terça-feira, 30 de novembro de 2010

Greve, para quê?


O passado dia 24 de Novembro assinalou a realização no nosso País, da segunda Greve “Geral” em mais de duas décadas, com contornos e evidências que merecem uma aturada reflexão.
Como tende a acontecer em todas as greves, mais do que as palavras de ordem que a antecederam ou as declarações enfáticas produzidas no seu decurso, importam os saldos finais das adesões, que redundam invariavelmente em contabilidades totalmente antagónicas.
Assim, na óptica dos seus promotores, as greves são sempre marcadas por um enorme sucesso e participação, com a ressalva de que os demais só não aderiram porque estavam a ser alvo de pressões e ameaças exacerbadas das entidades patronais.
Pelo contrário, as entidades patronais ou o Governo defendem que a greve registou níveis mínimos de adesão e que, muitos dos que foram considerados grevistas apenas participaram no protesto com medo das retaliações dos colegas.
Em relação à greve da passada Quarta-feira, a primeira ressalva que se pode fazer, independentemente das opiniões expressas de parte a parte é que de “geral” a mesma só teve a origem na convocação simultânea por parte das principais centrais sindicais – UGT e CGTP – e de vários outros sindicatos independentes.
Na prática, porém, a greve foi francamente focada no sector público – onde registou níveis de adesão consideráveis – sendo praticamente residual no sector privado. Mais, boa parte da adesão registada nesse sector resultou dos fortes condicionalismos que a greve provocou num sector crucial para o normal desenvolvimento da actividade económica - o dos transportes – e que impediu vários milhares de portugueses de se deslocarem para os seus postos de trabalho.
Se juntarmos a tal evidência os constrangimentos de muitas famílias que resultaram do encerramento das escolas e da necessidade de darem o devido acompanhamento aos seus filhos menores, compreende-se que a parcela de grevistas “não aderentes” tende a aumentar.
Pessoalmente, considero que a greve é um direito garantido constitucionalmente e que quem o exerce o faz na convicção de que está a defender os seus interesses e/ou os da sua classe profissional.
Daí que, entenda, toda e qualquer greve merece o respeito pela opção de quem a ela adere, desde que o faça de forma consciente e não forçada por via de outras condicionantes, como sejam os execráveis “piquetes de greve”.
O respeito por tal opinião não tem todavia que se traduzir numa concordância com a mesma, seja nas suas motivações, seja nos resultados esperados.
Neste caso, a greve do dia 24 revestia-se de contornos ainda mais singulares uma vez que a mesma não era convocada especificamente contra o Governo ou determinada iniciativa política em particular (como aconteceu no passado recente com o Código Laboral), mas era dirigida contra essa entidade abstracta que são “as políticas de austeridade”, num saco em que, na medida das conveniências de cada um, ora cabia o Governo do PS, ora a cumplicidade do PSD, ora as imposições de Bruxelas, ora os ataques dos especuladores do mercado, ora, ora, ora…
A ser assim, a situação é ainda mais grave por dois motivos. Desde logo, porque demonstra que mais do que a perda de penetração na população activa, as estruturas sindicais tendem a resvalar para a perda de consciência sobre a realidade envolvente, mergulhando em modelos utópicos que são apanágio dos partidos de extrema-esquerda ou de candidatos presidenciais desorientados.
Bem pelo contrário, aquilo de que o País necessitava neste momento era de estruturas sindicais fortes, corajosas e colaborantes, disponíveis para encontrar as soluções que permitissem ultrapassar os bloqueios estruturais com que Portugal se confronta e evitar o trágico destino que se avizinha.
Em segundo lugar, porque esta greve estava à partida condenada ao insucesso, não tanto pelo número de participantes, mas pela irrelevância do seu impacto na alteração das políticas públicas (tanto mais que os desmandos dos Governos socialistas dos últimos 15 anos e os desperdícios colectivos que protagonizámos enquanto Nação vão ter um preço claro a pagar nos próximos anos).
Mais do que um protesto ou reivindicação, esta greve foi a afirmação de um estado de alma, de todos quantos quiseram dizer que não são felizes. Mas, mesmo aí, talvez até só tenha captado a adesão dos que menos razões têm para se sentir assim.

PS – No passado fim-de-semana, a campanha do Banco Alimentar voltou a bater recordes de donativos angariados junto das diferentes comunidades.
É que, mudar o “estado das coisas”, em benefício do Pais e dos cidadãos, não é algo que se sonhe, prometa ou exija. É algo que se faz!

