terça-feira, 20 de março de 2007

Quo Vadis, Universitas?


Hoje em dia, poder-se-á dizer que é difícil elaborar um plano de negócios para um projecto de qualquer sector de actividade, tais são as diferentes contingências a que o mesmo pode estar sujeito na actual conjuntura de economias plenamente globalizadas.
Todavia, se nos colocarmos na pele de quem queira gerir uma universidade no contexto actual, seja ela pública ou privada, a análise dos pressupostos da envolvente podem conduzir-nos a algumas perplexidades.
Como ponto de partida, poder-se-ia pensar que este era um “negócio” seguramente “rentável”, tal a apetência do mercado pelo nosso “produto”: o País continua a registar índices de qualificações manifestamente baixos em comparação com os nossos parceiros da União, o discurso dominante das políticas públicas aponta baterias ao reforço dos níveis de formação dos cidadãos e os potenciais empregadores, também eles públicos ou privados, tendem a valorizar cada vez mais os níveis de conhecimento de base dos seus colaboradores, bem assim como, outras facetas que se podem aprofundar no contexto académico.
Esta análise optimista poderia cair por terra de imediato pela falibilidade desta última presunção: se a realidade aí exposta é seguramente dominante no conjunto das instituições públicas e dos meios empresariais (quando não nas próprias Instituições de Ensino), a verdade é que se observam também focos de descredibilização do ensino ministrado nas Universidades. Nesse prisma, evocam-se a alegada falta de adequação aos requisitos técnicos e comportamentais do mercado de trabalho, os baixos níveis de exigência e a incapacidade em se articular com a sua realidade envolvente, optando a Universidade por fechar-se em cúpulas, de poder e saber, muitas vezes ultrapassadas pela dinâmica do meio exterior em que se insere.
Neste particular, talvez bastasse ao nosso gestor universitário tentar evitar os erros acumulados pelos seus concorrentes, quais fossem, a perda de qualidade dos cursos, a inadequação da oferta temática às necessidades do mercado, a insistência em áreas que defraudam a expectativa dos alunos pela sua total falta de capacidade de inserção profissional.
Sem muito esforço, talvez conseguisse evitar envolver a sua Instituição em qualquer tipo de escândalo mediático, assegurando um financiamento transparente, procedendo com lisura, rigor e transparência perante todas as suas contrapartes (alunos, docentes, colaboradores, entidades reguladoras, demais instituições de ensino, comunidade em geral) e evitando assumir-se como uma espécie de estância de pousio para governantes em trânsito, entre diferentes levas de ascendente partidário.
Assim se tratasse de uma Universidade privada, as estatísticas deveriam deixar o nosso gestor bem alerta. Segundo dados do Observatório da Ciência e do Ensino Superior citados pelo jornal Público, 16 instituições do ensino particular e cooperativo fecharam portas entre 1990 e 2003, tendo o conjunto das Universidades privadas perdido um total de 29.000 alunos nos últimos anos. No ano lectivo 2005/2006 a taxa de ocupação das vagas para primeiras inscrições não terá ultrapassado os 41%.
De igual forma, os dados do mercado não poderão também tranquilizar o nosso gestor caso ele esteja à frente de uma instituição do ensino superior pública. Em contraste com as alegadas prioridades do Governo, o orçamento para as instituições de ensino superior registou uma quebra superior aos 6% no Orçamento de Estado para 2007, facto este que reedita idênticas opções do passado recente.
Como agravante, considere-se também a obrigatoriedade de contribuição para a Caixa Geral de Aposentações e um mecanismo de financiamento que prejudica as instituições mais dinâmicas e que são capazes de obter mais receitas próprias (via propinas ou outros serviços e projectos).
Para o conjunto das instituições de ensino superior, dois outros aspectos assumem particular importância no desenvolvimento da sua actividade, um de natureza externa e outro de cariz mais local.
Por um lado, Bolonha obrigou à reformatação dos produtos disponibilizados, estimulando a sua diferenciação face aos concorrentes, conquistando as preferências dos “consumidores” e assegurando a sua fidelização num espectro de segmentos de mercado cada vez mais alargado.
Por outro, Portugal continua a registar uma obscena taxa de abandono escolar no ensino secundário, quer daqueles que acumularam um elevado número de chumbos nos primeiros anos, quer dos que não sentem incentivos para continuar após a conclusão dos níveis de escolaridade obrigatória. Voltando ao jornal Público, serão mais de 40 mil jovens nesta situação todos os anos.
Tudo isto considerado, parece claro que não se afigura fácil a vida do gestor universitário em questão se bem que, como diria Agostinho da Silva, “impossível só quer dizer mais difícil”.
Mesmo neste cenário conturbado, há certamente margem para o sucesso das nossas Universidades, para o cumprimento da sua missão social e para a assunção de um papel determinante no desenvolvimento do País e da sua economia.
Conseguirão os nossos gestores universitários encontrar o caminho certo?

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