segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Erradicar a Pobreza


A minha geração cresceu na companhia dominante da televisão a cores, mas terão sido imagens a preto e branco que mais terão marcado os noticiários da nossa juventude.
A uma cadência constante, repetiam-se as imagens dos milhões de desalojados, dos cadáveres amontoados pela fome, dos olhares sem esperança que se entreabriam na direcção de seios ressequidos em ossadas vivas.
Os inexistentes níveis de desenvolvimento, os múltiplos conflitos militares, as limpezas étnicas e a displicência dos principais líderes mundiais foram, entre outras, algumas das razões que levaram ao prolongamento no tempo deste tipo de situações.
À medida, porém, que esta problemática foi sendo introduzida na agenda mediática, que se organizaram diversos eventos para recolher ajudas para o combate à fome e à pobreza nos países menos desenvolvidos (com destaque para os mega-concertos realizados sob a égide de Bob Geldof) e que se intensificou a pressão da opinião pública sobre os Governantes dos países mais ricos, verificaram-se os primeiros progressos.
Paulatinamente, aumentou o volume de ajudas, facilitou-se o trabalho das Organizações Não Governamentais e assumiram-se compromissos políticos à escala mundial, mesmo que muitos continuem ainda por materializar ou com uma taxa de concretização insuficiente.
Dos Objectivos do Milénio, resultantes da Cimeira da ONU do ano 2000, e com metas concretas a atingir até ao ano 2015, aos compromissos assumidos pela União Europeia nas Cimeiras de Lisboa e Nice, também no ano 2000, são vários os passos que vêm sendo encetados para a redução da expressão deste problema mundial.
Ainda que manifestamente insuficientes, os resultados registam já alguns progressos significativos. Por exemplo, de 1990 a 2002, a percentagem de população em pobreza extrema passou de 28% para 19%, tendo 250 milhões de pessoas abandonado a situação de miséria absoluta em diversos países da Ásia.
No contexto deste combate global, talvez um dos erros que mais frequentemente tenha sido cometido é o de tomar esta realidade como um fenómeno distante, mergulhado nas impressionantes estatísticas que ainda apontam para a existência de 800 milhões de pessoas a sofrer de problemas de fome e desnutrição crónica. Que destas, morrem 18 milhões por ano, 50 mil por dia, na sua maioria mulheres e crianças. Que 11 milhões de crianças morrem antes de completarem 5 anos. Que há 1.100 milhões de pessoas que vivem com menos de 1 dólar por dia, pouco menos do que aquilo que despendemos em dois cafés.
Bem mais perto de nós, e de acordo com o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento do INE (2005), a população residente em Portugal em situação de risco de pobreza era de 19% em 2005 (20% em 2004), enquanto que a taxa de risco de pobreza dos grupos compostos por idosos vivendo sós e em famílias com dois adultos e três ou mais crianças dependentes atingia o valor máximo de 42%.
Em termos médios, a distribuição dos rendimentos caracterizava-se por uma acentuada desigualdade, na medida em que o rendimento dos 20% da população com maior rendimento era então 6,9 vezes superior ao rendimento dos 20% da população com menor rendimento.
Como parece claro, dados igualmente preocupantes, a que se poderiam juntar estatísticas igualmente pouco simpáticas sobre a percentagem de cidadãos que aufere o Salário Mínimo Nacional, o volume de desempregados, o número de sem-abrigo nas nossas cidades, o rendimento de parte substancial da população idosa, os níveis de analfabetismo ou de conclusão dos diversos graus de ensino, mesmo na população jovem.
Pelo que muitos desses dados têm de estrutural, percebe-se que o fenómeno da pobreza está para durar e exige respostas concretas e imediatas por parte dos mais diversos actores sociais.
Daí que, mais que recordar os famigerados compromissos públicos, apelar a novas políticas e prioridades neste domínio ou formular votos de uma adesão popular maciça a estas causas, dias como o que se assinalou na passada Quarta-feira (o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza) deveriam servir para dar eco público ao trabalho tantas vezes discreto, quase sempre difícil, mas muitas vezes eficaz dos muitos agentes que já se encontram empenhados nesta batalha.
Às múltiplas IPSS que prestam apoio neste domínio, às Autarquias que respondem às necessidades dos seus cidadãos mais carenciados, ao trabalho desenvolvido pelas comunidades religiosas presto, pois, a minha homenagem.
A erradicação da pobreza começa nos gestos singelos dos voluntários da Cáritas ou da Cruz Vermelha, nas iniciativas atentas de Centros Paroquiais e outras Associações de cariz religioso e social, na atenção dispensada pelos Autarcas de muitas Juntas de Freguesia.
Sem prejuízo, pois, dos grandes objectivos mundiais, a erradicação da pobreza começará sempre pela resolução dos problemas que ocorrem à nossa porta, que se cruzam connosco nas ruas da nossa cidade.

1 comentário:

Anónimo disse...

Mau caro amigo:
Um artigo de luxo! Que é pena ficar acantonado ao suplemento (de economia!!!).
Gostei mesmo! E é essa preocupação pelos mais fragilizados da sociedade que o líder da oposição em Braga deve crecentementeinvestir. Porque na acção política só ganharemos a confiança das populações se percebermos os seus problemas, se nos aproximarmos dos seus anseios e se lutarmos pela concretização dos seus sonhos.
Também porque a política faz-se com afectos... no poder ou na oposição!
Abraço do GC