quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

2009 em marcha-atrás


A cada final do mês de Dezembro, cumpre fazer a retrospectiva do ano que se apresta a findar e formular votos e desejos para o ano novo que se avizinha num ritual cíclico que faz equiparar as nossas vidas aos mais elementares mecanismos de controlo de gestão de uma qualquer organização.
Começando pelo fim, o ano de 2010 chegará com um enorme manto de incerteza, tal é o panorama de instabilidade social, económica e política que se vislumbra no horizonte.
E se na vertente política bastará que os principais protagonistas se foquem no essencial e deixem de fazer jogos estratégicos para tentar fazer prevalecer os seus interesses, nas componentes económica e social manter-se-ão os tempos de dificuldade.
Afinal, por mais proclamações oficiais que possam ser feitas por uma qualquer Alice no País das Maravilhas, o cenário é ainda pesado e não há miríade de investimento público alguma que possa contribuir para o inverter da situação, quer numa óptica de curto, quer de médio e longo prazo.
Falta uma estratégia de desenvolvimento económico sustentada. Faltam agentes económicos dinâmicos e capazes de alicerçar superiores níveis de criação de riqueza e emprego. Falta um real espírito de inovação, empreendedorismo e produtividade. Falta um enquadramento institucional que catalise o investimento privado e proteja o normal desenrolar da actividade económica. Falta uma outra cultura financeira. Faltam qualificações que não se cinjam aos progressos estatísticos que resultam de um qualquer oportunismo. Falta um Estado que proteja mas não se limite a sustentar a indolência. Falta Governo. Falta vontade. Falta verdade. Falta valor.
Neste quadro geral, nem sei se os bons exemplos e os parcos casos de sucesso servem para mitigar a demais realidade ou se sobre eles cai a expectativa da inevitabilidade de um destino que de forma alguma conseguirão contornar e devem ser vistos como uma expressão fugaz de excepção.
Poder-se-á dizer que esta é apenas a versão pessimista que vem grassando pela opinião pública e publicada de alguns anos a esta parte. Mas a verdade é que os ecos de 2009 em muito ajudaram a dar corpo a este sentimento geral.
Num ano que se iniciou com o País a lamber as feridas da falência iminente de duas instituições financeiras de relevo -o BPN e o BPP-, o que deu origem a uma incontrolável injecção de fundos públicos e a uma total perda de credibilidade dos mecanismos de supervisão, o próprio Estado mergulha nas malhas da pré-insolvência, com uma enorme derrapagem do défice orçamental, com uma dívida pública (principalmente externa) galopante e com o impacto deste quadro sobre a notação de rating do País.
Não muito longe, colegas de longa data da aventura europeia atravessam dificuldades semelhantes, num exemplo que deveria ser mais elucidativo quanto ao impacto de certo tipo de descuidos e mais clarividente quanto ao caminho a seguir.
À primeira esquina, bem o sabemos, voltará a ser exigido um esforço de contenção, um contributo de todos para o desiderato colectivo que rapidamente sentiremos no apetite da máquina fiscal e nas políticas que continuam a achar que o Estado gere melhor os recursos que os cidadãos.
Do par de robalos que se transaccionou numa qualquer banca de peixe mais ou menos graúdo aos negócios da comunicação social que validam reorientações editoriais al gusto, este não foi de todo um ano de boas notícias.
E, por mais que se voltassem a ver os shoppings a transbordar nas vésperas de Natal e os pacotes de férias a esgotar para os mais diversos destinos, os dados do INE sempre serviam para lembrar que o desemprego já ultrapassa os dois dígitos e não deve parar por aqui, mesmo nas zonas que não são estruturalmente deprimidas.
Se em alguns casos os recursos financeiros bebem Red Bull - que lhes dá asas para voarem para outras paragens -, no QREN devem andar a tomar chã de camomila – que lhes provoca tamanha letargia que tardam em sair das gavetas dos responsáveis dos Programas Operacionais.
Mas, ao contrário de muitos dos males antes retratados, aqui o tempo resolve. Só pode.
Um feliz ano de 2010.

