sexta-feira, 14 de maio de 2010

Portugal visto do relvado


Se quisermos fazer uma ligação entre a realidade futebolístico-desportiva e a situação económica, financeira e social do País, em particular numa semana como esta, temos que começar pelo essencial: o Benfica foi campeão, 6 milhões de Portugueses estão hoje mais felizes, mais motivados, mais produtivos e Portugal terá mesmo ganho várias posições nos rankings de competitividade internacionais.
Graças, entre outros, a Jesus, Luisão, Aimar e Cardozo são hoje mais toleráveis as medidas acrescidas de austeridade que o Governo vai ter que implementar, os aumentos de impostos, os cortes nas prestações sociais, a suspensão inadiável do lançamento de novos projectos de investimento.
Bem vistas as coisas, os investimentos verdadeiramente importantes para a opinião pública são os milhões pagos por Gaitán e se há investimento que deve ser travado é aquele que os grandes clubes europeus querem fazer por Di Maria, Saviola ou David Luiz.
A este propósito, não deixa de ser curioso que esta conquista acabe por corroborar a visão Socrática da gestão financeira da coisa pública, em que o investimento se assume como alavanca maior para o sucesso e acaba por criar mecanismos de auto-sustentação dos resultados (apenas com o pequeno pormenor de que estes mecanismos não são perceptíveis no campo de intervenção do actual Primeiro-Ministro).
Perante tais evidências, a lógica da vida austera e de sacrifício, o apelo à poupança e à contenção financeira pode mesmo sofrer um forte abalo, desenhando-se um novo impulso consumista que mais contribua para o desejado aumento das receitas do IVA.
Ainda a propósito desta conquista e, nomeadamente, dos festejos que a sucederam, ignoremos a soberba de alguns vencedores e centremo-nos na intolerância crescente de muitos vencidos, com consequências que voltaram a demonstrar a progressiva degradação das instituições. Afinal, parece que nem em cenários perfeitamente antecipáveis as forças de segurança conseguem garantir o cumprimento da sua missão e assegurar a ordem pública e a protecção de pessoas e bens.
Mas a principal reflexão que hoje resulta da análise do panorama futebolístico nacional prende-se precisamente com um aspecto de índole económica, referente aos indicadores de desenvolvimento do território.
Houve um tempo em que o mapa da divisão máxima do futebol nacional esteve sobretudo pintado com as cores do Norte, com o claro domínio dos filiados das Associações de Futebol do Porto e Braga (os quais chegaram a ter a maioria qualificada dos participantes na competição).
Nesse tempo, ainda que com algumas oscilações naturais e sucessivas mudanças de protagonistas, emergia a participação de vários clubes cuja sustentação resultava da capacidade de investimento de um ou mais empresários locais, normalmente ligados ao tecido industrial.
Quem não recorda o “desaparecimento” do Algarve do mapa do escalão principal, a contínua ausência do Alentejo, a esparsa presença dos clubes do Centro (depois da queda de vários clubes com enorme historial nos escalões secundários) e mesmo a concentração dos clubes do Sul na Grande Lisboa (Sporting, Benfica, Belenenses – bastas vezes salvo sobre a linha de meta – Amadora e Setúbal)?
Na próxima época, serão apenas 5 os clubes do Norte a marcar presença na Liga Sagres: Porto, Rio Ave, Paços de Ferreira, Braga e Guimarães. O Centro surge com quatro presenças (Beira Mar, Naval, Académica e U. Leiria), o Sul tem também cinco representantes, dois dos quais Algarvios (Benfica, Sporting, Setúbal, Olhanense e Portimonense), a Madeira mantém os seus dois clubes actuais (Marítimo e Nacional).
Poderá parecer uma análise simplista, mas a verdade é que esta evolução não diverge muito da quebra de competitividade e riqueza no Norte do País face ao resto do território.
Note-se que, mesmo na Liga Vitalis, eram equipas do Centro (Oliveirense e Feirense) e Açores (Santa Clara) os demais candidatos à promoção. Até Trás-os-Montes volta a perder o seu representante nos escalões profissionais de futebol, logo no ano em que o Chaves consegue um dos maiores feitos do seu historial.
Por tudo isto, não tendo muito a concordar que o S. C. Braga fez mais pela regionalização do que muitos estudos técnicos ou declarações políticas. Mas pode ter demonstrado que o caminho para o Norte passa também pela criação de uma rede multipolar de cidades médias, capaz de alavancar novos pólos de competitividade e dinamização económica.
Dentro e fora das quatro linhas, só uma outra postura e ambição pode reverter o caminho de perda que ora se vem percorrendo…

1 comentário:

andreeof disse...

Um dos grandes problemas para o desenvolvimento passa pela criaçao de um crescimento multipolar e nao concentrado sobre Lisboa, que é a realidade desde o 25 de Abril de 74. Existe uma desestruturaçao do investimento, suportado em grandes infra-estruturas, mas pouco confortável para a viabilidade de um sistema económico de outra base, diferente da actual. Para atingir um desenvolvimento mais estável, isso nao passa pela criaçao de autonomias regionais, mas sim por uma descentralizaçao administrativa, planos de acçao regional e a cisao do parlamento em duas câmaras: uma câmara baixa, baseada em gandes circulos eleitorais nacionais e uma câmara alta, de modelo ""quasi" federal de circulos uninominais, que se encarregaria da discussao desses mesmos planos de acçao regionais. Uma aposta pelo desenvolvimento integrado!
Igualmente, deveriamos apostar por um sistema de plataformas logísticas, meios de transporte ferroviário convencional de mercadorias e eficiência dos portos, essenciais a uma economia de cariz exportador.
Apeno-me de que o trabalho económico implique uma reforma do sistema político, mas tudo aponta a que este sistema centralizado, apoiado em conceitos políticos demasiado próximos ao PREC nao só nao faz parte da soluçao como começa por integrar uma parte do problema.