sexta-feira, 26 de março de 2010

Hoje é dia de Ruptura


Para quem como eu já acumula o envolvimento directo em diversas campanhas eleitorais, quer de carácter público, quer de natureza interna em diversas organizações, é fácil perceber que estes períodos acabam por ser mais marcados pela “gestão das emoções” dos potenciais eleitores do que efectivamente pela veiculação ou percepção das principais linhas programáticas.
A questão não se coloca tanto do lado de quem procura transmitir tais ideias ou propostas nessa fase mas antes da desconfiança de quem recebe tais mensagens, por via da associação ao período em questão e da eventual desvalorização da sua credibilidade.
Ora, tal fenómeno só poderá ser contraditado com a coerência, insistência e consistência dos discursos dos eventuais candidatos ao longo de todo o tempo que antecede o período eleitoral.
Sucede porém que, ao transpor tal prática para o interior de uma organização que exige a afirmação das suas orientações para um dado público-alvo (seja ela um sindicato, uma associação empresarial ou profissional ou um Partido político), corremos o risco dos eventuais candidatos alternativos que adoptem esse percurso poderem contribuir activamente para a descredibilização das mensagens “oficiais” de tal organização e, por essa via, para a diminuição dos resultados que tal organização queira prosseguir.
Resta, pois, a todos os potenciais interessados em desenvolverem candidaturas alternativas a uma qualquer liderança desse tipo de organizações escolher entre a consolidação do seu percurso pessoal ou a colaboração com os órgãos em funções, mediante a tentativa de correcção das práticas e orientações de que discordem no seio da própria organização.
À luz desta questão, não se deve desvalorizar as propostas que surgem apenas de uma forma pública mais sistematizada em contexto eleitoral, uma vez que as mesmas podem igualmente resultar de um contexto de reflexão aturado e de fortes convicções dos candidatos que as emanam sobre as diversas matérias em apreço.
O que me leva até ao processo eleitoral em curso no Partido Social Democrata (PSD) e à Moção de Estratégia Global apresentada pelo candidato Paulo Rangel.
Faço-o, não apenas por assumir o apoio a tal candidatura – por um leque alargado de razões que não cumpre aqui explicitar -, mas porque considero que tal Moção encerra de facto um conjunto de ideias extremamente pertinentes para o Partido e para o País, nomeadamente em matérias económicas e sociais.
Desde logo, Paulo Rangel assume a bandeira da libertação do futuro, como mecanismo de aproveitamento cabal das nossas capacidades individuais e colectivas e do “potencial de sonho e concretização capaz de projectar Portugal no futuro e recuperar do atraso deprimente em que os sucessivos governos socialistas nos mergulharam”.
Com realismo, sem qualquer deriva populista e num registo de política de verdade, assume-se que ”em face da grave situação que o País atravessa, é incontornável aceitar renúncias e sacrifícios”, pelo que, “No curto prazo, é preciso levar a cabo um imediato processo de reajustamento e reequilíbrio de grande exigência”.
Todavia, este é um projecto político que vê mais longe e que assenta na concepção de uma “boa sociedade”. Para tal, é necessário que a acção governativa seja orientada para “cumprir as promessas da democracia”: a prosperidade económica, a construção de uma sociedade de emprego e de oportunidades e a promoção da mobilidade social.
A tal desiderato, impõe-se associar um novo contrato nas políticas sociais, a assunção determinada das metas de reequilíbrio do território, a reafirmação dos valores da Escola, a “descolonização do Estado” dos Grupos de interesse, da promiscuidade e da corrupção.
O novo modelo de desenvolvimento económico deve assentar numa “ampla autonomia, responsabilidade e liberdade de iniciativa para pessoas e empresas”, na defesa de um “sistema fiscal simples, claro, estável e competitivo”, na “melhoria da qualidade do investimento público”, na “criação de emprego qualificado”, na ”aposta nas novas tecnologias e em iniciativas empresariais intensivas em conhecimento, direccionadas para a competição em mercados globais”, mas também na “diferenciação e reforço de competitividade dos sectores tradicionais, das indústrias criativas, da cultura ou do sector social”.
Além de promover o alinhamento da legislação laboral com as melhores práticas, impõe-se a redução dos custos fiscais do trabalho, nomeadamente a taxa social única, e deve ser feita uma avaliação do mercado de incentivos, canalizando-os como incentivo à contratação por Empreendedores ou nos segmentos onde existe maior desemprego.
A fervorosa prioridade atribuída à mobilidade social e a aposta na construção de uma classe média forte é uma opção que se traduz num conjunto articulado de políticas em áreas diversas: “i) um ensino público orientado para a aprendizagem, para a responsabilização e diferenciação das escolas e para a monitorização permanente do perfil educativo do aluno; ii) cidades com políticas urbanas que combatam a “guetização” e fomentem a assimilação social; iii) o aproveitamento da democratização cultural para o estreitamento das relações sociais; iv) a libertação do mercado de trabalho de factores de imobilismo e protecção dos insiders e de quem possui maior poder reivindicativo; v) a gestão do conhecimento, da inovação e da informação, como forma de universalizar o acesso às oportunidades existentes; vi) a aposta em regras de concorrência criadoras de maior qualidade, eficiência e justiça; vii) o reforço dos pilares de uma sociedade de deveres e com justas recompensas, baseada na meritocracia, no reforço positivo e na efectiva igualdade de oportunidades”.
Por tudo isto, cabe hoje aos militantes do PSD optar pela Ruptura. Por Portugal.