sábado, 19 de dezembro de 2009

O valor da água III


Partindo da observação sobre o impacto das mudanças nos tarifários do abastecimento de água sobre os resultados eleitorais em alguns Municípios do País aquando das últimas eleições autárquicas, pude ao longo das últimas duas semanas versar alguns dos factores que condicionam este sector de actividade hoje vital para as comunidades.
Assim, além de aludir aos múltiplos apelos e estudos que defendem a harmonização de tarifários, na forma e nos valores, à regulamentação e legislação que conduzirão a tal desiderato de forma incontornável no curto prazo e, até, aos fundamentos económicos, financeiros, ambientais e sociais que podem justificar o inevitável aumento dos preços deste bem, deixei expressa a minha convicção quanto à imposição próxima da necessidade de um modelo de fundamentação de base local.
A concluir esta “trilogia da água”, não poderia deixar de abordar um outro aspecto, intimamente relacionado com os anteriores, que pode ele próprio agravar a leitura que os cidadãos poderão fazer dos referidos aumentos que se irão processar nos tarifários das águas e serviços conexos ao longo dos próximos anos.
A saber, refiro-me à participação crescente de empresas e investidores privados no sector, quer através da concessão do serviço, quer através da participação nos capitais de empresas municipais e multimunicipais nas quais esta actividade se encontra delegada por diferentes Municípios.
O cerne da questão consiste na apreciação que os cidadãos farão da opção de organismos públicos pela abertura à intervenção de agentes privados num sector nuclear do ponto de vista estratégico, com procura garantida e com progressivos aumentos dos preços impostos pela via normativa. Tanto mais que, na generalidade das situações em que esta opção se verifique, será difícil explicar que os aumentos em questão não resultam exclusivamente da “gula” do novo parceiro privado.
Como também é compreensível, a situação tender-se-á a agravar na percepção dos cidadãos quando tais empresas ostentarem resultados positivos e procederem, inexoravelmente, à distribuição de rendimentos pelos seus accionistas.
Começando pelo princípio, a abertura a tais formas de colaboração com agentes privados pode derivar de muitas ordens de razões: o aproveitamento de know-how específico, a obtenção de sinergias com sectores de actividade conexos, o recurso a formas de gestão menos pesadas do ponto de vista administrativo/formal, o acesso a uma superior capacidade de investimento e/ou o contornar de dificuldades de acesso ao crédito ou a mera lógica de captação de uma receita de cariz extraordinário para financiar outro tipo de prioridades.
Com excepção deste último caso, cujos custos “políticos” podem ser manifestamente superiores, em todas as outras hipóteses a concretização da parceria tem em vista a melhoria do serviço prestado aos munícipes nesta esfera específica.
Assim sendo, o segredo do sucesso de tais parcerias assenta em quatro pilares fundamentais: a definição de condições financeiras justas, que salvaguardem o interesse público; a imposição de compromissos de investimento rigorosamente calendarizados, quer na expansão, quer na manutenção da rede de abastecimento; a definição de parâmetros de qualidade e respectiva monitorização de excelência; e o estabelecimento de mecanismos de controlo sobre os tarifários a praticar.
Obviamente, estas condições deverão estar salvaguardadas quer nos Cadernos de Encargos dos processos de concessão, quer nos Acordos Parassociais inerentes a eventuais alienações de parcelas de capital de empresas municipais ou multimunicipais.
Quanto à questão da rentabilidade, a única atenuante poderá passar pela assunção de cláusulas de diferente natureza que balizem a eventual distribuição de resultados pelos accionistas: a título de exemplo, a imposição de tectos percentuais sobre o valor do investimento anual realizado, a obrigatoriedade de ter um certo prazo médio de pagamentos a fornecedores, a necessidade de fazer depender tal distribuição da amortização de parte do capital em dívida, entre várias outras possibilidades socialmente valorizadas.
Ora, estes princípios podem igualmente aplicar-se a qualquer outro sector de actividade de natureza eminentemente pública. Mas, também aqui, o mérito da participação privada poderá desde logo advir da viabilização de um conjunto de investimentos em projectos socialmente relevantes que os depauperados cofres públicos não conseguissem garantir de per se.
Neste caso, porém, há uma importante nuance que marca toda a diferença. Se é naturalmente legítimo, até à luz da dita fundamentação dos tarifários, que o parceiro privado se aproprie de parte do benefício que compensa os custos pelos investimentos realizados, pela gestão das operações e da remuneração do capital empregue, deve também apoderar-se da parte do aumento do preço que visa racionalizar o consumo?
A gestão das verbas resultantes dessa parcela do tarifário será, porventura, uma das mais importantes questões a cuidar em matéria de políticas públicas para este sector.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O valor da água II


