domingo, 24 de agosto de 2008

De Portugal a Pequim


No momento em que escrevo estas linhas, os Portugueses ainda estão a acabar de “lamber as feridas” da primeira semana de desilusões com a prestação dos nossos atletas nos Jogos Olímpicos de Pequim.
Desde esta madrugada, porém, o bom desempenho da Vanessa – desculpem a familiaridade mas assim é que nós tratamos os nossos que ganham -, o promissor arranque do Nelson e os resultados positivos na vela fazem-nos supor que o quadro acabará por não ser tão negro quanto o estávamos já a pintar.
Sendo um extraordinário evento desportivo, as Olimpíadas são, como sempre foram, um veículo de afirmação da capacidade social, económica e até política de cada uma das Nações presentes.
Uma boa prestação dos atletas de cada País é, assim, uma manifestação de força da “raça” (se posso também usar o mote Presidencial) e um estímulo para o reforço do orgulho nacional.
Em épocas de especiais desencantos como aquela que hoje vivemos mais premente se torna a necessidade de encontrar vias alternativas de fortalecimento da alma mater lusitana.
Mas, pode perguntar-se: será efectivamente legítima a avaliação tão crítica que dirigimos ao grosso da representação nacional nos Jogos?
Pessoalmente, confesso que não deixei de contribuir para o engrossar do coro de impropérios e adjectivos menos simpáticos que foram dirigidos a muitos dos nossos atletas, em especial àqueles em que depositávamos maiores esperanças na obtenção de bons resultados.
Fi-lo, todavia, por via desse maldito hábito de um adepto fervoroso do Desporto que sempre tenta assistir em directo às prestações dos representantes portugueses nestas competições.
Poucas horas depois, o duche matinal e o bom senso recuperado depois da noite mal dormida volta a trazer à liça a questão: seria expectável termos a nível desportivo uma prestação muito superior à que temos nos demais quadrantes da sociedade?
Quantos portugueses temos na elite mundial em cada uma das vertentes artísticas? Quantas são as personalidades políticas de referência no plano internacional? Quantas das nossas empresas e gestores estão entre os melhores do seu sector a nível mundial? Em que lugar nos posicionamos nos rankings internacionais de competitividade, produtividade e demais indicadores de desempenho?
Será assim tão mau termos vários atletas entre os vinte, trinta ou quarenta melhores do mundo na sua especialidade? Neste prisma, o terem conseguido a qualificação para os Jogos é ou não a “medalha” a que muitos podem aspirar e que nos deve deixar satisfeitos?
Se uma empresa vê os seus resultados aumentar, se aumenta o seu volume de vendas, a quota de mercado, a qualidade ou notoriedade dos seus produtos pode ser criticada por não estar no topo do sector?
Se um atleta bate as suas marcas pessoais ou até recordes nacionais, ainda que fique em últimos nas suas provas, deve merecer qualquer reparo?
Há, também, as ditas desilusões, aqueles que se posicionavam no topo dos rankings mundiais, que acumulavam resultados de relevo e mesmo títulos internacionais e cujas prestações não corresponderam ao desejado.
Mas seremos assim exigentes no dia-a-dia das nossas vidas? Com os nossos governantes e autarcas? Com os gestores das empresas públicas? Com os empreendedores privados? Com as associações empresariais? Com os sindicatos? Com os trabalhadores em geral? Com cada um de nós?
Quantos não teriam que mergulhar diariamente no banho de humildade do “menos português” dos nossos e apresentar-se perante os seus pares, pedir desculpa pelas suas falhas e assumir, talvez, que é tempo de mudar de vida?
Desde que dêem o melhor de si, que deixem tudo o que têm nas piscinas, pistas, tapetes, campos e demais palcos das provas dos Jogos Olímpicos em que participam, creio que a resposta às questões que coloquei só pode ser negativa. E tal não se deve confundir jamais com a falta de ambição.
Aquilo de que tenho mesmo certeza é que, daqui por quatro anos, não voltarei a acordar de madrugada para ver provas de judo, atletismo, ciclismo, remo, triatlo, trampolins, esgrima, etc..
Afinal, os Jogos Olímpicos são em Londres…