sexta-feira, 19 de março de 2010

O PEC Socialista


O Governo aprovou no passado fim-de-semana o documento final do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) que já esta semana foi entregue no Parlamento e publicamente divulgado.
Tal como já fora sendo conhecido, este Programa assume o compromisso de uma significativa redução do défice público ao longo dos próximos anos (até à meta de 2,8% em 2013 que nos recolocaria em linha com os compromissos assumidos em sede de Zona Euro), procurando assim corrigir o descalabro verificado ao longo dos últimos anos e de 2009 em particular.
Para tal, a receita do Governo não foge muito ao que foi antecipado pela generalidade dos analistas ou exigido pelas principais forças da Oposição.
Neste último domínio, merece realce a súbita conversão de José Sócrates e seus pares à necessidade de reequacionar alguns investimentos públicos, cuja utilidade e sustentabilidade económica há muito vinham sendo questionadas.
Ainda assim, o Governo em funções não quis delapidar o seu património próprio, de quem opta por promover uma lógica absolutamente centralista, centrando os adiamentos e suspensões de obras no Norte e Centro de Portugal, com o mesmo desassombro com que antes desviara para a zona de Lisboa verbas comunitárias destinadas às regiões menos desenvolvidas do País.
Na primeira perspectiva, a encruzilhada em que José Sócrates colocou o País, por força de 5 anos de desleixo, de pseudo-reformas para jornalista ver, de esbanjamento de recursos e de distribuição de benesses por grupos de interesses, de promoção de uma cultura de facilitismo e assistencialismo por parte do Estado no domínio dos apoios sociais, e de uma despudorada ocultação da real situação económica e financeira do País – com a não menos vergonhosa cumplicidade do Governador do Banco de Portugal -, clamava por medidas bem mais drásticas do que as que seriam necessárias se a tempo tivesse acatado uma política de verdade.
Hoje, são exigidos esforços muito superiores, são necessárias medidas bem mais radicais do que aquelas que teríamos que adoptar se o Governo socialista tivesse prosseguido uma política de salvaguarda do interesse público, de sustentação da nossa competitividade económica e de defesa do bem-estar dos cidadãos, em particular da classe média e dos mais carenciados.
Daí que, como a generalidade dos analistas antecipava, Sócrates se tenha socorrido dos instrumentos de mais rápida eficácia para a prossecução desesperada das metas de consolidação orçamental: o aumento de impostos – dissimulado na supressão ou redução das deduções fiscais e na criação de um novo escalão -, a redução das prestações sociais, o congelamento dos salários dos funcionários públicos, o referido corte no investimento público, a eliminação dos apoios à economia ao abrigo do pacote anti-crise, a angariação de receitas extraordinárias através de uma série de privatizações (de receita incerta e de sustentação política muito fraca em alguns dos casos).
Este é, pois, um PEC genuinamente socialista, não pela sua orientação ideológica – em que atenta até contra alguns dos princípios desta corrente política -, mas pela sua coerência com a praxis que o País conhece de há 15 anos a esta parte: esbanjar primeiro que alguém pagará depois.
Todavia, há também que ser sério na análise e reconhecer que algumas das medidas agora assumidas, ainda que inflectindo as políticas antes seguidas pelo mesmo Governo e, até, os seus compromissos eleitorais (sufragados há menos de 6 meses), são correctas e adequadas à actual situação e aos objectivos que se querem prosseguir.
Mais, atendendo à situação calamitosa a que o País chegou, muitas destas medidas, mesmo as injustas, teriam que ser assumidas por qualquer Governo que perseguisses estes mesmos objectivos num tão estreito corredor temporal.
Mas, como aludi neste mesmo espaço há 15 dias, tem a imperdoável mancha de ser um documento totalmente orientado para a consolidação orçamental e que descura por completo a vertente de promoção do crescimento económico do País (como bem transparece do quadro macroeconómico que assume até 2013).
Ora, à luz do exposto, parece claramente abusiva a iniciativa do Governo de submeter este documento a uma apreciação formal no Parlamento. Não se pode exigir consensualização e apoio para um documento cujas motivações, condicionantes e matriz orientadora resultam única e exclusivamente da actuação do actual Governo e cuja elaboração decorre à margem de qualquer recolha séria de contributos junto das outras forças políticas.
O que, visto por outro prisma, também não justifica que essas outras estruturas partidárias se lhe oponham, sob pena de lançar a dúvida nos mercados e na União Europeia sobre qual será a estratégia assumida em caso de eventual viragem do poder e o grau de compromisso com as metas que o PEC acaba por traduzir.
Também neste contexto, a proposta de Pedro Passos Coelho para adiar a respectiva votação por quinze dias é extremamente útil.
Não porque se possa assumir um debate “na especialidade” do PEC, que permitiria a uma qualquer nova liderança do PSD uma melhoria do documento agora apresentado de forma minimamente séria.
Mas porque permitiria aos cidadãos perceber se essa nova liderança saberá ter o sentido de Estado e a responsabilidade para fazer o que é certo em prol do País, ou se soçobrará na primeira oportunidade à sofreguidão de poder.