Iniciei na passada semana um conjunto de artigos sobre a problemática do abastecimento de água que tomou como pano de fundo o impacto das mudanças nos tarifários praticados sobre os resultados eleitorais em alguns Municípios do País aquando das últimas eleições autárquicas.
Como referi, mais do que essa análise circunstancial, importa enquadrar esta questão à luz da tendência generalizada para o aumento de preços que se irá verificar ao longo dos próximos anos, quer por razões económicas (de mercado), quer por factores financeiros (ligados à sustentabilidade das empresas que prestam tal serviço), quer até por disposições normativas, nacionais e internacionais, que versam ou irão versar esta matéria.
Se há uma convergência generalizada quanto a essa necessidade de aumento dos tarifários, as opiniões têm sido mais díspares e até pouco concretas em relação ao valor correcto que deve ser praticado aos consumidores finais, tal é a discrepância hoje verificada no conjunto do País e mesmo a nível internacional.
Ainda assim, se quisermos um referencial indicativo podemos atender a estudos da OCDE que apontam para um valor estimativo do peso máximo da factura da água e esgotos no orçamento dos consumidores na ordem dos 2,5% quando hoje essa despesa deve corresponder a pouco mais que 0,1% para o cidadão médio português.
Mas, o que pode justificar tal discrepância? A existência de condicionantes políticas na definição dos tarifários parece ser novamente o factor mais relevante.
Tome-se o exemplo de uma autarquia de média dimensão com cujos responsáveis discuti recentemente esta problemática: sem ter em conta os custos administrativos de gestão da operação, os desperdícios, as dificuldades de cobrança dos valores facturados e de estímulo à ligação ao abastecimento público, o valor angariado de receita pela distribuição de água não ultrapassa o equivalente a 25% dos custos suportados pela Autarquia com a aquisição da água à empresa fornecedora, também ela de capitais exclusivamente públicos.
O diferencial traduz obviamente a assunção de um custo social por parte do Município, aplicado de forma generalizada em benefício de todos os consumidores locais, mas assumindo já um peso significativo no próprio orçamento da Autarquia o que torna a situação manifestamente insustentável.
Perante este tipo de circunstâncias, que se multiplicam um pouco por todo o País, a tendência será para a fixação do preço da água a um valor que garanta o equilíbrio económico-financeiro dos agentes do mercado e que funcione também como um incentivo à utilização racional e sustentável desse recurso exíguo.
De uma forma simplista, poder-se-ia dizer que cumpre aplicar os princípios do poluidor-pagador e do utilizador-pagador, sem descurar a necessidade de promover uma ajustada discriminação de preços entre diferentes tipos de utilizadores, seja em função da sua natureza (consumidores domésticos, indústria, agricultura ou comércio e serviços), da sua capacidade económica ou de outro tipo de objectivos das políticas públicas (como os descontos aplicáveis às famílias numerosas).
Quanto à fixação do valor justo da água, a Directiva-Quadro em vigor na União Europeia estabelece no seu Artigo 9º que “os Estados-membros devem ter em consideração o princípio da recuperação dos custos dos serviços da água, incluindo os custos ambientais e os custos de escassez de recurso”, consistindo os “serviços da água” na “provisão, às actividades económicas e aos consumidores domésticos e instituições públicas, de serviços de captação, armazenamento, tratamento e distribuição de água (de superfície ou subterrânea) e de drenagem, tratamento e rejeição de águas residuais em águas de superfície”.
Trata-se, pois, de financiar todos os investimentos de criação das infra-estruturas nestes domínios, das operações de manutenção, conservação e renovação de tais infra-estruturas ao longo dos anos e o processo de exploração e gestão do “negócio”, ponderando tais custos pelo impacto ambiental do consumo e estimulando a referida utilização racional.
Isto é, os preços da água devem ser estabelecidos de forma a cobrirem os custos totais – custos de serviço, custos de escassez, externalidades económicas e externalidades ambientais, salvaguardando também a necessidade de respeito por exigentes padrões de qualidade do “produto” em questão.
Ora, até como justificação para as onerosas decisões políticas que terão que ser tomadas, a aplicação dos novos tarifários, deste e de outros serviços públicos, terá que passar por uma adequada fundamentação económico-financeira dos valores cobrados, em linha com o que hoje se verifica para as taxas e licenças das autarquias locais.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O valor da água I


