quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

As Autarquias e o QREN

As exíguas taxas de execução dos diversos Programas do Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN) têm sido alvo de uma profunda discussão pública, sendo não raras vezes associadas com as dificuldades de Portugal encetar de forma mais vincada o processo de recuperação económica.
Na base de tais níveis ainda diminutos de realização, mais do que do ponto de vista físico ou financeiro, do próprio processo deliberativo de aprovação das candidaturas, estão seguramente factores como a tardia aprovação dos documentos estratégicos que norteiam o Quadro, a fragilidade e falta de flexibilidade das estruturas de gestão e a sensível desadequação entre os princípios que enformaram os diferentes Programas e a actual realidade do País.
Ora, a acrescer a todos estes factores há também um outro aspecto com que o próprio Governo não podia contar à partida, mas que parece no mínimo estranho que permaneça impávido perante a sua evidência: quer por força da degradação das condições económicas, quer por via da dificuldade do acesso ao crédito bancário, constata-se hoje que a esmagadora maioria dos potenciais beneficiários, públicos e privados, não consegue fazer face à contrapartida nacional dos projectos candidatáveis.
A este nível, são naturalmente úteis as iniciativas desenvolvidas pelos Deputados Europeus do Partido Social Democrata que, em sede de Parlamento Europeu, conseguiram já a extensão do prazo de vigência do presente Quadro por mais dois anos e que, em sede do mesmo órgão, têm vindo a reivindicar o aumento da taxa de comparticipação comunitária – medida essa de menos provável aceitação pelos Países do Centro da Europa (os principais financiadores do Orçamento da União).
Ora, a par com tais iniciativas, caberá ao Governo a criatividade para encontrar soluções adicionais, capazes de precaver o possível desperdício de recursos cruciais para a melhoria da qualidade de vida das populações e para o desenvolvimento da actividade dos agentes económicos.
De entre o leque de possíveis beneficiários que mais dificuldades enfrentam, registe-se a situação particular das Autarquias locais. E fá-lo-ei por duas ordens de razões: em primeiro lugar, porque os projectos que estas Entidades poderiam candidatar aportariam seguramente uma significativa melhoria dos serviços e infra-estruturas ao dispor das populações, quer ao nível dos equipamentos básicos, quer ao nível de áreas como a cultura, a educação, o apoio social ou a dinamização económica, por via das políticas de proximidade que regem a sua actuação; em segundo lugar, porque estão tais Autarquias confrontadas com especiais restrições na obtenção de recursos que suportem tal contrapartida.
Nesta segunda vertente, recorde-se que as Autarquias têm visto a sua capacidade de obtenção de receitas próprias reduzir-se por via da retracção da actividade económica (e não apenas da esfera imobiliária), ao mesmo tempo que se têm deparado com os sucessivos incumprimentos do Estado em matéria de Lei das Finanças Locais.
Por outro lado, se são compreensíveis as restrições impostas ao seu nível de endividamento para precaver uma lógica despesista e de falta de rigor que pode ter contribuído para a derrapagem das contas públicas, o mesmo não se compreende para investimentos cuja utilidade é incontestável e que só na actual conjuntura podem beneficiar do apoio das verbas comunitárias.
Ainda assim, mais do que a abordagem simplista já utilizada no passado, de não considerar para efeitos de cálculo dos limites ao endividamento os empréstimos contraídos para financiamento de projectos apoiados por financiamentos comunitários, creio ser possível uma outra linha de actuação que concilie o objectivo em apreço com a necessidade de responsabilização das gestões municipais.
Neste sentido, creio que haveria toda a vantagem na criação de um segmento especial do mercado de capitais, aberto exclusivamente a títulos de dívida emitidos pelas Autarquias, que permitisse a diluição do risco dos financiamentos por vários investidores (inclusive de natureza não financeira) e uma avaliação paralela do próprio mérito dos projectos associados a tais financiamentos.
Por outro lado, no respeito pelos requisitos de prestação de informação existentes neste mercado, seria até possível estabelecer uma notação-tipo do risco de crédito de cada uma das Autarquias, envolvendo todas as componentes da sua situação financeira, com natural consideração dos direitos e responsabilidades de natureza extra-patrimonial (sem necessidade de antecipação efectiva das receitas futuras e com atenção a encargos derivados de contratos como as Parcerias Público-Privadas em vigor).
Deixado tal contributo a título meramente indicativo, e cujos detalhes careceriam seguramente de um maior aprofundamento, fica porém a ideia de que só com uma postura proactiva no ataque a este desafio o nosso País poderá aproveitar em pleno o QREN e assim beneficiar de um contributo importante para a reversão da actual situação económica.
Haverá vontade política para tal?

