdade é que, ao contrário do que sucedeu com a Grécia, o Governo Português já tinha iniciado um conjunto de políticas de contenção orçamental – desde medidas mais remotas, como as restrições à contratação pública impostas por Manuela Ferreira Leite no seu curto mandato como Ministra das Finanças, até às mais recentes políticas de austeridade vertidas para os diferentes PEC’s e para o Orçamento de Estado de 2011.
Ainda assim, é também indesmentível que a Grécia e a Irlanda nunca se depararam com dificuldades de acesso aos mercados financeiros tão sérias como as que obrigaram Portugal a suportar taxas de juro incomportáveis, que chegaram a ultrapassar os 10% em diferentes maturidades de financiamento em momento anterior à vinda da referida ajuda externa.
Quanto às consequências directas da intervenção, pese embora esteja ainda em curso o vasto conjunto de negociações que determinará as contrapartidas (e os compromissos) nacionais com vista à viabilização da ajuda externa – tanto mais incerto quanto o determina o actual cenário de indefinição política no nosso País -, não será porém de esperar soluções muito diferenciadas face às receitas aplicadas nos outros países.
Como não poderá deixar de ser, a posologia assentará nos dois pilares tradicionais para quem persegue um objectivo de equilíbrio orçamental: contenção na despesa (corrente e de investimento) e aumento da receita (aqui condicionada ao objectivo de viabilizar a recuperação económica a médio prazo).
Para tal, além de aumento de impostos específicos, antecipa-se uma profunda transformação da Administração Pública, quer no que concerne à organização administrativa do Estado, à gestão do Sector Público Empresarial, à redefinição das responsabilidades sociais do Estado perante os cidadãos e à reestruturação de certos serviços públicos, até à badalada possibilidade de redução de salários e de corte de vínculos na função pública.
De forma mais ou menos directa, estes últimos efeitos acabarão por se repercutir no sector privado, de forma tanto mais vincada quanto o natural cenário de retracção económica - que já se anuncia se prolongará por mais alguns anos- , venha a colocar pressão sobre o mercado de trabalho, o que conduzirá a uma inevitável flexibilização da legislação laboral.
Resta, pois, analisar as perspectivas futuras, aspecto no qual me parece que as situações hoje vividas pela Grécia e Irlanda, devem servir de referencial para o que se seguirá no futuro próximo em Portugal.
Afinal, apesar dos focos hoje circunscritos de contestação, o aspecto mais preocupante centra--se no facto de que o problema financeiro parece estar longe de ficar resolvido, estando já em cima da mesa a possibilidade de uma reestruturação mais profunda da dívida (com o alargamento do prazo de vigência da intervenção e, logo, das medidas de contenção e do horizonte de reembolso da dívida ou de um eventual perdão de parte da mesma).
Sem qualquer tipo de exagero, sugere-se já em determinados círculos que a Grécia comece a ponderar a alienação de algumas das suas ilhas…
Ora, Portugal jamais poderá deparar-se com uma situação análoga, sob pena de perder de forma irreversível a sua credibilidade nos mercados internacionais.
Para tal, o plano que agora vier a ser acordado tem que dar resposta aos reais problemas financeiros do País (sendo imperiosa a auditoria exaustiva dos mesmos) e definir condições que sejam exequíveis do ponto de vista do esforço nacional para assegurar o reembolso da dívida.
O que, obviamente, não se compadece com estratégias políticas de cariz pré-eleitoral…