A derrota do histórico Social-Democrata Fernando Reis na Câmara Municipal de Barcelos foi um dos factos que marcaram as últimas Eleições Autárquicas.
Se uma análise mais distante poderia apontar para uma eventual saturação do eleitorado, que não teve correspondência noutras circunstâncias análogas, o observador mais interessado e que se digne questionar aos eleitores locais a razão para tal mudança dificilmente obterá uma resposta diversa da que aponta para os aumentos verificados no preço da água no decurso do último mandato.
Não muito longe, outra Autarca de grande projecção mediática, Fátima Felgueiras, passou boa parte da sua campanha eleitoral a imputar as culpas pelo agravamento verificado no custo da água à Águas de Portugal e, por inerência, ao Governo, consciente do impacto que tal facto poderia vir a ter, como veio, no processo eleitoral.
Em ambos os casos, a oposição (agora em funções) comprometeu-se a reduzir o preço da água após a respectiva eleição para preços socialmente mais justos, o que terá contribuído para as boas graças dos eleitores no momento da sua escolha.
Mais do que o impacto local, estas ocorrências revestem-se de contornos especiais uma vez que já afectaram ou virão a afectar vários outros Municípios ao longo dos próximos anos.
Situações similares, aliás, terão sucedido em vários outros pontos do País, e estado igualmente na base de algumas das dezenas de mudanças de Presidência de Câmara verificadas.
Na base desta circunstância está a constatação múltiplas vezes repetida por entidades como a DECO – Associação de Defesa do Consumidor ou a ERSAR (ex-IRAR) – Entidade Reguladora para o Sector das Águas e Resíduos de que existe uma enorme discrepância entre os preços e modalidades de tarifários praticados pelas diferentes Autarquias, com diferenças que podem ascender às centenas de Euros numa base anual, para consumos equivalentes.
Mais a mais, tais diferenças não são hoje economicamente sustentadas em qualquer tipo de fundamentação, pelo que só podem ser genericamente imputadas aos custos operacionais da sua captação, tratamento e distribuição, ao modelo de gestão das entidades responsáveis por tal fornecimento e às opções políticas incidentes sobre estes tarifários nas diferentes Autarquias do País.
A este nível, registe-se que um dos mais importantes passos para a harmonização dos tarifários foi já dado no decurso do presente ano com a publicação de uma Recomendação pelo IRAR relativa à formação de tarifários dos serviços públicos de abastecimento de água para consumo humano, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, dirigida às entidades gestoras dos sistemas municipais e multimunicipais que prestem esses serviços aos utilizadores finais, independentemente do modelo de gestão adoptado, bem como às entidades que possuam competência para a aprovação dos respectivos tarifários.
Esta iniciativa, que decorre também da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20 de Agosto - que estabelece o regime jurídico dos serviços municipais e intermunicipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos urbanos -, já no início de Janeiro, centra-se, porém, na formulação dos tarifários e não nos respectivos valores.
Ainda assim, quer no âmbito da Directiva-Quadro da Água da União Europeia, quer em diversos documentos estratégicos de cariz nacional, e com natural sequência nas intervenções públicas dos titulares da pasta do Ambiente (antes, Nunes Correia, agora, Dulce Pássaro) constam referências às prementes actualizações ao valor do preço da água praticado junto dos consumidores finais em montantes que podem vir a ser bastante impactantes do ponto de vista económico e social.
Daí que se possa questionar, qual será o valor justo para a água?
Em Barcelos, a empresa concessionária do serviço encontra-se em falência técnica e já assumiu que a água terá que aumentar novamente mais 38% no próximo ano para garantir o seu equilíbrio financeiro, ao invés da redução de 50% avançada pelo novo Presidente, Miguel Costa Gomes, no decurso da campanha eleitoral.
A proposta, já reprovada pela Autarquia, pode vir a redundar no resgate da concessão, através do pagamento de uma avultada cláusula indemnizatória. Mas, qualquer que seja a opção tomada, resolverá a questão de fundo?
Voltarei a esta temática na próxima semana.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

