segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

O antídoto

A publicação e entrada em vigor (a 30 de Julho de 2008) do novo Código dos Contratos Públicos (Decreto-Lei 18/2008, de 29 de Janeiro) foi um dos marcos indiscutíveis da governação e da actividade económica e jurídica do ano transacto.
Em qualquer circunstância, a discussão em torno das regras aplicáveis à contratação pública remete-nos para a prioridade que é necessário conferir a aspectos como a modernização e eficiência dos procedimentos, a desburocratização, ou a economia de recursos das entidades contratantes e concorrentes, tendo também em vista tornar os processos mais céleres e menos onerosos para os envolvidos.
Concomitantemente, as regras aplicáveis às relações contratuais a estabelecer entre o Estado, Empresas Públicas e outras pessoas colectivas de direito público com os particulares que lhes irão fornecer bens, prestar serviços ou executar obras devem promover o reforço dos níveis de transparência, credibilidade, responsabilidade e confiança, quer no momento da adjudicação, quer no período de fornecimento dos bens e serviços ou de realização das empreitadas inerentes.
A estes níveis, o novo Código dos Contratos Públicos (CCP) não se limitou a transpor as Directivas Comunitárias incidentes sobre esta esfera (Directivas Comunitárias 2004/17/CE e 2004/18/CE, de 31 de Março de 2004), mas introduziu várias alterações e simplificações positivas aos três diplomas legais que cobriam este tipo de processos na legislação nacional (Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março; Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho; e Decreto-Lei n.º 223/2001, de 9 de Agosto).
A saber, registe-se, entre vários outros aspectos, a introdução de novos procedimentos inerentes aos processos de contratação, como os leilões electrónicos, as centrais de compras, os acordos-quadro, ou os sistemas de qualificação, todos eles capazes de contribuir para a prossecução dos objectivos antes enunciados.
De entre as modalidades de contratação tradicionais, o designado “Ajuste Directo” é um modelo em que se prescinde da publicitação prévia da decisão de contratar e que, sem prejuízo do respeito por todos os princípios que se aplicam à apreciação de propostas e à decisão de adjudicação, permite uma maior flexibilidade processual, sendo também aquele mais susceptível ao desrespeito pelo princípio da transparência da contratação.
Nesse sentido, o CCP já incluiu várias condicionantes à aplicação deste procedimento, obrigando mesmo à sua publicitação numa plataforma electrónica específica, acto sem o qual os contratos não podem ser executados nem pagos.
De qualquer modo, reputam-se como positivas a existência de um regime simplificado para contratos até 5 mil Euros e a opção pelo alargamento significativo dos valores passíveis de contratação por Ajuste Directo, para muito razoáveis patamares de 75 mil Euros para o fornecimento de bens e serviços e 150.000 Euros para a realização de empreitadas.
A esta luz, seriam perfeitamente passíveis de concordância declarações como as que o Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações proferiu na Sessão de Abertura do Seminário sobre o novo Código dos Contratos Públicos que a FEPICOP promoveu em Lisboa em Junho último e que agora revi via Portal do Governo: (o CCP) “trata-se de uma codificação muito importante, na medida em que sintetiza, sistematiza e moderniza o regime jurídico português da contratação pública, e que incentiva à optimização da gestão dos dinheiros públicos, assim como à diminuição de suspeitas de menor transparência, sejam elas fundadas ou infundadas”, acrescentando que “não tenho dúvidas que a transposição da Directiva nº 2004/18/CE, muito contribuirá para uma melhor contratação pública, para uma melhor concorrência e, realço, para uma politica de sustentabilidade”.
Seria quase caso para dizer que o CCP tinha um cariz de tal forma disciplinador da Contratação Pública que nem parecia ser iniciativa de uma força política em exercício de funções governativas…
Pois bem, para que não ficássemos com demasiadas expectativas, o último Conselho de Ministros de 2008 devolveu-nos à realidade e à prática recorrente deste Governo.
Assim, foi aprovado um Decreto-Lei que “estabelece medidas excepcionais de contratação pública, a vigorar em 2009 e 2010, destinado à rápida execução dos projectos de investimento público considerados prioritários para o relançamento da economia portuguesa, em linha com o plano de relançamento da economia europeia adoptado pelo Conselho Europeu de 11 e 12 de Dezembro de 2008”.
Ainda segundo o Comunicado do Conselho de Ministros, “estão abrangidas por este diploma, em particular, pela sua urgência, as medidas constantes dos eixos prioritários da «Iniciativa para o Investimento e o Emprego», adoptada pelo Conselho de Ministros de 13 de Dezembro 2008 (Modernização das escolas; energia sustentável; modernização da infra-estrutura tecnológica – redes banda larga de nova geração; apoio especial à actividade económica, exportações e pequenas e médias empresas; apoio ao emprego)”, ou seja uma enorme parcela dos investimentos públicos previstos para este ano e para o próximo.
Ao abrigo deste “regime excepcional” prevê-se a “possibilidade de ser escolhido o procedimento de ajuste directo, no âmbito de empreitadas de obras públicas, para contratos com valor até 5 150 000 euros e, no âmbito da aquisição ou locação de bens móveis ou da aquisição de serviços, para contratos com valor até 206 000 euros”.
Desta vez não é gralha: o limite para o fornecimento de bens e serviços sobe 175% e o limite para empreitadas sobe cerca de três mil e trezentos por cento para mais de 5 milhões de Euros.
Palavras para quê?

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