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

The Public Share


A participação de capitais públicos no sector empresarial é uma matéria que jamais poderá reunir consensos absolutos, independentemente das áreas de actividade e dos contextos sociais e económicos que se verifiquem.
Sem entrar nas lógicas extremadas daqueles que consideram que devemos estatizar toda a iniciativa económica ou dos que defendem que devemos abrir ao investimento privado todo o sector empresarial público, são múltiplos os argumentos aduzidos num e outro sentido.
Comecemos pelo óbvio: de uma forma geral, a abertura a capitais (e à inerente gestão) de privados aporta por si uma melhoria nos parâmetros de gestão das organizações, por via de uma superior organização, de um melhor e mais rigoroso planeamento e de uma cultura de exigência, naturalmente orientada para o lucro, que acaba por se reflectir em melhores desempenhos económicos e financeiros.
Há, também, inúmeras circunstâncias em que tal abertura potencia a materialização de diversas sinergias e a ultrapassagem de diversos bloqueios de natureza jurídico-administrativa intrinsecamente associados à esfera pública.
A outro nível, a abertura do capital de grandes empresas públicas pode suportar processos de reforço do mercado de capitais e de intensificação do “capitalismo popular” análogos ao que se verificou no nosso País, com a dispersão das acções dessas empresas numa multiplicidade de pequenos investidores.
Finalmente, essa abertura ao investimento privado pode ser a única via para incentivar o próprio Estado a encetar processos de liberalização e desregulamentação de certos sectores de actividade em que tradicionalmente assumia o papel de monopolista, com claros benefícios para os próprios consumidores.
Em sentido contrário, reconhece-se a fundamentação da economia pública de que há certas empresas/sectores que dificilmente podem funcionar numa lógica competitiva ou, ainda que o pudessem, em que só o financiamento público poderia assegurar a disponibilização de bens e serviços essenciais à população em condições financeiras suportáveis por esta.
Numa lógica pragmática, nada impede também que os próprios gestores públicos – que até nem são dos responsáveis pior remunerados – possam também desempenhar de uma forma cabal as suas funções e que daí possa advir a obtenção de resultados económicos positivos por essas empresas.
Nestes casos, porque deveria o Estado abdicar desses lucros potenciais em benefício de capitais privados, se estes nada mais viriam acrescentar nas diferentes perspectivas já citadas. Ou, como referi há algumas semanas neste espaço, como se deverá lidar com a participação privada em sectores em que há uma componente de desincentivo do consumo que se reflecte no preço por via normativa, tendo em vista interesses de natureza política e social (como os tarifários da água ou do lixo)?
Há, ainda, o tradicional argumento da salvaguarda do interesse estratégico do País, seja pela defesa da capacidade produtiva ou de comercialização de certo bem ou serviço essencial, seja pela necessidade de utilizar tais empresas como veículos da implementação de determinadas políticas públicas.
Ora, explicitados estes argumentos, importa perceber se a realidade comprova tais posições ou se introduz novos dados que importe reter neste tipo de apreciação.
E, a este propósito:
i) Parece certo que é útil a detenção de uma instituição financeira de referência que viabilize intervenções de último recurso no conjunto do sector financeiro. Mas que se poderá dizer da concentração do poder de concessão de crédito às empresas privadas num conjunto de representantes do accionista Estado, maioritariamente afectos a um determinado partido político?
ii) Parece importante assegurar a disponibilização de certo tipo de informação/programação em canal aberto para a generalidade da população. Mas que se poderá pensar do enviesamento sistemático de certas linhas editoriais em benefício de um Governo ou força partidária? E da participação de certos meios de comunicação social em reajustes estratégicos do sector do agrado dos responsáveis governativos?
iii) Parece útil que o Estado mantenha posições de referência em certos sectores de actividade, por qualquer dos motivos antes enunciados. Mas, e se por via da intervenção dos representantes do Estado ou de pressões directamente exercidas por este sobre essas empresas, estas fazem uma gestão “politica” da sua alocação de gastos em publicidade? Ou, o que seria verdadeiramente extraordinário, utilizam recursos dessas empresas para financiar actividades de cariz partidário dos membros do Governo?
São de facto muitas as perspectivas e os tópicos de análise, pelo que não é algo que se possa cingir a uma discussão de pequeno-almoço…

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Onde pára o Governo?