As Taxas Municipais


Até há bem pouco tempo, a criação e fixação de taxas municipais - poderíamos mesmo reportar-nos às demais Autarquias Locais mas face à sua maior expressão centremo-nos na esfera camarária -, desde que devidamente regulamentadas e enquadradas na Lei Geral, regiam-se pelo mesmo princípio que sustenta a aplicação da generalidade dos impostos e taxas praticadas pelos demais serviços públicos: o da responsabilidade política.
Assim, caberia aos titulares dos diversos órgãos de governo estabelecer os seus valores e cumpriria aos cidadãos e demais entidades taxadas avaliar da correcta gestão e aplicação dos recursos assim angariados por esses mesmos órgãos.
De forma ilustrativa, se fugindo a este âmbito olharmos para a esfera da fiscalidade municipal, verificamos que, em tese, eu posso ficar satisfeito por a minha Câmara Municipal fixar uma taxa máxima de IMI se admitir que esses recursos serão muito bem aplicados e, porventura, em meu benefício, por essa mesma Autarquia.
A publicação do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL), que entrou em vigor no passado dia 1 de Janeiro de 2007, mas cuja aplicação efectiva terá lugar a partir de Janeiro de 2010, veio alterar significativamente esta situação.
Assim, este Diploma (Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro) prevê que a aplicação das taxas municipais em vigor, a alteração do seu valor e a criação de novas taxas deve passar a subordinar-se à exigência de que os regulamentos a aprovar pelas autarquias locais contenham obrigatoriamente, entre vários outros elementos, a fundamentação económico-financeira relativa ao valor das taxas, designadamente os custos directos e indirectos, os encargos financeiros, amortizações e futuros investimentos realizados ou a realizar pela autarquia local.
Isto é, no respeito pelo princípio da equivalência jurídica, o valor das taxas das autarquias locais é fixado tendo em conta o princípio da proporcionalidade, não devendo ultrapassar o custo da actividade pública local (o custo da contrapartida) ou o benefício auferido pelo particular.
Nestes termos, induz-se as autarquias locais a procederem a um verdadeiro escrutínio dos factores financeiros que estão na base da aplicação das diferentes taxas, tarefa esta nem sempre fácil de consumar atendendo à inexistência de contabilidade analítica na esmagadora maioria das Autarquias.
Ainda assim, tendo por base quer a experiência dos trabalhos que desenvolvi para algumas Autarquias, quer ainda os relatórios finais disponibilizados pelas demais nos processos de consulta pública já realizados, creio que este desígnio foi assumido de uma forma séria e responsável pela generalidade dos Municípios.
De notar, porém, que a esta componente estritamente técnica da fundamentação se junta uma vertente política, uma vez que a Lei admite também que as taxas podem ser fixadas com base em critérios de desincentivo à prática de certos actos ou operações, desde que respeitada a necessária proporcionalidade, ou que as Autarquias podem assumir parte do custo social de certas taxas, como forma de incentivo à prática de certos actos ou ao desenvolvimento de determinadas actividades.
Ultrapassada esta tarefa, as novas Tabelas de Taxas e Licenças Municipais e, bem assim, os inerentes Relatórios de Fundamentação Económica e Financeira produzidos abrem campo a um interessante trabalho de investigação, que até poderá ser desenvolvido sob alçada de vários organismos públicos.
Afinal, não deixa de ser interessante efectuar um estudo comparativo das taxas praticadas por diferentes Autarquias, quer quanto à estrutura da Tabela, quer quanto aos valores aplicados, escrutinando os índices de produtividade que lhe estão inerentes ou as opções políticas que estiveram na base da aplicação dos referidos critérios de incentivo / desincentivo.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Conto de Natal

(Imagem retirada daqui)
Era uma vez uma cidade que era conhecida como a “Capital do Comércio”.
Progressivamente, porém, à medida que alguns se apaixonaram pela novidade e imponência das grandes superfícies comerciais - que viam como a solução mais fácil e imediata para os graves problemas de desemprego que emergiram no conjunto da sociedade local -, as suas mais-valias tradicionais começaram a degradar-se e a perder atractividade.
Daí que fossem muitas as vozes dos mais diversos quadrantes a clamar por um conjunto de iniciativas que contribuíssem para a revalorização dos espaços comerciais inseridos no centro da cidade, muito particularmente na sua zona do Centro Histórico, quer como elemento de revitalização económica e apoio ao emprego, quer como instrumento de promoção turística, quer ainda como parte fulcral de uma premente estratégia de renovação urbana.
Entre estas, poder-se-iam destacar: a promoção de iniciativas de animação sócio-cultural dos espaços; o desenvolvimento de medidas que estimulassem a fixação de “lojas-âncora” em alguns dos edifícios nobres existentes e hoje subaproveitados; a adopção de uma lógica mais cooperante entre os proprietários e lojistas (como se de uma verdadeira gestão de condomínio se tratasse); até à intervenção na melhoria das condições físicas de acolhimento de visitantes ou turistas e consumidores.
Neste domínio, o sonho de muitos era ver chegar o dia em que toda a Rua do Souto (a principal artéria comercial dessa zona da cidade) e suas zonas contíguas, pudessem ser revestidas de uma cobertura translúcida, erigida em material consentâneo com as condições de segurança exigíveis, até face ao avançado estado de degradação de muitos dos edifícios aí implantados.
Mais do que um mero “centro comercial ao ar livre”, impunha-se que a dita “Capital do Comércio” possuísse um ícone, umas galerias ao nível do melhor que existe no mundo, como se nessa bimilenar cidade fosse possível desfrutar do travo das milanesas Vittorio Emanuele II, das Saint-Hubert de Bruxelas e de outros espaços afins um pouco por todo o mundo.
Ora, desde o ano passado, os habitantes dessa cidade podem viver uma simpática ilusão Natalícia. No âmbito da instalação das iluminações públicas alusivas a esta quadra festiva, uma longa abóbada cintilante cobre estas artérias, ao longo de algumas centenas de metros, como que querendo devolver a luz da vida a esse espaço nobre do centro, tradicionalmente deserto após o encerramento dos estabelecimentos comerciais.
Por entre o tradicional fervilhar de gentes e emoções que se vivencia nesta época do ano, das gargalhadas dos miúdos e dos cumprimentos e reencontros que o ímpeto oferente sempre acaba por propiciar, fica latente a secreta esperança de que, desta feita, a diáfana cobertura não se vá junto com o papel de embrulho e os pinheiros enjeitados a cada novo princípio de Janeiro.
E que, assim, a Capital do Comércio possa voltar a ganhar o seu fulgor e a afirmar-se como destino incontornável de visitantes de todos os pontos do norte da Península.
Porque, também aqui, Natal pode ser sempre que um Presidente da Câmara quiser…