quarta-feira, 10 de março de 2010

A vitória da Natureza


Já não consigo reproduzir integralmente o comentário nem sequer identificar o seu autor mas não posso deixar de recordar a citação que li no Facebook de que “a Natureza decidira começar a mostrar a sua força depois do fracasso da Cimeira de Copenhaga”.
Sei, porém, que o mesmo vinha a propósito da sucessão de catástrofes naturais que tem marcado a actualidade nacional e internacional, seja por via de terramotos (como os do Haiti e do Chile) ou de verdadeiros dilúvios e suas consequências como o que afectou a paradisíaca Ilha da Madeira.
É certo que, mesmo cingindo-nos a este período, foram várias outras as incidências que ainda que em menor escala, provocaram graves prejuízos do ponto de vista material e um número sensível de perdas de vidas humanas.
Todavia, parece-me que em relação a este conjunto de fenómenos há que desmistificar a ideia de tal comentário, seja porque estas ocorrências se têm verificado de forma intensa ao longo da História recente (embora menos gravosa e seguramente menos repercutida do ponto de vista mediático), seja porque nem todas estas catástrofes podem ser imputadas a questões ligadas a alterações climáticas.
Há, todavia, algumas questões que todo este tipo de fenómenos têm em comum e que devem merecer alguma reflexão, das quais destacaria as duas seguintes: a forma como a Humanidade investe nas medidas de prevenção e antecipação destes fenómenos (ou, em sentido contrário, contribui para ampliação das suas consequências) e a forma como a Comunidade Internacional (ou as autoridades nacionais) reagem perante cada uma dessas ocorrências.
Na primeira vertente, com ou sem a ameaça superveniente das alterações climáticas, parece claro que o nível de investimento na prevenção destes fenómenos, na sua detecção antecipada e na possibilidade de notificação dos visados é ainda insuficiente.
Em muitos dos casos verificados (recorde-se também os tsunamis Asiáticos), questiona-se se mesmo que não fosse possível evitar os enormes prejuízos materiais, seria necessário associar a tais tragédias um tal volume de perdas de vidas humanas.
De igual forma, parece também inequívoco que a dimensão das calamidades e os danos que as mesmas provocam é fortemente alavancado pela postura desafiante dos Homens em relação à natureza, cujo curso e ordenamento julgam poder controlar de forma impune.
Aqui, mais do que apurar responsabilidades sobre o já sucedido, talvez valesse a pena tomar consciência dos riscos que comportam determinadas opções e tentar inverter o rumo traçado por decisões menos ponderadas nos mais diversos espaços geográficos. Da escala nacional para a escala local, será que todas as populações e as entidades de Governo respectivas têm consciência da Carta de Riscos dos seus territórios? Será que ela foi sequer elaborada?
Ora, atendendo ao volume de recursos que normalmente é canalizado para responder a estas situações, como às demais incidências que provocam prejuízos humanos e económicos significativos (como a mera perda de uma colheita face a uma Estação mais agreste), mais se questiona se não valeria a pena proceder a um investimento superior nos mecanismos preventivos.
De notar, porém, que a capacidade de obter recursos para fazer face a estas ocorrências tem sido assinalável, em especial se atendermos às dificuldades orçamentais que assolam as principais economias.
Mais ainda, parece-me notável a capacidade de mobilização e a entrega de um número considerável de cidadãos anónimos que, na generalidade destas circunstâncias, não deixa de dar o seu contributo para ajudar causas por vezes distantes e pessoas que jamais virá sequer a conhecer, tantas vezes com sacrifício de recursos não excedentários.
Talvez por isso, seja caso para dizer que perante as partidas da Natureza, ainda vai valendo o que há de melhor na natureza humana e o espírito solidário que sustenta a nossa auto-preservação.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Instabilidade. E crescimento?


