sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O valor da água II


Iniciei na passada semana um conjunto de artigos sobre a problemática do abastecimento de água que tomou como pano de fundo o impacto das mudanças nos tarifários praticados sobre os resultados eleitorais em alguns Municípios do País aquando das últimas eleições autárquicas.
Como referi, mais do que essa análise circunstancial, importa enquadrar esta questão à luz da tendência generalizada para o aumento de preços que se irá verificar ao longo dos próximos anos, quer por razões económicas (de mercado), quer por factores financeiros (ligados à sustentabilidade das empresas que prestam tal serviço), quer até por disposições normativas, nacionais e internacionais, que versam ou irão versar esta matéria.
Se há uma convergência generalizada quanto a essa necessidade de aumento dos tarifários, as opiniões têm sido mais díspares e até pouco concretas em relação ao valor correcto que deve ser praticado aos consumidores finais, tal é a discrepância hoje verificada no conjunto do País e mesmo a nível internacional.
Ainda assim, se quisermos um referencial indicativo podemos atender a estudos da OCDE que apontam para um valor estimativo do peso máximo da factura da água e esgotos no orçamento dos consumidores na ordem dos 2,5% quando hoje essa despesa deve corresponder a pouco mais que 0,1% para o cidadão médio português.
Mas, o que pode justificar tal discrepância? A existência de condicionantes políticas na definição dos tarifários parece ser novamente o factor mais relevante.
Tome-se o exemplo de uma autarquia de média dimensão com cujos responsáveis discuti recentemente esta problemática: sem ter em conta os custos administrativos de gestão da operação, os desperdícios, as dificuldades de cobrança dos valores facturados e de estímulo à ligação ao abastecimento público, o valor angariado de receita pela distribuição de água não ultrapassa o equivalente a 25% dos custos suportados pela Autarquia com a aquisição da água à empresa fornecedora, também ela de capitais exclusivamente públicos.
O diferencial traduz obviamente a assunção de um custo social por parte do Município, aplicado de forma generalizada em benefício de todos os consumidores locais, mas assumindo já um peso significativo no próprio orçamento da Autarquia o que torna a situação manifestamente insustentável.
Perante este tipo de circunstâncias, que se multiplicam um pouco por todo o País, a tendência será para a fixação do preço da água a um valor que garanta o equilíbrio económico-financeiro dos agentes do mercado e que funcione também como um incentivo à utilização racional e sustentável desse recurso exíguo.
De uma forma simplista, poder-se-ia dizer que cumpre aplicar os princípios do poluidor-pagador e do utilizador-pagador, sem descurar a necessidade de promover uma ajustada discriminação de preços entre diferentes tipos de utilizadores, seja em função da sua natureza (consumidores domésticos, indústria, agricultura ou comércio e serviços), da sua capacidade económica ou de outro tipo de objectivos das políticas públicas (como os descontos aplicáveis às famílias numerosas).
Quanto à fixação do valor justo da água, a Directiva-Quadro em vigor na União Europeia estabelece no seu Artigo 9º que “os Estados-membros devem ter em consideração o princípio da recuperação dos custos dos serviços da água, incluindo os custos ambientais e os custos de escassez de recurso”, consistindo os “serviços da água” na “provisão, às actividades económicas e aos consumidores domésticos e instituições públicas, de serviços de captação, armazenamento, tratamento e distribuição de água (de superfície ou subterrânea) e de drenagem, tratamento e rejeição de águas residuais em águas de superfície”.
Trata-se, pois, de financiar todos os investimentos de criação das infra-estruturas nestes domínios, das operações de manutenção, conservação e renovação de tais infra-estruturas ao longo dos anos e o processo de exploração e gestão do “negócio”, ponderando tais custos pelo impacto ambiental do consumo e estimulando a referida utilização racional.
Isto é, os preços da água devem ser estabelecidos de forma a cobrirem os custos totais – custos de serviço, custos de escassez, externalidades económicas e externalidades ambientais, salvaguardando também a necessidade de respeito por exigentes padrões de qualidade do “produto” em questão.
Ora, até como justificação para as onerosas decisões políticas que terão que ser tomadas, a aplicação dos novos tarifários, deste e de outros serviços públicos, terá que passar por uma adequada fundamentação económico-financeira dos valores cobrados, em linha com o que hoje se verifica para as taxas e licenças das autarquias locais.

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