Totus Tuus. Sempre nosso.
O Cristianismo é, historicamente, muito anterior às bases da economia de mercado, razão pela qual não é possível encontrar no legado dos Evangelhos mensagens ou referências sobre a postura dos homens em relação à actividade económica.
Aliás, quem recorda o chamamento de Cristo ”vai, vende o que tens e dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me” ou as diversas palavras de enaltecimento à pobreza e ao desapego dos bens materiais, poderia mesmo presumir a reprovação do envolvimento dos fiéis na economia.
Na verdade, porém, sem jamais perder a sua coerência e traves mestras, o pensamento da Igreja tem acompanhado a complexidade dos diferentes contextos históricos, procurando enquadrar a intervenção de todos os agentes à luz dos seus princípios e dos fins que devem presidir à actividade humana, através de diversas orientações doutrinais e pastorais.
No plano económico, em particular, releva a importância da Encíclica “Rerum Novarum”, da autoria do Papa Leão XXIII, datada de 15 de Maio de 1891, que versava a revolução industrial do século XIX e consagrava temas como o direito ao salário e à propriedade privada (já antes expresso na Encíclica ”Quod Apostolici Muneris” de 28 de Dezembro de 1878).
Na “Rerum Novarum” podia ler-se que o “exercício do direito de propriedade é não só permitido, mas absolutamente necessário”, expressando uma forte crítica aos modelos colectivistas vigentes ao referir que “a abolição da propriedade privada teria como consequência a igualdade na miséria”.
Alguns destes princípios enformam o que é comum designar como a Doutrina Social da Igreja - o conjunto de critérios que permitem, a cada momento, interpretar as realidades sociais, culturais, económicas e políticas e aferir da sua conformidade com os ensinamentos do Evangelho sobre a pessoa humana, a sua vocação terrena e transcendente, proporcionando uma aplicação dinâmica dos ensinamentos de Cristo às realidades e circunstâncias das sociedades e culturas concretas.
Na base desta Doutrina Social, de que resulta, seguramente, uma Doutrina Económica, está o mandamento do amor, pilar de toda a moral cristã, como elemento integrador da moral com a análise política e económica, através das quais o cristão pode também expressar a sua fé.
Por acréscimo, a Doutrina Social da Igreja assenta em quatro princípios fundamentais: a dignidade da pesoa humana, o bem comum, a subsidariedade e a solidariedade.
Ao longo do seu pontificado, o Papa João Paulo II deu um contributo determinante para o aprofundamento destes princípios e para a afirmação das causas sociais na doutrina da Igreja, não hesitando em assumir uma postura igualmente crítica às práticas colectivistas do comunismo do Leste e às tendências recentes da globalização e do capitalismo desenfreado.
A este nível, o seu percurso fica marcado pelas Encíclicas “Laborem Exercens”, de 15/09/1981, sobre o trabalho humano; a “Sollicitudo Rei Socialis’, de 30/01/1987, sobre as transformações económico-político-sociais, por ocasião do 20º aniversário da “Populorum Progressio”, do Papa Paulo VI; e a “Centesimus Annus”, de Maio de 1991, por ocasião dos 100 anos da “Rerum Novarum”.
Segundo João Paulo II, à Igreja não compete “apresentar soluções técnicas para as graves e urgentes questões sociais”, nem a sua doutrina social se pode “apresentar como uma ‘terceira via’ entre o capitalismo liberal e o colectivismo marxista”, apesar dos seus postulados se terem assumido como um dos fundamentos éticos da corrente da Economia Personalista.
Nas suas intervenções, João Paulo II clamou “pela supressão do abismo que separa ricos cada vez mais ricos às custas de pobres cada vez mais pobres”, pela “garantia dos direitos humanos dos povos todos” e pelo “combate aos dramas da exclusão”, assumindo a sua confiança na “bondade do ser humano” e propondo a “globalização da solidariedade” como forma de consagrar o “direito ao desenvolvimento” a todas as nações.
Mais do que centrar-se na abordagem estritamente redistributiva, a leitura que o Papa fez dos fenómenos económicos levaram-no a realçar o espírito empreendedor, o virtuosismo do indivíduo, desde que em respeito pelos princípios éticos e colocando o seu labor e capacidades ao serviço do bem comum.
Na “Centesimus Annus”, o Papa enfatiza a sua interpretação da capacidade empresarial, associando-a “à inteligência e capacidade de assumir riscos e descobrir novas oportunidades no processo de mercado, que possam oferecer respostas mais eficientes a muitos problemas humanos ainda não solucionados”.
Nesta linha, “a raiz ética e cultural da economia empresarial moderna será a liberdade integral da pessoa humana, assente num sólido contexto político-jurídico”, que seja capaz de prevenir o que a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) designou como os “pecados sociais”: o “egoísmo”, o “consumismo”, a “corrupção”, a “desarmonia do sistema fiscal”, ou a “exclusão social”.
Na sua Carta Pastoral “Responsabilidade solidária pelo bem comum”, esta Conferência apelava a todos os cidadãos para trilharem um caminho que teve, ao longo dos últimos 28 anos, o exemplo sereno, terno e carismático de Karol Wojtila: da esperança contra os pessimismos, da confiança contra os derrotismos, da participação contra os passivismos.
Parte, agora, com o nosso carinho, admiração e respeito e, seguramente, com o sentido do dever cumprido.
Publicado a 05.04.2005
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