terça-feira, 12 de agosto de 2008

A Gestão do Sá Carneiro

O Governo faz constar que este é um processo que poderá demorar dois anos mas a verdade é que a discussão em torno do futuro modelo de gestão do Aeroporto Sá Carneiro está a marcar de forma decisiva o ano de 2008.
Desde logo porque, ainda que a propósito deste processo, a conciliação de posições entre a Junta Metropolitana do Porto e quatro Associações Empresariais da Região Norte (a ACP – Associação Comercial do Porto, a AEP – Associação Empresarial de Portugal, a AIMINHO – Associação Industrial do Minho e a AIDA – Associação Industrial do Distrito de Aveiro) parece querer romper com a letargia político-reivindicativa que pautou o Norte do País ao longo das últimas décadas.
Neste período, é difícil escrutinar se a decadência económica do Norte de Portugal e a sua evidente perda de competitividade para a Grande Lisboa e o Noroeste de Espanha se deveu ou esteve na origem dessa perda de protagonismo político e dessa incapacidade de construção e afirmação de projectos comuns entre os agentes de desenvolvimento regionais.
Num período mais recente, coube à CCDRN – Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, especialmente sob a liderança de Carlos Lage, esse papel aglutinador e catalisador de iniciativas verdadeiramente “regionais”, de que esta tomada de posição da Junta Metropolitana do Porto e das quatro Associações Empresariais acaba por ser mais um reflexo.
Ora, estes protagonistas não escolheram uma questão menor para a assunção desta posição de força. Mais do que o próprio negócio de gestão aeroportuária, o modelo de gestão do Aeroporto Sá Carneiro pode ter amplas repercussões em vários outros sectores de actividade da base económica local, com especial ênfase para os sectores que giram em torno do turismo e do comércio internacional.
Disso mesmo dá conta o estudo realizado por alguns especialistas da Faculdade de Economia do Porto que, a pedido da Junta Metropolitana do Porto, analisaram sob diversos prismas seis cenários alternativos de gestão desta infra-estrutura.
Em colaboração com a Deloitte Consultores, os especialistas da FEP sugerem que a possibilidade de introdução de uma liderança descentralizada, que envolva as autarquias e parceiros privados, é a solução que poderá gerar mais emprego, rentabilidade e passageiros para o Grande Porto e o Norte de Portugal.
De acordo com os dados desse estudo, esta genuína Parceria Público-Privada poderia potenciar um aumento médio anual do movimento de passageiros na ordem dos 8,7%, que guindaria para quase 12 milhões de passageiros o número de utentes deste aeroporto em 2020. Pelo contrário, a manutenção de um monopólio público, liderado pela ANA, faria com que a taxa média anual de crescimento do movimento de passageiros se cifrasse em 4,5%, enquanto que, com o monopólio privado será de 5,9%.
Ao nível do emprego, se a ANA se mantiver na liderança de todas as infra-estruturas aeroportuárias nacionais, registar-se-á um aumento de 23 mil empregos na Área Metropolitana do Porto e de 25 mil no Norte de Portugal, até 2020. Já no cenário da gestão partilhada entre as autarquias e os privados, dar-se-á a criação de mais 56 mil empregos na Área Metropolitana e quase 60 mil na região Norte nestes 12 anos.
Na posição conjunta da Junta Metropolitana do Porto e das quatro Associações Empresariais, já expressa em carta dirigida ao Primeiro-Ministro, José Sócrates, em Junho último, não se releva porém a preferência por um modelo específico, adiantando-se apenas que é claramente desejável uma gestão autónoma daquela infra-estrutura aeroportuária.
Mais, o Presidente da Junta Metropolitana, Rui Rio, fez também questão de clarificar que a recente tomada de posição não é “uma acção de apoio ao consórcio entretanto constituído pela Sonae e Soares da Costa”, que já se mostraram interessadas em concorrer ao eventual concurso público.
Notável neste processo tem também sido a conduta da entidade que hoje gere estas infra-estruturas no nosso País: a empresa (ainda) pública ANA – Aeroportos de Portugal. A saber, num primeiro momento fez constar que um estudo realizado pela Universidade Católica e pelo Boston Consulting Group atestaria que o Aeroporto Sá Carneiro regista significativos prejuízos. Mais recentemente, divulgou uns novos retalhos desse estudo - que tarda em ser totalmente acessível às partes interessadas - que sugerem, desta feita, que a autonomização da gestão deste aeroporto representará a duplicação dos seus custos operacionais, obrigará a um significativo aumento do seu preçário e levará à perda de atractividade para certo tipo de voos e companhias aéreas, em benefício dos aeroportos de Lisboa e Faro (cujos custos e preços registariam mesmo uma descida).
À luz destes dados, seria importante que tal estudo fosse integralmente divulgado antes do Governo definir o modelo de privatização da ANA e, o que se impõe seja concomitante, o modelo de gestão futura do Aeroporto Sá Carneiro.
Afinal, só com base nessas informações sobre o valor e a estratégia pública para o melhor Aeroporto da Europa em 2007 (segundo o Airports Service Quality-Survey do Airports Council International) é que os investidores poderão saber se o Governo lhes está a vender “gato por lebre” ou se estão a adquirir “lebre por gato”…