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Programa de(s)Governo


Após a renovação da confiança dos eleitores nacionais nas Legislativas de 27 de Setembro último, o líder do Partido Socialista e Primeiro-Ministro cessante, José Sócrates, foi novamente indigitado para a liderança do Executivo, constituiu a sua equipa e apresentou na Assembleia da República o seu novo Programa de Governo.
Ora, nas actuais circunstâncias políticas que resultaram desse acto eleitoral, com a constituição de um Parlamento sem suporte maioritário para nenhuma força partidária, o novo Governo terá que fazer “pontes” ainda que circunstanciais com as diferentes forças da Oposição, com vista à viabilização da aprovação dos diplomas que venha a submeter à Assembleia da República.
Enquadrado por estas condicionantes, e tal como sugeriam os comentários difundidos nos principais media generalistas da pretérita semana, seria de supor uma abordagem pragmática do Executivo com vista a assegurar a “conquista” dos votos dos seus opositores: alicerçada numa governação “à esquerda” nas matérias de cariz sócio-político e numa governação “ao centro” nas questões da esfera sócio-económica.
A apresentação, já esta semana, do Programa de Governo não veio pôr em causa essa antevisão, pese embora este documento seja uma cópia relativamente fiel do programa eleitoral do Partido Socialista, também ele pouco prolixo em relação à explicitação da forma de concretização de certos objectivos.
Sobre esta matéria, poderia questionar-se a opção do Executivo de não abrir desde já a porta a um diálogo conciliador com as demais forças partidárias, mas ninguém pode pôr em causa a legitimidade política da opção tomada à luz da vontade popular expressa.
Neste particular, parece até de todo despropositado que as estruturas sindicais e os partidos políticos, bem como a classe visada por esta matéria, venham novamente questionar a manutenção do estatuto docente e do respectivo modelo de avaliação (ainda que tenham razão quanto ao essencial) tendo em conta que sendo essas duas das principais bandeiras do anterior Governo que foram sufragadas em Setembro último, o novo Executivo de Sócrates se encontra plenamente legitimado para manter as suas opções.
Ainda assim, aqui como nas matérias do foro económico, e, em concreto, na recorrente insistência na prioridade aos investimentos públicos – mormente em projectos demasiado onerosos para a saúde financeira das nossas contas públicas e de rendibilidade duvidosa quanto ao seu potencial reprodutivo para a economia no seu todo, a legitimidade eleitoral não se deve sobrepor em demasia ao bom-senso, ao rigor e à cultura democrática.
Neste plano, a ideia repetida até à exaustão de que um aumento desse tipo de despesa, co-financiado por verbas públicas e por fundos comunitários e privados, é a alavanca necessária para promover a retoma económica e promover o bem-estar social e o combate ao desemprego galopante está longe de estar comprovada.
E, bem sabido, as “juras de amor” hoje renovadas às PME e outros públicos, esbatem-se na parcimónia das medidas, na não efectividade dos programas, na tremenda carga burocrática que retarda e esbanja os recursos alocados aos diferentes fundos comunitários.
Mesmo com o mesmo “homem do leme” e com os “homens e mulheres dos remos” por este escolhidos, Portugal precisa de um novo e diferente rumo, se não quer continuar a levar reprimendas públicas nos diversos estudos independentes que vão sendo produzidos por diferentes organismos e credíveis instituições financeiras internacionais.
Antes que a “consequência” seja verdadeiramente incomportável e onere irreversivelmente as gerações vindouras, fazia falta uma amostra de política de “verdade”. Para variar.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Macro inaugurações. Nano Seriedade.