terça-feira, 12 de abril de 2011

Cidadania Empresarial

No espaço de dois dias pude ouvir duas intervenções públicas de Alexandre Soares dos Santos, o “segundo homem mais rico de Portugal” segundo a Revista Forbes, na qual o empresário enfatizou as críticas à forma como o País tem sido desgovernado ao longo dos últimos anos e ao sistema político no seu todo.
No primeiro caso, tratou-se da entrevista conduzida por José Gomes Ferreira dos “Negócios da Semana” da SIC Notícias, que teve lugar no dia em que o Governo finalmente reconheceu a necessidade do recurso à ajuda externa, depois de “meter a cabeça na areia durante seis anos” segundo o entrevistado do programa.
No segundo, na passada Sexta-feira, o líder do Grupo Jerónimo Martins participou em Braga em mais uma iniciativa do núcleo local da ACEGE – Associação Cristã de Empresários e Gestores, subordinada ao tema “Portugal tem futuro!”, correspondendo plenamente à mensagem de positivismo e superação que a organização presidida por António Pinto Leite quer veicular a nível nacional junto da classe empresarial.
De forma coerente, as ditas intervenções expressaram pontos de vista similares sobre questões idênticas, ainda que ajustadas à natureza das circunstâncias e dos interlocutores. Assim, repetiram-se as ideias de que os principais males do nosso País são a “inércia”, a “incompetência”, a “falta de sentido de Estado”, a “perda da noção de ética” e a “passividade da Sociedade Civil”.
Para o actual Governo, sobraram as críticas pela forma como procurou ocultar a realidade da situação do País e retardou a intervenção determinada sobre os problemas que estão na base da crise económica e financeira com que nos confrontamos.
Para os partidos políticos em geral, ficou o reparo sobre o seu excessivo distanciamento da realidade das pessoas, sobre a perda de qualidade dos quadros partidários (“cujos currículos profissionais deviam ser conhecidos”) e sobre a forma como conduzem as suas intervenções sem atenção ao interesse do País.
Ainda assim, entende, as principais culpas estão na Sociedade Civil, pela forma como se acomodou, como se entregou ao “endossar de queixas para terceiros” e como se absteve de cumprir o seu papel, dando o seu melhor para ultrapassar as dificuldades com que nos fomos deparando.
Para o futuro, a solução é só uma: por entre os sacrifícios, trabalho, de forma a sustentar a esperança convicta de que seremos capazes de ultrapassar a crise e de nos motivarmos para fazer melhor, “assumindo as nossas próprias responsabilidades”.
Através deste tipo de intervenções corajosas e desassombradas – que vão muito para lá da contestação hoje socialmente correcta ao regime democrático e a status quo partidário, Soares dos Santos tem vindo a conseguir uma crescente simpatia popular, que o colocam num patamar superior ao que a sua capacidade de gestão e o sucesso do seu projecto internacional por si só já justificariam.
Na verdade, os portugueses estão mais habituados ao discurso empresarial que oscila entre “as portas abertas e tem que se agradar a todos” e a adesão subserviente – por vezes até despudorada - à defesa de quem está no poder.
Sendo certo que os empresários não são, nem devem ser, strictu sensu, agentes políticos, os silêncios cúmplices com opções políticas erradas de quem nos governa, a falta de uma cultura de exigência e de apresentação de propostas e caminhos, co-responsabiliza-os pelos erros cometidos e pela grave situação que o País atravessa.
E se são legítimos os receios de discriminação ou até de perseguição de quem podem ser alvo pelo mero exercício da sua liberdade de opinião, a solução talvez esteja na concertação de esforços e de posições, nomeadamente no quadro das suas associações mais representativas, como também sugeria Soares dos Santos.
A este propósito, o prestigiado empresário lembrava que essas Associações têm que ser menos dependentes do Estado e das verbas públicas para o seu financiamento, têm que ser mais representativas e prestigiadas pelas suas empresas com a designação dos seus principais responsáveis para os diferentes órgãos, e têm de se “deixar de preocupar com coisas pequenas para apresentar projectos e soluções para a defesa da iniciativa privada e da economia nacional”.
Neste âmbito, permito-me introduzir o principal ponto de discordância em relação à perspectiva corporizada na opinião do líder da Jerónimo Martins. Reconhecendo as capacidades e competências dos seus principais quadros e o contributo positivo que os mesmos poderiam dar para a resolução de problemas concretos da governação, seria caso para perguntar: quantos se sentiriam hoje motivados para enveredar por uma carreira política perante as condições que, a todos os títulos, são hoje proporcionadas a quem toma essa opção?
E não deveria, no pleno exercício de uma real cidadania empresarial, caber a pessoas como Alexandre Soares dos Santos criar os estímulos para que o País fosse efectivamente governado pelos melhores?

