O Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses
O NEAAP (Núcleo de Estudos em Administração e Políticas Públicas, da Universidade do Minho), viu aprovado em 2004 pela FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia um projecto de investigação denominado “A Eficiência no Uso dos Recursos Públicos dos Municípios Portugueses” que, entre outros objectivos, se compromete a “Elaborar estudos académicos e técnicos sobre a realidade contabilístico-financeira autárquica, incluindo a elaboração de um “Anuário Financeiro dos Municípios” onde são analisados e comentados os documentos de Prestação de Contas dos municípios e a informação patrimonial, económica, financeira e orçamental, agregada para a totalidade dos municípios e por grandes grupos, atendendo à dimensão (pequenos, médios e grandes municípios) medida em número de habitantes”.
Foi assim que, no âmbito deste projecto, foi publicado em de Junho de 2005 o 1º Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses, onde foram analisadas as contas de 175 municípios relativas ao exercício de 2003, e, de então para cá, três outras edições deste Anuário relativas a cada um dos anos subsequentes – a última das quais foi publicamente apresentada na pretérita semana (incidindo sobre o ano de 2006).
Endereçando desde logo as minhas felicitações pela iniciativa aos promotores do projecto e a todos quantos reconheceram o seu mérito, financiando-o, divulgando-o e contribuindo para a sua elaboração e afirmação pública (onde se incluem entidades como a Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas e o Tribunal de Contas), parece-me igualmente pertinente suscitar uma reflexão que deve nortear futuras edições do mesmo e balizar certas leituras que se fazem dos dados já publicados.
Como registo prévio de interesses, permita-me também adiantar que não embalo na ideia simplista do desgoverno financeiro generalizado das Autarquias, mas também não me parece que a validação da sua capacidade de gestão possa ser sustentada em abordagens pouco criteriosas, por vezes nada transparentes e muitas vezes redutoras e excessivamente legalistas, que não atendam a uma lógica verdadeiramente “empresarial” de análise da sua situação económica e financeira.
Por acréscimo, refira-se que muitos dos argumentos que irei esgrimir derivam do conhecimento aprofundado a que estou “obrigado” da realidade particular do município de Braga, que considero até paradigmática de algumas das observações seguintes.
Comecemos então pelo óbvio tomando por referência os dados dos anuários dos anos de 2005 e 2006: se em 2005, Braga era a quarta autarquia com maior endividamento bancário de médio e longo prazo (apenas atrás de Lisboa, Gaia e Porto) e em 2006 surgia como a sétima autarquia com maior índice de endividamento líquido (um conceito já ajustado à luz da Nova Lei da Finanças Locais), estando nestes anos na 8ª e 9ª posição das Autarquias com maior passivo exigível, isso não poderia por si só permitir fazer juízos negativos sobre a sua situação financeira. Afinal, tratando-se de dados absolutos, é “natural” que as maiores autarquias possuam também os maiores volumes de endividamento e passivo.
Todavia, se relativizarmos esses valores pelo volume de receitas do ano anterior, verificamos que Braga desce apenas para o 8º lugar e apenas é ultrapassada por Gaia (de entre as ditas Câmaras de “grande dimensão”) no rácio das autarquias com um maior volume de endividamento face às receitas do ano anterior, registando um valor superior a 100% dessas mesmas receitas. Em linguagem mais corrente, e análoga à que hoje se aplica aos particulares, dir-se-ia que Braga é das Câmaras mais sobre-endividadas do País, em situação pior que os tão badalados casos de Lisboa ou Porto.
Mas poder-se-ia ainda perguntar e ficaríamos sem resposta à luz do Anuário: e quanto é que esse endividamento acarreta em termos de serviço da dívida anual, isto é, qual é a fatia do orçamento anual das autarquias que se destina exclusivamente a pagar (capital e juros) os empréstimos contraídos no passado. E, por quanto tempo, permanecerá tal situação como ónus para os seus gestores futuros?
Que dizer então se esse endividamento onerar os cofres municipais nas duas décadas vindouras? Que dizer então se esse serviço de dívida representar anualmente quase 10% do orçamento camarário? Que dizer então se esses 10% forem muito superiores às verbas alocadas ao investimento num conjunto alargado de áreas estratégicas da gestão municipal?
Será então legítimo enaltecer a “capacidade de endividamento” legal de uma Autarquia – como este ano aconteceu em relação a Braga -, se esse indicador omite quase 90% do endividamento já contraído por essa autarquia só porque se dirigiu a suportar investimentos “estratégicos” para o País, como aconteceu com a construção dos estádios do Euro? Ou seja, será legítimo valorizar a possibilidade de contracção de empréstimos no valor de 54 milhões de Euros quando esse cálculo ignorou 80 milhões de Euros já contratados e que vão ter que ser pagos?
A outro nível, questiono-me se é aceitável que se valorize um indicador como o pretenso “prazo de pagamento de fornecedores” quando ele pode escamotear práticas menos correctas de dilação de prazos entre a prestação dos serviços e a sua facturação e entre a recepção das facturas e o seu registo contabilístico?
Como perceber, então, que uma Autarquia que surge nos anuários de 2005 e 2006 com prazos de pagamento inferiores a 8 dias, veja o seu próprio Presidente rejeitar esses mesmos prazos e surgir nos Relatórios Semestrais dos Industriais de Construção Civil e Obras Públicas para esse período com prazos de pagamento entre 3 e seis meses?