Com as discussões finais do Orçamento de Estado para 2010 ainda a terem lugar nas diferentes Comissões da Assembleia da República, as atenções do país económico já se voltaram para o Programa de Estabilidade e Crescimento para 2010-2013 que o Governo irá submeter a Bruxelas.
Desta feita, as expectativas são ainda mais elevadas, tendo em conta o esforço adicional que será exigível para poder dar resposta à derrapagem orçamental de 2009 e à prossecução dos objectivos de fazer convergir rapidamente a nossa situação orçamental para os limites estabelecidos no seio da Zona Euro.
Em bom rigor, a situação não é muito diferente da que o País tem enfrentado praticamente desde a sua adesão ao Euro. Se, por um lado, é claro que o défice orçamental é hoje muito superior ao verificado no início da década, não deixa também de ser verdade que o nosso País continua a ser dos piores mas a média da “turma” também se degradou e os seus congéneres europeus enfrentam situações bastante menos confortáveis do que então.
A outro nível, e pese embora as melhorias verificadas neste período em matéria de aumento da eficácia da máquina fiscal, constatamos que os níveis de receita são ainda insuficientes e estão fortemente penalizados pelo agravamento das condições económicas do País.
Do outro lado da balança, pese embora os múltiplos anúncios de reformas estruturais em curso ou já concluídas nos mais diversos domínios, verifica-se que a despesa pública continua a registar um crescimento voraz, muito superior ao nível da receita obtida, por razões que são alternativamente imputadas aos diferentes subsectores do Estado.
A esta luz, o novo Programa de Estabilidade e Crescimento volta a ter que dar resposta a esta equação inevitável de um qualquer sistema contabilístico: como reduzir à despesa e/ou aumentar as receitas para promover um maior equilíbrio das Contas Públicas?
Por diversas ordens de razões, e pese embora os apelos velados que um e outro vão deixando à materialização de tal iniciativa, as condições para que se verifique um agravamento fiscal significativo são diminutas e terão sempre custos políticos, sociais e económicos relevantes.
Quanto às despesas, para lá do congelamento ou até a redução de salários dos funcionários e gestores públicos [para que alguns admitem já a realização de uma Revisão Constitucional extraordinária], parece inevitável uma nova reforma da segurança social (que alargue o tempo de vida útil do trabalhador) e alterações nas opções políticas na saúde, na educação, na justiça e demais serviços públicos, ao mesmo tempo que se reequacionam prioridades e calendários dos investimentos.
Estes são, compreenda-se, os caminhos mais fáceis e aqueles que podem dar uma resposta mais imediata (ainda que não necessariamente mais consistente) aos anseios e apreensões de várias contrapartes internacionais: da própria União Europeia, às malfadadas Agências de Rating, até à generalidade dos investidores.
Note-se, porém, que estes caminhos pecam pelo excessivo experimentalismo e pela falta de uma linha de rumo clara, que carece de uma superior conciliação das visões para o futuro do País da parte da generalidade das forças partidárias e, em particular, daquelas que se perfilam como suporte potencial de qualquer Governo.
Talvez por isso, na instabilidade constante desta “navegação à vista de costa”, o Programa de Estabilidade e Crescimento acabe por descurar uma outra componente fundamental, ela própria facilitadora do cumprimento das metas orçamentais: a promoção de um crescimento económico sustentado, alicerçado em vantagens competitivas assumidas e reforçadas, numa estratégia de desenvolvimento coerente e ambiciosa.
Ora, tal omissão impede inclusivamente que haja uma resposta mais capaz ao problema do desemprego no País, à exígua capacidade de inserção no mercado de trabalho de jovens licenciados, até à falta de estímulos ao empreendedorismo dos cidadãos.
Com a particularidade, não negligenciável, desse crescimento económico potenciar o aumento das receitas por via fiscal e a diminuição da despesa, pela menor necessidade de accionar os mecanismos de protecção social.
Mais vale, pois, esperar o pior e preparar o cinto para mais um aperto…