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

As Redes Sociais


Longe dos filmes pouco recomendáveis da situação orçamental do País, o mês de Novembro assistiu à estreia no cinema de uma das obras de referência do final de 2010: A Rede Social, de David Fincher.
O filme centra-se na história do aparecimento da mais importante rede social – o Facebook – e nos pormenores que envolveram a sua criação e afirmação, por iniciativa do jovem estudante de Harvard Mark Zuckerberg, hoje um dos grandes bilionários mundiais.
Não se pretendendo transformar este espaço numa crítica de cinema, nem muito menos proceder à análise sociológica ou tecnológica deste fenómeno, esta referência serve como indicador adicional da relevância que esta temática hoje tem nas sociedades desenvolvidas, em complemento à constatação de que o dito Facebook reúne 500 milhões de pessoas de 207 países.
Deixo-lhe uma outra pequena demonstração do potencial destas redes sociais que, além de disponibilizarem diversas funcionalidades aos seus utentes são já hoje muito mais que pontos de contacto entre pessoas conhecidas e “amigos” da vida real, sendo utilizadas para a disseminação de mensagens de cariz político ou social, para a divulgação de eventos culturais, para a afirmação de movimentos cívicos e, já aqui voltaremos, para todo o tipo de acções promocionais por empresas e particulares.
Na passada Segunda-feira à noite recebi um dos muitos convites sui-generis com que somos diariamente confrontados nestes espaços virtuais: um amigo desafiava-me a substituir a foto do meu perfil na Rede por uma imagem de uma banda desenhada da minha infância com que me pudesse identificar, a manter durante o presente mês de Novembro.
A iniciativa que, como sempre acontece, partira de um internauta anónimo, estava já centralizada num grupo que contava com cerca de 10.000 aderentes e tinha pendente a resposta de cerca de 100.000 outros membros da rede.
Depois de muitas Heidis, Anitas, Mafaldas, Princesas Disney, She-ras, Minies e diversos Calvins, Tom Sawyers, Topo Gigios, Marcos, Cebolinhas, Marretas, etc. se juntarem progressivamente ao meu Dartacão, os dados a meio da tarde de Quarta-feira eram elucidativos: 120.000 confirmações, mais de 1 milhão de convites pendentes.
Obviamente, não há, em qualquer outro suporte e em tão pouco espaço de tempo, a capacidade de interagir de forma activa com um quasi-ilimitado leque de destinatários como aqui acontece.
A esta luz, percebe-se que este fenómeno não poderia ficar à margem de uma lógica fortemente comercial, não apenas dos criadores e gestores da Rede, mas sobretudo por parte dos vários utilizadores, nomeadamente de cariz empresarial.
Há, pois, duas questões que se colocam de forma particular e para as quais não parece haver uma resposta incontestável: pode uma empresa manter-se à margem destes novos canais de comunicação com os seus clientes, actuais e potenciais? Deve uma empresa centrar as suas acções de Marketing nestes canais e abandonar os suportes tradicionais?
A resposta a ambas as questões não foge da tradicional discussão em torno dos recursos disponíveis para investir na área do marketing por parte de cada empresa e sua alocação entre os diferentes suportes comunicacionais, em função dos respectivos custos e benefícios e das estratégias que a empresa pretenda prosseguir.
Ainda assim, parece ser demasiado tentador o ter acesso, a tão baixo custo, a um tão vasto leque de interlocutores (e, logo, clientes potenciais) para que a empresa, qualquer empresa, possa passar à margem da realidade das Redes Sociais.
Há, porém, um aspecto muito importante a salvaguardar. Por mais simples e económico que possa parecer, o aproveitamento destas redes sociais é extremamente exigente, carecendo de abordagens consistentes, criativas e alicerçadas em mecanismos de captação e fidelização do interesse dos públicos-alvo.
Mais do que criar uma “conta” ou uma “página” para promoção da empresa, dos seus produtos ou serviços, a empresa tem que transformar essa informação em valor acrescentado para os seus destinatários, alicerçando-a em conteúdos bem construídos e dirigidos para os objectivos a atingir.
A não ser assim, mais vale manter-se fora das Redes Sociais… enquanto puder!

