segunda-feira, 25 de abril de 2011

Contrato com o futuro

Segundo uma das citações mais conhecidas de John Maynard Keynes, “no longo prazo, estamos todos mortos”, do que se poderia depreender uma focalização absoluta das políticas públicas no imediato e no bem-estar das gerações presentes.
Todavia, tal como acontece na esfera individual, de há muito que os responsáveis políticos vêm tomando em linha de conta as ambições e necessidades dos seus descendentes, ou não fossem tais governantes pais e avós tal como os demais cidadãos.
Ora, o instinto protector para com a sua família não é um traço distintivo dos Homens face a muitas outras espécies animais, tal é o volume de actos expressivos que a natureza nos proporciona diariamente.
Ainda assim, há dois aspectos que são obviamente específicos dos Humanos e que acarretam claras implicações sobre a matéria em apreço: o primeiro é que, para lá desse natural afecto para com os seus entes próximos, a maioria dos Humanos prossegue (ou aceita) uma lógica de preservação e perpetuação da sua própria espécie; o segundo, e ainda mais importante, é que esses Humanos têm consciência que os seus actos de hoje podem e terão consequências directas sobre o bem-estar das gerações futuras.
Daí que, embora suscitando ainda uma ampla controvérsia no plano legal e filosófico, a afirmação de um princípio que pugne pelo estabelecimento de condições para a equidade inter-geracional tem vindo a ganhar adeptos nos mais diversos meios políticos, económicos e sociais, daqui resultando já várias iniciativas concretas.
Em termos formais, as primeiras corporizações deste princípio surgiram a nível internacional na esfera ambiental, umbilicalmente ligadas à emergência do conceito de desenvolvimento sustentável.
Na antecâmara dos vários acordos celebrados sobre esta matéria, encontram-se os múltiplos estudos efectuados que davam conta do inevitável esgotamento dos recursos naturais do Planeta caso se mantivesse o modelo de crescimento económico em vigor, assim pondo em causa a subsistência das gerações vindouras.
A par com tais evidências de cariz económico-ambiental, as preocupações nesta área tenderam a diversificar-se, à medida em que se tornaram claros os sinais das alterações climáticas, do aquecimento global do Planeta e, em sentido positivo, em que o progresso tecnológico e do conhecimento científico permitiu estancar o desenvolvimento de alguns dos fenómenos nocivos antes identificados como sérias ameaças à sobrevivência futura da espécie.
Paulatinamente, porém, a aplicação deste princípio foi perpassando para uma multiplicidade de outras áreas: assim aconteceu com a assunção da responsabilidade inter-geracional de salvaguarda do património cultural, material e imaterial; assim se justifica(ra)m muitos dos estudos médico-científicos que poderiam levantar questões delicadas do ponto de vista ético; assim se vem procedendo a sucessivas reformulações dos sistemas de segurança social dos diversos Países, em resposta às alterações das condições demográficas, económicas e sociais em que estes assentavam, tendo por pilar base este mesmo princípio da solidariedade inter-geracional.
De uma forma mais ampla, a questão pode hoje colocar-se em relação a todo o tipo de decisões das diversas instâncias de Governo que ponham em causa a ideia de que cabe a cada geração gerir e escolher o destino dos recursos gerados por essa mesma geração.
Levado ao extremo, esse princípio poria em causa a possibilidade de recurso ao endividamento por parte de qualquer organismo público, uma vez que essa prática traduz o endossar de uma factura para as gerações vindouras de uma parcela de despesa/investimento que é realizada hoje.
Pior ainda, também à luz deste princípio, seria toda e qualquer utilização antecipada de receitas futuras, seja através de operações financeiras - como a securitização de créditos supervenientes -, seja através de operações económicas, como a alienação ou concessão de activos abaixo do seu valor justo de mercado.
Como contra-argumento, há quem invoque a ideia de que o resultado dos investimentos hoje realizados irá igualmente beneficiar e servir essas gerações vindouras, sendo justo que as mesmas suportem parte do custo da respectiva concretização.
Ainda assim, não está garantido que tais recursos financeiros serão canalizados para investimento e, ainda que o sejam, que o mesmo se traduz em algo de realmente benéfico para a população, seja pela análise do seu retorno material ou imaterial presente e/ou futuro, seja pela avaliação do seu custo de oportunidade.
De entre as múltiplas iniciativas adoptadas no plano internacional sobre esta matéria, com especial incidência nas sociedades mais desenvolvidas, permito-me citar dois exemplos mais recentes.
Em Portugal, os Deputados da JSD Pedro Rodrigues e António Leitão Amaro prepararam nesta legislatura um conjunto de contributos para uma possível “Lei de Bases da Justiça Inter-geracional”, a qual, entre outros instrumentos, transpunha para a realidade nacional a figura do Alto-Comissário para as Novas Gerações, a quem caberia efectuar um juízo sobre a avaliação do impacto financeiro para as novas gerações das principais opções de políticas públicas.
Na Hungria, o Fidesz – partido conservador no poder – propõe-se adoptar uma reforma constitucional que conduza à aplicação, pioneira ainda que adaptada, do sistema eleitoral proposto pelo demógrafo americano Paul Demeny em 1986.
A saber, tendo em conta que os menores não podem votar e que não está assim assegurada a defesa directa dos interesses das gerações vindouras, este sistema propõe-se atribuir mais votos aos seus responsáveis legais (os pais), em proporção do número de filhos menores, reforçando o seu papel no processo de escolha das políticas hoje prosseguidas com potencial impacto futuro.
Seja qual for o mecanismo adoptado, este princípio estará cada vez mais na primeira linha das reivindicações populares, com o impacto e destaque que outros movimentos socialmente disruptivos assumiram ao longo das últimas décadas.
O que, em verdade se diga, acaba por ser um paradoxo: como pode alguém exigir o melhor para as gerações vindouras, se não parece claro que queira hoje o melhor para si?

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