terça-feira, 3 de abril de 2007

As contas do Tribunal


Na semana que antecedeu a publicação do novo “Estatuto do Gestor Público” (Decreto-Lei nº 71/2007, de 27 de Março), que se pretende virá também clarificar a situação dos membros dos órgãos de gestão das Empresas Municipais e afins, o Tribunal de Contas (TC) publicitava um Relatório de Auditoria absolutamente arrasador para as práticas de remuneração praticadas na esmagadora maioria das empresas auditadas.
Este trabalho, que incidiu sobre os vencimentos e remunerações acessórias dos titulares do órgão de gestão de 31 das 107 empresas municipais que prestaram contas a este Tribunal nos exercícios de 2003 e 2004, revelou dados de tal forma desajustados da “austeridade” pública que suscitou comentários de veemente reprovação ao Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), o Social Democrata Fernando Ruas.
Ao Jornal de Notícias, o Presidente da Câmara Municipal de Viseu expressava a sua “surpresa” e a “condenação moral” pelas práticas dos seus colegas Autarcas que, segundo os dados deste Relatório, auferiam rendimentos manifestamente acima dos limites legais.
Após a leitura da auditoria do Tribunal de Contas, não se consegue perceber qual das situações era mais grave: se a ausência generalizada de definição de quaisquer critérios de recrutamento e selecção dos gestores municipais – que permitiu a nomeação de indivíduos sem qualquer experiência profissional comprovada -, se a atribuição de remunerações que compreenderam o pagamento de prémios de gestão a administradores de empresas que acumularam situações financeiras deficitárias.
De uma forma geral, os problemas elencados por este Relatório de Auditoria podem ser tipificados em três situações, as mais comummente verificadas nas empresas analisadas:
i) a existência de remunerações (vencimentos base e despesas de representação) que excediam os limites permitidos pela Resolução do Conselho de Ministros nº 29/89;
ii) o pagamento de vencimentos a membros dos Conselhos de Administração de Empresas Municipais que, em conjunto com os cargos que estes exerciam em acumulação, normalmente nos Executivos Municipais das Autarquias detentoras do capital das referidas Empresas, excediam 75% do vencimento do Presidente da República (incluindo despesas de representação);
iii) a atribuição de determinado tipo de regalias e remunerações acessórias que não se consideraram suportadas nas deliberações que instituíram os respectivos regimes remuneratórios (como o uso de viaturas, telemóveis, cartões de crédito e uma série de outras regalias).
À margem destes reparos encontravam-se ainda as práticas adoptadas por muitos dos titulares destes órgãos, que procuraram aproveitar certas inconsistências dos diferentes regimes legais aplicáveis para maximizar o seu nível de receita, algo tido por “moralmente condenável” pelo Presidente da ANMP.
Como é fácil perceber, este tipo de ocorrências perpassou por responsáveis de todos os quadrantes políticos e partidários, desde os membros do designado “Bloco Central”, até aos demais eleitos da Direita e Esquerda do espectro partidário, o que mais justifica os apelos à regulação destas situações por parte do Governo que o Tribunal de Contas formula nas conclusões do Relatório.
Neste particular, chegou a ser anedótico ver um ex-autarca comunista agora condenado a um período sabático pelo voto popular, defender-se dizendo que “apenas” auferia o equivalente a um vencimento e meio de um Vereador a tempo inteiro pelo cargo que exerceu durante o período de idílio com o poder socialista em funções. No fundo, um mero caso de conversão aos tristes hábitos da burguesia que nem sequer terá tido adeptos nos seus próprios camaradas…
Independentemente da gravidade dos factos enunciados, estamos já habituados a verificar que por mais contundentes que sejam as críticas formuladas pelo TC, os visados costumam passar totalmente incólumes ao juízo da opinião pública.
Ainda assim, não é aceitável que um Relatório de Auditoria desta natureza possa pôr em causa a dignidade e o bom-nome de pessoas e instituições sem estar totalmente fundamentado e imune a qualquer tipo de reparos.
Acontece que, relativamente a este Relatório em particular, e na sequência da divulgação das suas conclusões, foram públicas as críticas contundentes do Presidente da Câmara Municipal de Braga – uma das mais visadas no Relatório -, que considerou que o mesmo assentava num “erro de palmatória dos Auditores do Tribunal”, e que os mesmos careciam de uma “reciclagem matemática”, por não terem sabido interpretar os dados enviados pela Autarquia.
É óbvio que a Autarquia Bracarense contribuiu decisivamente para a sua exposição pública a estas alegadas denúncias ao não ter evidenciado o possível erro no contraditório que enviou à versão provisória do Relatório (quando “os serviços estavam de férias”), nem em momento imediatamente posterior, nem mesmo depois da recepção da versão final do Relatório de Auditoria, em Janeiro último.
Mesmo assim, cada dia que passa na ausência de uma confirmação ou rectificação clara dos dados que agora apresentou por parte do Tribunal de Contas – e já lá vai mais de uma semana – vai minando o rigor, a isenção e a credibilidade deste Tribunal. Até quando?

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