sexta-feira, 19 de março de 2010

O PEC Socialista


O Governo aprovou no passado fim-de-semana o documento final do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) que já esta semana foi entregue no Parlamento e publicamente divulgado.
Tal como já fora sendo conhecido, este Programa assume o compromisso de uma significativa redução do défice público ao longo dos próximos anos (até à meta de 2,8% em 2013 que nos recolocaria em linha com os compromissos assumidos em sede de Zona Euro), procurando assim corrigir o descalabro verificado ao longo dos últimos anos e de 2009 em particular.
Para tal, a receita do Governo não foge muito ao que foi antecipado pela generalidade dos analistas ou exigido pelas principais forças da Oposição.
Neste último domínio, merece realce a súbita conversão de José Sócrates e seus pares à necessidade de reequacionar alguns investimentos públicos, cuja utilidade e sustentabilidade económica há muito vinham sendo questionadas.
Ainda assim, o Governo em funções não quis delapidar o seu património próprio, de quem opta por promover uma lógica absolutamente centralista, centrando os adiamentos e suspensões de obras no Norte e Centro de Portugal, com o mesmo desassombro com que antes desviara para a zona de Lisboa verbas comunitárias destinadas às regiões menos desenvolvidas do País.
Na primeira perspectiva, a encruzilhada em que José Sócrates colocou o País, por força de 5 anos de desleixo, de pseudo-reformas para jornalista ver, de esbanjamento de recursos e de distribuição de benesses por grupos de interesses, de promoção de uma cultura de facilitismo e assistencialismo por parte do Estado no domínio dos apoios sociais, e de uma despudorada ocultação da real situação económica e financeira do País – com a não menos vergonhosa cumplicidade do Governador do Banco de Portugal -, clamava por medidas bem mais drásticas do que as que seriam necessárias se a tempo tivesse acatado uma política de verdade.
Hoje, são exigidos esforços muito superiores, são necessárias medidas bem mais radicais do que aquelas que teríamos que adoptar se o Governo socialista tivesse prosseguido uma política de salvaguarda do interesse público, de sustentação da nossa competitividade económica e de defesa do bem-estar dos cidadãos, em particular da classe média e dos mais carenciados.
Daí que, como a generalidade dos analistas antecipava, Sócrates se tenha socorrido dos instrumentos de mais rápida eficácia para a prossecução desesperada das metas de consolidação orçamental: o aumento de impostos – dissimulado na supressão ou redução das deduções fiscais e na criação de um novo escalão -, a redução das prestações sociais, o congelamento dos salários dos funcionários públicos, o referido corte no investimento público, a eliminação dos apoios à economia ao abrigo do pacote anti-crise, a angariação de receitas extraordinárias através de uma série de privatizações (de receita incerta e de sustentação política muito fraca em alguns dos casos).
Este é, pois, um PEC genuinamente socialista, não pela sua orientação ideológica – em que atenta até contra alguns dos princípios desta corrente política -, mas pela sua coerência com a praxis que o País conhece de há 15 anos a esta parte: esbanjar primeiro que alguém pagará depois.
Todavia, há também que ser sério na análise e reconhecer que algumas das medidas agora assumidas, ainda que inflectindo as políticas antes seguidas pelo mesmo Governo e, até, os seus compromissos eleitorais (sufragados há menos de 6 meses), são correctas e adequadas à actual situação e aos objectivos que se querem prosseguir.
Mais, atendendo à situação calamitosa a que o País chegou, muitas destas medidas, mesmo as injustas, teriam que ser assumidas por qualquer Governo que perseguisses estes mesmos objectivos num tão estreito corredor temporal.
Mas, como aludi neste mesmo espaço há 15 dias, tem a imperdoável mancha de ser um documento totalmente orientado para a consolidação orçamental e que descura por completo a vertente de promoção do crescimento económico do País (como bem transparece do quadro macroeconómico que assume até 2013).
Ora, à luz do exposto, parece claramente abusiva a iniciativa do Governo de submeter este documento a uma apreciação formal no Parlamento. Não se pode exigir consensualização e apoio para um documento cujas motivações, condicionantes e matriz orientadora resultam única e exclusivamente da actuação do actual Governo e cuja elaboração decorre à margem de qualquer recolha séria de contributos junto das outras forças políticas.
O que, visto por outro prisma, também não justifica que essas outras estruturas partidárias se lhe oponham, sob pena de lançar a dúvida nos mercados e na União Europeia sobre qual será a estratégia assumida em caso de eventual viragem do poder e o grau de compromisso com as metas que o PEC acaba por traduzir.
Também neste contexto, a proposta de Pedro Passos Coelho para adiar a respectiva votação por quinze dias é extremamente útil.
Não porque se possa assumir um debate “na especialidade” do PEC, que permitiria a uma qualquer nova liderança do PSD uma melhoria do documento agora apresentado de forma minimamente séria.
Mas porque permitiria aos cidadãos perceber se essa nova liderança saberá ter o sentido de Estado e a responsabilidade para fazer o que é certo em prol do País, ou se soçobrará na primeira oportunidade à sofreguidão de poder.

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