Cidadania Empresarial
No espaço de dois dias pude ouvir duas intervenções públicas de Alexandre Soares dos Santos, o “segundo homem mais rico de Portugal” segundo a Revista Forbes, na qual o empresário enfatizou as críticas à forma como o País tem sido desgovernado ao longo dos últimos anos e ao sistema político no seu todo.
No primeiro caso, tratou-se da entrevista conduzida por José Gomes Ferreira dos “Negócios da Semana” da SIC Notícias, que teve lugar no dia em que o Governo finalmente reconheceu a necessidade do recurso à ajuda externa, depois de “meter a cabeça na areia durante seis anos” segundo o entrevistado do programa.
No segundo, na passada Sexta-feira, o líder do Grupo Jerónimo Martins participou em Braga em mais uma iniciativa do núcleo local da ACEGE – Associação Cristã de Empresários e Gestores, subordinada ao tema “Portugal tem futuro!”, correspondendo plenamente à mensagem de positivismo e superação que a organização presidida por António Pinto Leite quer veicular a nível nacional junto da classe empresarial.
De forma coerente, as ditas intervenções expressaram pontos de vista similares sobre questões idênticas, ainda que ajustadas à natureza das circunstâncias e dos interlocutores. Assim, repetiram-se as ideias de que os principais males do nosso País são a “inércia”, a “incompetência”, a “falta de sentido de Estado”, a “perda da noção de ética” e a “passividade da Sociedade Civil”.
Para o actual Governo, sobraram as críticas pela forma como procurou ocultar a realidade da situação do País e retardou a intervenção determinada sobre os problemas que estão na base da crise económica e financeira com que nos confrontamos.
Para os partidos políticos em geral, ficou o reparo sobre o seu excessivo distanciamento da realidade das pessoas, sobre a perda de qualidade dos quadros partidários (“cujos currículos profissionais deviam ser conhecidos”) e sobre a forma como conduzem as suas intervenções sem atenção ao interesse do País.
Ainda assim, entende, as principais culpas estão na Sociedade Civil, pela forma como se acomodou, como se entregou ao “endossar de queixas para terceiros” e como se absteve de cumprir o seu papel, dando o seu melhor para ultrapassar as dificuldades com que nos fomos deparando.
Para o futuro, a solução é só uma: por entre os sacrifícios, trabalho, de forma a sustentar a esperança convicta de que seremos capazes de ultrapassar a crise e de nos motivarmos para fazer melhor, “assumindo as nossas próprias responsabilidades”.
Através deste tipo de intervenções corajosas e desassombradas – que vão muito para lá da contestação hoje socialmente correcta ao regime democrático e a status quo partidário, Soares dos Santos tem vindo a conseguir uma crescente simpatia popular, que o colocam num patamar superior ao que a sua capacidade de gestão e o sucesso do seu projecto internacional por si só já justificariam.
Na verdade, os portugueses estão mais habituados ao discurso empresarial que oscila entre “as portas abertas e tem que se agradar a todos” e a adesão subserviente – por vezes até despudorada - à defesa de quem está no poder.
Sendo certo que os empresários não são, nem devem ser, strictu sensu, agentes políticos, os silêncios cúmplices com opções políticas erradas de quem nos governa, a falta de uma cultura de exigência e de apresentação de propostas e caminhos, co-responsabiliza-os pelos erros cometidos e pela grave situação que o País atravessa.
E se são legítimos os receios de discriminação ou até de perseguição de quem podem ser alvo pelo mero exercício da sua liberdade de opinião, a solução talvez esteja na concertação de esforços e de posições, nomeadamente no quadro das suas associações mais representativas, como também sugeria Soares dos Santos.
A este propósito, o prestigiado empresário lembrava que essas Associações têm que ser menos dependentes do Estado e das verbas públicas para o seu financiamento, têm que ser mais representativas e prestigiadas pelas suas empresas com a designação dos seus principais responsáveis para os diferentes órgãos, e têm de se “deixar de preocupar com coisas pequenas para apresentar projectos e soluções para a defesa da iniciativa privada e da economia nacional”.
Neste âmbito, permito-me introduzir o principal ponto de discordância em relação à perspectiva corporizada na opinião do líder da Jerónimo Martins. Reconhecendo as capacidades e competências dos seus principais quadros e o contributo positivo que os mesmos poderiam dar para a resolução de problemas concretos da governação, seria caso para perguntar: quantos se sentiriam hoje motivados para enveredar por uma carreira política perante as condições que, a todos os títulos, são hoje proporcionadas a quem toma essa opção?
E não deveria, no pleno exercício de uma real cidadania empresarial, caber a pessoas como Alexandre Soares dos Santos criar os estímulos para que o País fosse efectivamente governado pelos melhores?
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