terça-feira, 6 de maio de 2008

Do monetário ao real


Depois de na pretérita semana ter evocado a problemática situação que se vive em vários mercados de bens alimentares, com o que esta crise acarreta sobre vários domínios da actividade económica e no plano social, é hoje tempo de voltar de forma mais ponderada à esfera monetária da economia, recuperando a crise que tem também visado os mercados de crédito a nível internacional.
Antes de evocar as razões que estiveram na base da actual conjuntura, perceba-se a importância que este sector acarreta sobre a economia real.
Afinal, como em qualquer contexto de risco, originado por uma superior volatilidade das principais variáveis em apreço, a primeira consequência é uma pressão inflacionista, associada à probabilidade de subida das taxas de juro nos diversos segmentos de mercado.
Inerente a este contexto está também a lógica tendência para restrição do crédito concedido pelas instituições financeiras e para o aumento dos spreads aplicados, com os custos que esta situação acarreta no domínio produtivo, por via das menores condições de financiamento do investimento.
Como é também natural, a diminuição do crédito e do investimento, bem como a subida das taxas de juro antes referida, acabaria por induzir um menor nível de crescimento económico global.
Mas voltemos então às origens do problema. O que terá estado na base desta crise do mercado de crédito, inicialmente apenas classificada como a “crise do subprime” – um dos segmentos em que a mesma se tornou visível de forma mais vincada?
Fundamentalmente, tratamos de um problema de falta de liquidez.
De há vários anos a esta parte, à medida que se intensificou o processo de inovação financeira, as instituições socorreram-se de vários expedientes para suportar a proliferação das condições de concessão de crédito que deu aos agentes económicos uma ilusão de facilidade de acesso e de sustentação das baixas taxas de juro.
A titularização de créditos, a criação de SIVs – Special Investment Vehicles, a definição de vários escalões de risco e o aparecimento de inúmeros produtos estruturados foram alguns dos elementos característicos deste período e deste processo que conduziu à degradação da estrutura financeira das próprias instituições promotoras.
A ocorrência, por exemplo, de duplas hipotecas sobre os activos imobiliários foi possível enquanto os próprios preços dos imóveis foram também registando uma tendência altista.
A ameaça de rebentamento de uma certa bolha especulativa que subsistia nestes mercados em países como os Estados Unidos, o Reino Unido ou a nossa vizinha Espanha terá sido um dos factores indutores da crise na sua expressão pública.
Esta transformação do panorama de mercado levou a que as instituições financeiras registassem perdas avultadas, algumas das quais incomportáveis, como aconteceu com instituições como o Northern Rock, o Bear Sterns ou o Landesbank Sachen.
No caso do banco britânico, que acumulou significativos prejuízos no mercado de crédito imobiliário de alto risco, o Governo viu-se compelido a proceder à “nacionalização temporária do mesmo”, perante a falta de ofertas válidas, em articulação com o Banco de Inglaterra e a Autoridade dos Serviços Financeiros (FSA), sob o olhar crítico dos responsáveis da União Europeia e a forte contestação dos partidos da oposição e dos accionistas do banco.
Para se perceber a dimensão do problema, refira-se que desde os anos 70 não havia registo da “nacionalização” de qualquer sociedade no Reino Unido. O próprio Banco de Inglaterra fez uma injecção de emergência de 26 mil milhões de libras (35 mil milhões de euros) no Northern Rock.Este tipo de intervenção de várias Autoridades Monetárias tem sido, aliás, um dos mecanismos amortecedores do problema, tal como a drástica política de redução das taxas de juro por Bancos Centrais como a Reserva Federal Americana (FED) – em resposta à crise latente na dimensão real da economia.
No mais, e no que releva para a evolução próxima deste fenómeno, dois outros factores determinantes para a actual crise prenderam-se com alguma falta de rigor na avaliação das agências de rating e com o menor escrutínio das entidades supervisoras.
Assim sendo, a prevenção futura de novas situações deve passar por uma superior validação da informação subjacente aos processos de análise de risco de crédito, pela construção de modelos mais sofisticados de avaliação dos produtos e pela exigência de uma maior transparência e regulação, em matérias como a definição das contrapartes, as exigências de capital ou a publicitação dos compromissos existentes.
É que, para lá de todos os demais efeitos, uma crise desta natureza e proporções na esfera financeira pode ter consequências devastadoras na confiança dos agentes económicos, impactando de forma significativa na esfera real das economias.

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