Que os gestores políticos de uma autarquia utilizem certos dados de forma selectiva, escamoteando a verdade, com intuitos eleitoralistas, é normal, Que o possam fazer sob a capa da validação “técnica” de um estudo desta natureza exigia que estes aspectos fossem devidamente acautelados na sua elaboração e divulgação pública.
Foi assim que, no âmbito deste projecto, foi publicado em de Junho de 2005 o 1º Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses, onde foram analisadas as contas de 175 municípios relativas ao exercício de 2003, e, de então para cá, três outras edições deste Anuário relativas a cada um dos anos subsequentes – a última das quais foi publicamente apresentada na pretérita semana (incidindo sobre o ano de 2006).
Endereçando desde logo as minhas felicitações pela iniciativa aos promotores do projecto e a todos quantos reconheceram o seu mérito, financiando-o, divulgando-o e contribuindo para a sua elaboração e afirmação pública (onde se incluem entidades como a Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas e o Tribunal de Contas), parece-me igualmente pertinente suscitar uma reflexão que deve nortear futuras edições do mesmo e balizar certas leituras que se fazem dos dados já publicados.
Como registo prévio de interesses, permita-me também adiantar que não embalo na ideia simplista do desgoverno financeiro generalizado das Autarquias, mas também não me parece que a validação da sua capacidade de gestão possa ser sustentada em abordagens pouco criteriosas, por vezes nada transparentes e muitas vezes redutoras e excessivamente legalistas, que não atendam a uma lógica verdadeiramente “empresarial” de análise da sua situação económica e financeira.
Por acréscimo, refira-se que muitos dos argumentos que irei esgrimir derivam do conhecimento aprofundado a que estou “obrigado” da realidade particular do município de Braga, que considero até paradigmática de algumas das observações seguintes.
Comecemos então pelo óbvio tomando por referência os dados dos anuários dos anos de 2005 e 2006: se em 2005, Braga era a quarta autarquia com maior endividamento bancário de médio e longo prazo (apenas atrás de Lisboa, Gaia e Porto) e em 2006 surgia como a sétima autarquia com maior índice de endividamento líquido (um conceito já ajustado à luz da Nova Lei da Finanças Locais), estando nestes anos na 8ª e 9ª posição das Autarquias com maior passivo exigível, isso não poderia por si só permitir fazer juízos negativos sobre a sua situação financeira. Afinal, tratando-se de dados absolutos, é “natural” que as maiores autarquias possuam também os maiores volumes de endividamento e passivo.
Todavia, se relativizarmos esses valores pelo volume de receitas do ano anterior, verificamos que Braga desce apenas para o 8º lugar e apenas é ultrapassada por Gaia (de entre as ditas Câmaras de “grande dimensão”) no rácio das autarquias com um maior volume de endividamento face às receitas do ano anterior, registando um valor superior a 100% dessas mesmas receitas. Em linguagem mais corrente, e análoga à que hoje se aplica aos particulares, dir-se-ia que Braga é das Câmaras mais sobre-endividadas do País, em situação pior que os tão badalados casos de Lisboa ou Porto.
Mas poder-se-ia ainda perguntar e ficaríamos sem resposta à luz do Anuário: e quanto é que esse endividamento acarreta em termos de serviço da dívida anual, isto é, qual é a fatia do orçamento anual das autarquias que se destina exclusivamente a pagar (capital e juros) os empréstimos contraídos no passado. E, por quanto tempo, permanecerá tal situação como ónus para os seus gestores futuros?
Que dizer então se esse endividamento onerar os cofres municipais nas duas décadas vindouras? Que dizer então se esse serviço de dívida representar anualmente quase 10% do orçamento camarário? Que dizer então se esses 10% forem muito superiores às verbas alocadas ao investimento num conjunto alargado de áreas estratégicas da gestão municipal?
Será então legítimo enaltecer a “capacidade de endividamento” legal de uma Autarquia – como este ano aconteceu em relação a Braga -, se esse indicador omite quase 90% do endividamento já contraído por essa autarquia só porque se dirigiu a suportar investimentos “estratégicos” para o País, como aconteceu com a construção dos estádios do Euro? Ou seja, será legítimo valorizar a possibilidade de contracção de empréstimos no valor de 54 milhões de Euros quando esse cálculo ignorou 80 milhões de Euros já contratados e que vão ter que ser pagos?
A outro nível, questiono-me se é aceitável que se valorize um indicador como o pretenso “prazo de pagamento de fornecedores” quando ele pode escamotear práticas menos correctas de dilação de prazos entre a prestação dos serviços e a sua facturação e entre a recepção das facturas e o seu registo contabilístico?
Como perceber, então, que uma Autarquia que surge nos anuários de 2005 e 2006 com prazos de pagamento inferiores a 8 dias, veja o seu próprio Presidente rejeitar esses mesmos prazos e surgir nos Relatórios Semestrais dos Industriais de Construção Civil e Obras Públicas para esse período com prazos de pagamento entre 3 e seis meses?
Que os gestores políticos de uma autarquia utilizem certos dados de forma selectiva, escamoteando a verdade, com intuitos eleitoralistas, é normal, Que o possam fazer sob a capa da validação “técnica” de um estudo desta natureza exigia que estes aspectos fossem devidamente acautelados na sua elaboração e divulgação pública.
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