Nós e os outros
Na recorrente narrativa do Governo de José Sócrates e do Partido Socialista, que todos os factos e estatísticas contraditam, as dificuldades que o País enfrenta de forma estrutural, mas que se agravaram sobremaneira nos últimos 16 anos de domínio socialista da governação do País, continuam a ser fruto da imaginação de analistas e detractores da Oposição.
Assim sendo, os constrangimentos financeiros graves com que nos deparámos e a superveniente necessidade de recurso à ajuda externa traduziram apenas o resultado prático de uma espécie de conspiração cósmica, através da qual os especuladores dos mercados financeiros quiseram testar a sustentabilidade das economias mais frágeis da Zona Euro e contaram para o efeito com o apoio de uma Oposição interna “sedenta de poder”.
Por todos estes motivos, apesar do esforço inicial para destrinçar a situação Portuguesa da Grega e da Irlandesa – quem não se recorda da reacção abespinhada do Primeiro-Ministro perante a insistência dos jornalistas internacionais -, é hoje comum ouvir-se responsáveis e apoiantes do Partido Socialista a juntarem-se ao coro contra as Agências de Rating e a citarem artigos como o do sociólogo Robert Fishman no New York Times.
Segundo este autor, é questionável a razoabilidade e a legitimidade da actual intervenção externa, que Fishman considera mesmo ser atentatória da liberdade política no nosso País.
À margem de tais argumentários de cariz eminentemente político, a situação dos dois países que já enfrentaram (e continuam a deparar-se) com uma situação semelhante à nossa deve servir-nos de alerta e termo de comparação a três níveis fundamentais: a análise das circunstâncias que determinaram o recurso à ajuda externa, os condicionalismos e as políticas decorrentes da intervenção do FMI e da União Europeia e as perspectivas para o período subsequente a tal intervenção.
Sob a primeira perspectiva de análise, a situação é de certa forma paradoxal. Afinal, segundo os números “oficiais”, a situação Portuguesa não era/é tão gravosa como a dos seus parceiros europeus.
Por outro lado, a verdade é que, ao contrário do que sucedeu com a Grécia, o Governo Português já tinha iniciado um conjunto de políticas de contenção orçamental – desde medidas mais remotas, como as restrições à contratação pública impostas por Manuela Ferreira Leite no seu curto mandato como Ministra das Finanças, até às mais recentes políticas de austeridade vertidas para os diferentes PEC’s e para o Orçamento de Estado de 2011.
Ainda assim, é também indesmentível que a Grécia e a Irlanda nunca se depararam com dificuldades de acesso aos mercados financeiros tão sérias como as que obrigaram Portugal a suportar taxas de juro incomportáveis, que chegaram a ultrapassar os 10% em diferentes maturidades de financiamento em momento anterior à vinda da referida ajuda externa.
Quanto às consequências directas da intervenção, pese embora esteja ainda em curso o vasto conjunto de negociações que determinará as contrapartidas (e os compromissos) nacionais com vista à viabilização da ajuda externa – tanto mais incerto quanto o determina o actual cenário de indefinição política no nosso País -, não será porém de esperar soluções muito diferenciadas face às receitas aplicadas nos outros países.
Como não poderá deixar de ser, a posologia assentará nos dois pilares tradicionais para quem persegue um objectivo de equilíbrio orçamental: contenção na despesa (corrente e de investimento) e aumento da receita (aqui condicionada ao objectivo de viabilizar a recuperação económica a médio prazo).
Para tal, além de aumento de impostos específicos, antecipa-se uma profunda transformação da Administração Pública, quer no que concerne à organização administrativa do Estado, à gestão do Sector Público Empresarial, à redefinição das responsabilidades sociais do Estado perante os cidadãos e à reestruturação de certos serviços públicos, até à badalada possibilidade de redução de salários e de corte de vínculos na função pública.
De forma mais ou menos directa, estes últimos efeitos acabarão por se repercutir no sector privado, de forma tanto mais vincada quanto o natural cenário de retracção económica - que já se anuncia se prolongará por mais alguns anos- , venha a colocar pressão sobre o mercado de trabalho, o que conduzirá a uma inevitável flexibilização da legislação laboral.
Resta, pois, analisar as perspectivas futuras, aspecto no qual me parece que as situações hoje vividas pela Grécia e Irlanda, devem servir de referencial para o que se seguirá no futuro próximo em Portugal.
Afinal, apesar dos focos hoje circunscritos de contestação, o aspecto mais preocupante centra--se no facto de que o problema financeiro parece estar longe de ficar resolvido, estando já em cima da mesa a possibilidade de uma reestruturação mais profunda da dívida (com o alargamento do prazo de vigência da intervenção e, logo, das medidas de contenção e do horizonte de reembolso da dívida ou de um eventual perdão de parte da mesma).
Sem qualquer tipo de exagero, sugere-se já em determinados círculos que a Grécia comece a ponderar a alienação de algumas das suas ilhas…
Ora, Portugal jamais poderá deparar-se com uma situação análoga, sob pena de perder de forma irreversível a sua credibilidade nos mercados internacionais.
Para tal, o plano que agora vier a ser acordado tem que dar resposta aos reais problemas financeiros do País (sendo imperiosa a auditoria exaustiva dos mesmos) e definir condições que sejam exequíveis do ponto de vista do esforço nacional para assegurar o reembolso da dívida.
O que, obviamente, não se compadece com estratégias políticas de cariz pré-eleitoral…
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