terça-feira, 5 de abril de 2011

A educação da criança


Logo agora que o grupo de música popular “Orquestra Chave d’Ouro” conseguiu familiarizar uma parte substancial da população com os acordes e a letra do hit que fez furor nos bailaricos de Verão e que poderia servir de música de fundo à generalidade das últimas campanhas eleitorais, os responsáveis políticos decidiram mudar o tom da discussão, muito em linha com a transformação social e cultural protagonizada pelo Governo (ainda) em funções.
Em bom rigor, se muitas das polémicas de anteriores actos eleitorais se prendiam com a “pesada herança” que os diversos Governos endossavam aos seus sucessores, hoje em dia é manifestamente inútil discutir a paternidade da criança.
Além dos últimos 6 anos - da era de José Sócrates, o Primeiro -, o Partido Socialista esteve à frente do Governo de Portugal em 13 dos últimos 16 anos, sendo fácil perceber que ele é o maior responsável (quase exclusivo, até) pela degradação da nossa competitividade económica, pelo agravamento das desigualdades sociais e pela diminuição da coesão territorial do País, pelo crescimento exponencial dos níveis de desemprego e pela calamitosa situação das nossas contas públicas.
Neste último aspecto, chega a ser confrangedor assistir à sucessão de declarações dos principais responsáveis do Governo e do PS, quando procuram alijar as suas responsabilidades nos sucessivos downgrades do rating da República (para níveis próximos do “lixo”, na perda de credibilidade do País junto dos mercados financeiros, na exponencial subida dos juros suportados pelos nossos financiamentos externos e pela iminente necessidade de recurso à ajuda externa para ultrapassar a grave crise financeira com que hoje nos deparamos.
Afinal, não há máquina de comunicação que possa iludir as evidências: as inúmeras revisões dos dados das contas públicas ao longo dos últimos anos, seja em termos previsionais, seja mesmo em termos de dados finais (como agora voltou a acontecer com a imputação dos valores já suportados com o processo BPN); a referida subida da dívida pública e da dívida externa do País (que, segundo dados do Banco de Portugal, representava já cerca de 230% do PIB no final de 2010); as dificuldades com que um número crescente de Portugueses e empresas se deparam no seu dia-a-dia, naturalmente agravadas por políticas erradas e erráticas na sua coerência e sentido estratégico.
Por tudo isto, é claramente estéril discutir quem é o “pai da criança”, sendo sobretudo pertinente olhar para o futuro e saber como a vamos preparar para enfrentar as dificuldades do mundo que a rodeia, para corrigir as suas deficiências e vícios ganhos nos anos mais recentes e para lhe devolver a esperança de uma vida melhor.
Neste âmbito, há claramente visões dissonantes. Há quem teime em seguir uma educação pela via da aprendizagem auto-didacta que tão fracos resultados tem proporcionado nos tempos mais recentes. Há quem sugira que deve retirar-se a tutela da criança ao seu pai e entregá-la ao padrasto para este optar sobre a melhor solução para a sua formação. Há quem defenda que a mesma deve ficar sob alçada do padrinho e que deve ser este a aproveitar os meios ao seu alcance e as suas competências económicas para acompanhar mais de perto o seu desenvolvimento próximo.
Há, também, quem opte pela via da frequência de um colégio externo, ou sob a batuta austera de uma Directora alemã, ou sob o signo do rigor de um Dean norte-americano ou, até, numa solução mista associada a um programa de intercâmbio global.
A este propósito, citam-se mesmo os exemplos dos colegas Grego e Irlandês, precursores deste modelo, dando nota de que as crianças sobreviveram ao embate e têm vindo a registar melhorias sensíveis nos seus resultados, ainda que beneficiando da consciencialização pública dos sacrifícios que seria necessário efectuar para inverter a situação.
Em Portugal, seguindo ainda a linha deste texto, há que ter consciência que, qualquer que seja o modelo por que se possa optar ou que venhamos a ser obrigados a implementar, é forçoso fazer um diagnóstico prévio das necessidades de aprendizagem da criança.
De uma vez por todas, é preciso conhecer-se toda a realidade e deixar de trabalhar para estatísticas ilusórias, com a agravante de apenas nos estarmos a iludir a nós próprios e a fazer retardar medidas que são incontornáveis.
Mesmo admitindo que os dados das contas públicas estão formalmente correctos, cumpre lembrar que há um vasto conjunto de encargos que aí não estão reflectidos por via das responsabilidades assumidas em sede de parcerias público-privadas, que terão que ser suportadas pelas gerações vindouras.
Pior, em virtude das normas estabelecidas para os perímetros de consolidação de empresas do Sector Empresarial do Estado e de outras entidades, há inúmeros défices que mais cedo ou mais tarde terão que ser incorporados nas contas públicas mas que não são hoje relevados pela contabilidade oficial.
Ao contrário do que parece ser a opinião dominante nos meios políticos, eu considero ser moralmente obrigatório proceder-se a uma real auditoria da situação financeira do Estado, a cargo de uma entidade ou de um grupo de peritos independentes, sob o eventual patrocínio da Presidência da República, cujo resultado devia ser conhecido antes das próximas Eleições Legislativas.
A educação da criança começa por se saber, com verdade, o que podemos esperar para o seu futuro.