O precipício fiscal
A par com as Eleições Presidenciais de Novembro, os Estados Unidos
viveram o final de 2012 sob a égide da ameaça do “precipício fiscal” – a
metáfora recuperada pelo líder da Reserva Federal Norte-Americana, Ben
Bernanke, para caracterizar as implicações sobre a economia americana de um
conjunto de medidas fiscais que entrariam em vigor automaticamente no início do
novo ano.
Recuando um pouco no tempo, cumpre lembrar que esta situação teve
origem no facto de os próprios Estados Unidos (EUA) terem estado na vertigem do
colapso financeiro em meados de 2011, por força do crescimento contínuo do seu
défice público.
Na ocasião, o limite do défice (que nos EUA é definido pelo Congresso
de forma a evitar que existam gastos excessivos) foi alargado mas foi
estabelecido o compromisso de que cortes significativos na despesa do Estado
teriam que ser definidos até ao final de 2012, sob pena de haver um agravamento
fiscal e uma supressão de benefícios de diversa ordem, de forma automática, já
a partir de 1 de Janeiro de 2013.
Na prática, os ajustes previstos poderiam corresponder a uma redução de
quase 4% do PIB no défice público em um só ano, reduzindo-o para menos de metade
da cifra actual.
Acontece que lá, como em outros pontos do globo, o limite do endividamento
triplicou no espaço de uma década, dos Governos Clinton para a esfera de Bush e
Obama, com a dívida pública a ultrapassar os 100% do PIB, o valor mais elevado em
várias décadas.
Na prática, o impasse neste processo, que se arrastou até aos últimos
dias do ano – e que foi mais adiado do que resolvido -, requeria um
entendimento entre as principais forças políticas nos Estados Unidos, de forma
a encontrar compromissos que permitissem disciplinar as contas públicas mas de
forma paulatina, evitando as consequências económicas de uma política
excessivamente austera.
De acordo com as estimativas dos organismos de referência, o desemprego
poderia subir para os 9% e o País entraria em recessão no presente ano, com uma
diminuição do produto estimada de 0,5%, em resultado da introdução automática
das medidas de contenção fiscal. Entre estas, encontravam-se a supressão de
benefícios concedidos na área da saúde e de alguns apoios aos desempregados,
uma redução no orçamento da defesa e a remoção de benefícios fiscais para
algumas franjas da população e para as empresas.
No acordo alcançado, repartiram-se as cedências entre Democratas e
Republicanos, conjugando medidas de aumento de impostos com a redução de
despesas através da implementação de alguns dos cortes antes enunciados.
Todavia, a discussão está ainda parar durar, visando conter a escalada
dos défices públicos e combater aquilo que alguns designaram como a “spending
addiction” (o vício da despesa, numa tradução literal) do Estado. Em cima da
mesa, mais cortes no sistema de saúde e nas pensões, o alargamento da idade de
reforma e a reestruturação da política fiscal.
Por esta altura, estará já a perguntar-se se está a ler um texto sobre
os Estados Unidos ou sobre outra realidade que lhe é mais familiar. E, com as
devidas diferenças de escala, enquadramento e potencial económico, a verdade é
que a questão central é comum a esses e a muitos outros paises.
De uma forma resumida, cada sociedade tem que escolher o modelo de
Estado que pretende, seja na sua dimensão, nos serviços que presta ou nos
benefícios e apoios que proporciona, na consciência de que toda essa despesa
tem que ter uma contrapartida de receita e que esta só pode provir dos cidadãos
ou das empresas.
Assim, se não queremos elevar a factura fiscal que impende sobre uns e
outros, com as consequências económicas que se conhecem, a única solução é
encurtar o nível da despesa, definindo prioridades e racionalizando a
utilização dos recursos disponíveis.
Aqueles que se recusarem a efectuar esta discussão e se limitarem a
cumprir estes objectivos impelidos pelas suas próprias circunstâncias e
condicionantes, mergulharão sem margem para dúvida no “precipício fiscal”. E,
quando assim acontecer, o terrível ano de 2013 que vamos enfrentar será apenas
uma amostra…
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