Em período pré-eleitoral, e com múltiplas e honrosas excepções de governantes que olham para os eleitores como gente capaz de escrutinar a realidade e de ajuizar perante os comportamentos dos mandantes, não há Governo ou Autarca local que não cuide de reservar para os últimos meses ou semanas dos seus mandatos a exibição da obra e a comprovação do trabalho feito.
Para lá das inaugurações “reais” - de projectos já concluídos e prontos a entrar em funcionamento -, acumulam-se as inaugurações “oficiais” - de equipamentos e intervenções já a carecerem da sua primeira manutenção – e as inaugurações “virtuais” - de obras cuja conclusão está longe de ser vislumbrada mesmo à vista desarmada.
Se tal não bastar, pode juntar-se ainda a mediática visita a “obras em curso” ou o incontornável “lançamento da primeira pedra”, quando não a “apresentação pública do projecto”.
O frenesim chega a ser de tal ordem que o comum dos cidadãos quase aspira a que haja actos eleitorais todos os meses, enquanto elemento catalisador do desenvolvimento e dinamizador da acção de quem governa.
Por acréscimo, como não basta promover tais iniciativas se não houver a correspondente adesão popular para atestar do apreço e regozijo do cidadão-eleitor, eis que se junta a devida dose de comes, bebes e festa, na justa medida necessária aos grandes eventos de massas.
Com tudo isto, sofre o depauperado erário público, que assim se vê forçado a suportar despesas aparentemente supérfluas com o único propósito de satisfazer o ego e a agenda promocional dos governantes-candidatos.
Neste particular, cumpre frisar que o actual Governo e, muito particularmente, o Primeiro-Ministro José Sócrates não se enquadra totalmente no perfil enunciado.
Afinal, por mais que o mesmo recorra sistematicamente às referidas inaugurações “virtuais” e demais instrumentos de dinâmica mediática para Português ver – naquilo que desde cedo alguns classificaram com clarividência como a “política do powerpoint” -, a verdade é que essa prática tem sido um contínuo ao longo de todo o mandato e não apenas na antecâmara das próximas Eleições Legislativas.
Há, porém, excessos que justificação alguma permite aceitar como naturais.
Aquilo que se passou em Braga, na passada sexta-feira, em torno da “inauguração” do Laboratório Internacional Ibérico de Nanotecnologia (vulgo INL), devia servir para reflexão de quem quer que ainda tenha algum bom senso nas esferas de decisão.
Um Rei, um Presidente da República, dois Primeiros-Ministros, dois Ministros da Ciência e um Presidente da Câmara, inauguraram, na presença de alguns académicos, de membros do corpo diplomático e de titulares locais de cargos civis e religiosos, um equipamento que apenas estará em condições de funcionar daqui a vários meses e de que apenas o Auditório e uma sala anexa se encontram concluídos.
Para tal, diz-se por entre o ruidoso silêncio que ninguém desmentiu, que foi necessário um investimento adicional de 1 milhão de Euros, com arranjos de envolvente e afins que o normal retomar das obras após o descerrar da lápide rapidamente destruíram.
Para quê?
Dizem, também, vozes oficiosas, que era necessário dar um sinal desta natureza para “seduzir” os 200 investigadores de topo que agora se quer recrutar a nível internacional.
Mas, pode-se perguntar: não seria possível obter um efeito muito superior trazendo a Braga um milhar dos potenciais investigadores de renome para lhes apresentar o projecto, a cidade e o País? Ou fazendo um road-show pelas mais importantes universidades e centros de investigação a que os mesmos se encontram hoje vinculados?
Seguramente que sim. Mas, apareceria na televisão e nos jornais?

