sexta-feira, 30 de abril de 2010

Abril sem dono


1. No Parlamento, as mais altas instâncias do Estado resistem a seguir a progressiva banalização que as comemorações do 25 de Abril têm vindo a registar um pouco por todo o País, marcada até pelo abandono das cerimónias oficiais em muitas autarquias ditas de esquerda.
Por vezes, por entre a espuma dos assuntos do dia-a-dia e as intervenções de cariz marcadamente partidário, surgem reptos a uma reflexão mais profunda, tanto mais actual quanto se tendem a diluir as fronteiras ideológicas entre as diversas forças em compita.
No passado Domingo, coube ao anterior líder Parlamentar do PSD, José Pedro Aguiar Branco protagonizar um desses momentos e provocar a catarse que sempre deve resultar da evocação destas efemérides.
Por entre citações de Lenine, Rosa Luxemburgo ou Sérgio Godinho, questionou: "Não pode alguém que se senta nesta parte do hemiciclo gostar de Zeca Afonso?", assim contestando a recorrente apropriação de certos valores e princípios que a alegada Esquerda gosta de efectuar, nas esferas cultural, social ou económica.

2. Quando se deu a Revolução de 25 de Abril de 1974, eu estava ainda a aprender os vocábulos com que poucos anos mais tarde trautearia de memória a esmagadora maioria das canções de Zeca, como o voltaria a fazer em público quase três décadas mais tarde, causando a estranheza a que aludia Aguiar Branco aos “apreciadores naturais” de tal cantor e canções.
Da Revolução, sei, pois, apenas aquilo que a História me contou, no antes, no durante e no depois, como julgo que todas as gerações que se seguiram à minha deviam procurar ouvir para daí extrair as devidas ilações.

3. Não é de facto possível perceber muitos dos estrangulamentos com que hoje se depara o nosso Pais sem conhecer os principais passos desse caminho, sem recordar as tentativas de instauração de uma sociedade socialista e de um regime sem classes, as iniciativas de nacionalização dos meios de produção e os apelos à destruição de todas as formas de capitalismo e burguesia (monopolista, latifundiária ou financeira) mediante a extinção dos organismos corporativos, as nacionalizações na banca e nos seguros, a intervenção do Estado nas empresas privadas ou o encerramento da Bolsa.
Obriga-nos, também, a lamentar a forma leviana como se conduziu o processo de descolonização, com marcas bem vincadas, nos próprios países “livres”, que se arrastam até aos nossos dias.
Induz-nos a lembrar as bases da derrocada da nossa agricultura, com o arrendamento compulsivo das “terras subaproveitadas” e a Lei da Reforma Agrária.

4. Há, claro está, o 25 de Novembro. Que hoje seria seguramente mais lembrado e evocado se tivesse igual número de poemas e canções. E há, também, o período da Evolução da Revolução.
Progressivamente, o País estabilizou, politica, social e economicamente. Abriu-se ao Mundo pela porta da Europa, reatou relações com os países-irmãos e soube integrar-se como um dos mais dinâmicos parceiros do comércio internacional e como um atractivo destino para os investimentos mundiais.
O sistema financeiro recuperou e viveu momentos de prosperidade. A economia cresceu e diversificou-se. Alteraram-se leis fundamentais no domínio do trabalho, da segurança social, da fiscalidade e da Administração Pública.
A bem dos cidadãos, elevaram-se os níveis de prestação de cuidados de saúde e as qualificações decorrentes do ensino e da formação profissional.
O País foi dotado de uma vasta rede de acessibilidades que o rasga e aproxima de lés-a-lés.

5. Em cada um destes passos, ter-se-ão cumprido metas de Abril. Terá merecido o nosso agradecimento a iniciativa dos Capitães. Terá sido justificado o entusiasmo das massas que pacificamente saíram á rua nesse dia de um Abril já longínquo.
Mas há, bem sabemos, muito por cumprir. E, em momento de dificuldades como os que hoje vivemos, sou levado a pensar que a principal revolução que ainda permanece incompleta está dentro de cada um de nós. Na falta de ambição. Na falta de coragem. Na falta de entrega. Na falta de critérios de exigência. Na falta de valores.
Porque, como cantava Zeca Afonso, “Enquanto há força, No braço que vinga, Que venham ventos, Virar-nos as quilhas, Seremos muitos, Seremos alguém”.

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