É fácil ver o Governo, com pompa e circunstancia, a assinalar as pequenas efemérides que se somam por via do correr dos dias de exercício de funções, mais do que por força do reconhecimento do êxito das medidas e das políticas empreendidas.
Nesse âmbito, já sabemos que o Governo “se engana, mas não engana”, que deve reconhecer que “os resultados ficaram aquém do esperado”, que é necessário “deixar passar mais algum tempo para se perceber o real alcance” de certos projectos, que o caminho de determinadas reformas “está a ser prosseguido de forma irreversível”, embora imperceptível para a generalidade dos visados e dos cidadãos.
É fácil ver o Governo a liderar os movimentos de reconfiguração do nosso modelo de sociedade, a assumir-se como porta-bandeira de toda e qualquer causa fracturante (até de forma irresponsável e imponderada), a clamar para si a vanguarda das políticas de promoção da igualdade dos cidadãos e de democratização e agilização do seu relacionamento com o Estado Central.
É também fácil ver o Governo a prosseguir um roteiro de encenações mediáticas, nada económicas, de anúncio de projectos, de lançamento de concursos, de assinatura de contratos, de lançamento de primeiras pedras, de apresentação de estratégias e estudos, de acompanhamento dos trabalhos, de avaliação ex-ante dos impactos. É na educação, na saúde, na justiça, na segurança nas infra-estruturas rodoviárias e ferroviárias, nos centros de investigação, nos parques empresariais… E quantos foram efectivamente concluídos?
É normal ver o Governo a fazer de conta que nada sabe e que nenhuma responsabilidade deve assumir pelos fracassos económicos e sociais que a generalidade dos indicadores estatísticos vão comprovando.
É quase pungente observar a forma como o Governo despendeu metade da última década e meia a responsabilizar aqueles que apenas exerceram o poder circunstancialmente e a outra metade a desculpabilizar-se com os impactos nocivos dos males importados do exterior.
É muito comum ver o Governo a empertigar-se com os que lhe são críticos: sejam agências de rating, organismos independentes de credibilidade incontestada, instituições internacionais, associações, ordens ou sindicatos, grupos de profissionais, autarcas ou opinion-makers.
É prática corrente do Governo adoptar políticas discriminatórias, ou mesmo persecutórias, desses que ousam criticá-lo, que presumem legítimo questionar opções e confrontar propostas alternativas ou que, por mera opção ou bom senso, se limitam a não o bajular.
É muito frequente ouvir o Governo em estado de “Crespação” para com certos órgãos de comunicação social ou para com os seus profissionais.

Mas, lá fora há um País.
Neste Sábado, em Braga, o socialista Fernando Moniz, Governador Civil de Braga e, por inerência do cargo, representante do Governo no Distrito, aproveitou a Sessão de Tomada de Posse dos Órgãos Sociais da UGT de Braga para traçar um quadro negro da Região e para produzir uma intervenção em “tom dramático”, em que apelava à adopção, pelo Governo, de “um conjunto de medidas especiais que assegurem uma protecção efectiva e ajudem de uma forma mais eficiente as empresas e as famílias deste distrito”.
Aqui, onde o desemprego “é um flagelo que todos os dias nos bate à porta”, sabemos que “a cadência da falência de empresas da região vai manter-se ao longo dos próximos 10 anos”.
Daí que, “o Poder Central tem que continuar a apoiar os desempregados e apostar na criação de uma rede social efectiva”, sendo que “as empresas do sector têxtil e do vestuário, que são as que mais desempregam, vão continuar dependentes dos apoios públicos, por mais alguns anos”, acrescentou Fernando Moniz.
Curiosamente, este mesmo Governador Civil escusou-se a subscrever o pacote de medidas que a plataforma distrital constituída pela União de Sindicatos de Braga, Associação Comercial de Braga, Associação Industrial do Minho, Universidade do Minho e Arquidiocese de Braga defendeu para a região, em meados de 2009.
Na ocasião, também o Governo e o Primeiro-Ministro, em particular, ignoraram completamente o trabalho desenvolvido por esta Plataforma de agentes de desenvolvimento regionais e a carta que lhe foi dirigida, jamais tendo recebido os seus promotores.
Governo, qual Governo?