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Santos e pecadores


Se há algo que, sendo por vezes incontornável, me causa algum desconforto, como sempre sucedeu ao longo dos últimos onze anos de “colunista económico”, é a circunstância de ter que escrever sobre alguém com quem tenho alguma proximidade.
Desde logo porque, a ser por boas razões, temo estar a ser parcial no juízo efectuado, vendo a racionalidade ser toldada por outros factores de natureza emocional.
Pelo contrário, quando me vejo forçado a assumir uma postura crítica do desempenho, da conduta ou do discurso de alguém que merece o meu apreço, hesito sempre entre a tentação da condescendência e o receio dos danos que podem resultar de tal opinião, quanto mais não seja no plano das relações pessoais.
Em verdade, este é um desses momentos.
O “meu” Professor Fernando Teixeira dos Santos, hoje reconhecido por todos os Portugueses na sua qualidade de Ministro das Finanças, é uma pessoa com quem sempre cultivei uma óptima relação e a quem reconheci o valor associado às suas capacidades técnicas e científicas, a sua ponderação e bom senso, a postura determinada na defesa das suas convicções e a capacidade para estabelecer bases de entendimento em contextos de disputa de interesses.
Foi assim que sucedeu no nosso relacionamento professor/aluno, nas participações comuns em diversos órgãos de gestão da Faculdade de Economia do Porto e em diversos contextos profissionais posteriores.
Apesar da experiência “nacional” que resultava da Presidência da CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e da passagem pela Secretaria de Estado das Finanças com Sousa Franco no primeiro Governo de António Guterres, a sua indigitação para Ministro das Finanças após a ruptura de Luís Campos e Cunha acabou por ser uma boa surpresa.
Em particular durante o primeiro mandato de José Sócrates, e pese embora a falta de sentido político que pautou algumas das suas intervenções públicas (muitas vezes em abono da sua própria credibilidade), Teixeira dos Santos assumiu-se como um Ministro disciplinado e disciplinador, mas com resultados pouco sensíveis no processo de consolidação orçamental.
Aqui, tal como transpareceu para a própria opinião pública, o Ministro das Finanças ficou várias vezes com o ónus das opções menos simpáticas do ponto de vista político, entrando até diversas vezes em contradição com outros colegas do Executivo e com o próprio Primeiro-Ministro, José Sócrates.
Nesse período, Teixeira dos Santos construiu uma aura de uma espécie de “grilo falante” da governação socialista - qual consciência última dos despautérios praticados pelos Governos de Sócrates -, numa tarefa tão louvável quanto mal sucedida por entre a cultura do desperdício, da tomada de assalto do aparelho de Estado e do populismo reinante, em especial em períodos pré-eleitorais.
Percebeu-se, pois, a saturação com que atingiu a fase final desse mandato e as expectativas publicamente ventiladas de uma “reforma dourada” que pudesse recompensar devidamente os serviços prestados à Pátria no exercício dessas funções.
Acontece, porém, que esse exílio não se consumou e que, continuando Ministro das Finanças, Teixeira dos Santos se vê confrontado com uma conjuntura política, económica e financeira cada vez mais agreste, à medida que se altera a conjuntura internacional (ou a perspectiva como a envolvente olha para situações como a portuguesa) e que, sobretudo, se vai descobrindo o muito lixo que a Governação de Sócrates procurou esconder debaixo do tapete.
Sem a solidariedade política e efectiva do resto do Executivo e do Primeiro-Ministro – sistematicamente mergulhados numa lógica de facilitismo e deslumbramento que muito condicionou as nossas possibilidades de mitigar de forma atempada os graves problemas que o País hoje enfrenta -, sem a capacidade política para gerir melhor algumas das suas intervenções públicas recentes e, porventura, sem a visão ou a vontade para encontrar soluções efectivas para os problemas existentes, Teixeira dos Santos tornou-se um dos rostos do colapso do Governo, do seu irremediável fracasso nas metas traçadas, em particular na esfera orçamental, e da nossa condenação colectiva a um prolongado período de “vacas magras”.
Nesta fase, invocar situações como os deslocados ataques aos Presidentes de Junta de Freguesia, as críticas à “falta de patriotismo” da PT no processo dos dividendos, a famigerada entrevista ao Expresso em que colocava a taxa de juro de 7% sobre a nossa dívida soberana como o limiar para a intervenção do FMI, ou os atrasos e erros técnicos do OE/2011 são meros apontamentos no turbilhão de incidências que já conduziram à sua “nomeação” como “Pior Ministro das Finanças da União Europeia” em diversos media internacionais de relevo.
Sejamos claros: pessoalmente, continuo a achar que Teixeira dos Santos não é aquilo que hoje parece.
Mas, como se pode beber da sabedoria popular, “Diz-me com quem andas…