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Olho na bola


Tantas e tantas vezes tenho promovido nestes textos incursões no mundo futebolístico de cariz marcadamente económico, situação essa que hoje volto a reeditar por duas ordens de razões.
Em primeiro lugar, porque numa altura em que as questões do défice das contas públicas e do Orçamento de Estado para 2010, das práticas e análises das agências de rating internacionais, da discussão da Lei das Finanças Regionais, da situação dos clientes do BPP e outras matérias análogas dominam a actualidade informativa, cabe a qualquer colunista como eu ter o bom senso de propiciar aos seus leitores momentos lúdicos que os distraiam destas duras realidades.
Além de serviço ao público-alvo, esta atitude é também de serviço público, recolhendo seguramente a simpatia do Governo da Nação e demonstrando que certos profissionais dos media mais inconvenientes só têm chatices porque querem.
Em segundo lugar, porque não posso deixar de registar como curiosas e relevantes neste enquadramento as circunstâncias que envolvem as duas colectividades de que estou emotivamente mais próximo: o Sporting Clube de Portugal e o Sporting Clube de Braga.
No primeiro caso, atente-se à recente inversão da estratégia de gestão que, desde os tempos do Projecto Roquete, enfatizava a vertente da sustentabilidade económica e financeira em detrimento de uma total e quiçá infrutífera aposta no êxito desportivo pleno.
Para lá da realidade das modalidades amadoras, a componente de futebol profissional sofreu com a quase total retracção do investimento, a “sobrevalorização” e “sobre-utilização” (por vezes precoce) dos produtos da notável Academia que criou e que é internacionalmente reconhecida, contentando-se os “clientes” com os desempenhos acima do provável e abaixo do desejável deste “Grande” em versão “loja dos trezentos”.
Neste cenário, os indicadores financeiros acabaram por não ser muito positivos e o Clube/Sociedade confrontaram-se com a degradação das suas condições económicas, pontualmente atenuada pelos encaixes das vendas dos seus principais activos ou de fontes de receita extraordinária, como o recente acordo com a Câmara Municipal de Lisboa.
Em Janeiro, num quadro de superior degradação do desempenho desportivo na presente época, a SAD abriu os cordões à bolsa e assumiu-se como o maior investidor em todo o panorama europeu.
Todavia, a hesitação em vários negócios após o ímpeto inicial (o caso de Ruben Micael será porventura o que teve/terá consequências mais gravosas) – porventura iludida pela recuperação nos resultados – levou a que a equipa esteja já arredada da luta pela vitória em duas das competições, enfrente um duro teste numa terceira e nem possa utilizar dois dos reforços contratados (os mais caros) na última. Preparação do futuro?
As analogias com a situação com que se confrontam inúmeras empresas no seu contexto concorrencial são evidentes, relevando a importância de se definir objectivos e actuar com racionalidade e coerência.
No caso do Braga, verifica-se uma situação inversa: o plano está traçado, tem vindo a ser cumprido com método (e êxito) ao longo das últimas épocas, sendo pautado por opções de gestão claras e materializadas em iniciativas atempadas e eficazes (o que não impede dissabores como a precoce eliminação da Liga Europa na presente época).
Se olvidarmos aqui o aparente descurar da vertente infra-estrutural (que consolidaria a criação de um património próprio e geraria condições de sustentabilidade adicionais), com o adiamento do projecto da Academia Desportiva inicialmente defendido pelo seu Presidente, os demais passos que conduziram à situação actual não foram fruto do acaso.
Aqui, a questão coloca-se sobretudo no domínio da envolvente externa, que condiciona o seu desempenho desportivo e o inerente potencial financeiro (para o Clube e para a Cidade/Região) a ele associado.
Estarão aqui asseguradas as condições de livre concorrência? Os últimos factos têm demonstrado precisamente o contrário.
Se em 2009, a equipa se confrontou com decisões de arbitragem totalmente equívocas nos jogos decisivos, perante os seus rivais directos, que a arredaram da luta pelos lugares de topo da tabela classificativa, em 2010 têm ganho relevo as decisões de secretaria nos mais diversos domínios.
Ora, se olharmos ao tratamento que é dado aos diferentes casos e incidências verificados, constatámos que só por um enorme acaso e graças a uma tenacidade sobrenatural, as suas pretensões poderão ser bem sucedidas. Afinal, quem prende os polícias?
O que, como hoje se diz em linguagem de Estado, é uma calhandrice, obviamente!