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Touradas


Primeiro registo de interesses: por mais que admire a elegância dos movimentos a cavalo e a coragem dos forcados que encaram o animal, bem mais poderoso, olhos nos olhos, não sou apreciador de touradas.
E nem invoco, por mais que respeite a posição dos defensores de tal causa, os argumentos do tratamento violento e desigual dos animais em compita, das várias Associações de Protecção dos Direitos dos Animais.
De fora, assisti com algum interesse às disputas que se verificaram ao longo dos últimos meses em torno desta questão que, do ponto de vista estritamente jurídico, daria seguramente pano para mangas.
Pode uma cidade declarar-se “livre de touradas” como fez Viana do Castelo? Pode uma Autarquia “vetar” um espectáculo tauromáquico organizado por um privado em espaço privado licenciado para o efeito, como se pretendia fazer em Braga? E podendo, deve fazê-lo?
Confesso que não tenho uma resposta taxativa para estas questões. Mas sei, porém, que jamais tomaria a iniciativa de organizar uma tourada em Braga (por mais que houvesse um grupo local de adeptos para tal “evento”) por considerar que o mesmo não tem qualquer identificação com a cultura e as tradições locais. Da mesma forma, que vejo com alguma dificuldade que se pudesse vedar a realização destas iniciativas em locais como Barrancos, Campo Maior, Santarém ou Alcácer. Enfim, são opções.
Em todo o caso, estavam já estas considerações algo adormecidas na minha mente quando, de um momento para o outro, a própria vida político-económica do Pais se transformou numa enorme tourada.
E não me refiro apenas à expressiva capacidade gestual do ex-Ministro da Economia que, numa das poucas vezes em que se fez entender de forma clara no decurso do seu mandato, optou por dizer ao líder da Bancada Parlamentar do PCP que ele tinha saudades era do tempo da Reforma Agrária.
Ali ao lado, na Comissão de Inquérito ao caso BPN, a maioria socialista parecia executar uma espécie de pega invertida, fugindo a grande velocidade do touro enfurecido que seria um “relatório final” isento e rigoroso.
Como se tal não bastasse, aquele que devia estar permanentemente à frente do grupo de forcados a quem cabe a supervisão do sistema financeiro nacional, optou pelo conforto do camarote, enquanto um animal descontrolado visava clientes incautos e os recursos dos contribuintes.
Mais, ainda se deu ao luxo de alijar continuamente as suas responsabilidades e vir a público tecer comentários sobre a dita Comissão de Inquérito que reuniam a riqueza vocabular dos comentários de Gabriel Alves – “vê-se aqui a falta de qualidade técnico-táctica dos Senhores Deputados da Oposição” – com a pureza impulsiva do saudoso Jorge Perestrelo – “Boa, PS! Ripa na Rapakeka!!!”
E nós, portugueses, a ver e a dizer: OLÉ?

sábado, 4 de julho de 2009

10 anos depois


O desafio foi lançado ao anterior Director do Diário do Minho (DM), Pe. João Aguiar Campos e mereceu deste a pronta mas talvez desconfiada adesão: por que não incluir um Suplemento Económico nos novos conteúdos que o DM estava a adicionar semanalmente às suas edições?
O primeiro número viria a ser publicado a 16 de Novembro de 1999, creio que com as mesmas oito páginas de hoje, e já com diversas colaborações pessoais e institucionais, muitas das quais se prolongaram até aos nossos dias.
Graças a todas elas, dos mais reputados consultores, académicos e gestores, de instituições financeiras, associações empresariais ou organismos públicos, o nosso Suplemento conseguiu reunir conteúdos ricos e diversificados, de que temos recebido um excelente eco dos leitores, e pode bem pedir meças a muitas publicações de âmbito nacional.
Se as já longínquas primeiras edições contavam com vários conteúdos que me cabia preparar, o Suplemento de hoje, que continua a receber inúmeras propostas de novas e diferenciadas colaborações, já resiste, na pior das hipóteses, com a pressão do Damião Pereira sobre os “retardatários” e dispensa a participação do seu criador.
Mas, voltando a essa primeira edição e, no caminho, passando pelas várias centenas que se seguiram nesta década, é no mínimo curioso rever os factos que marcaram a actualidade económica da região, do País e do mundo.
No primeiro artigo, “Gracias, Señor Ministro”, evocava-se o contributo do então Ministro da Economia e Finanças do Governo de António Guterres, Pina Moura, no processo que conduziu à aquisição do Banco Totta e Açores e do Crédito Predial Português (então nas mãos de António Champalimaud) pelos espanhóis do Banco Santander Central Hispano.
Curiosamente, poucos anos depois, Pina Moura viria a assumir um superior protagonismo na defesa dos interesses falados em portunhol, ao estar directamente envolvido na aproximação da espanhola Iberdrola ao mercado eléctrico nacional.
Em 1999, Sócrates – o José – era “apenas” o Ministro do Ambiente desse Executivo Governamental, conseguindo maior visibilidade nos debates na RTP com o Primeiro Ministro que o iria anteceder, Pedro Santana Lopes, do que nas disputas sobre a co-incineração com colegas do Partido, com destaque para… Manuel Alegre.
Antes, já Durão Barroso vira o poder “cair-lhe no colo”, depois da “fuga” de Guterres, e antes do próprio deixar o cargo de Primeiro-Ministro para abraçar os desafios da Presidência da Comissão Europeia numa Europa em crescimento contínuo.
Da Europa, veio todo um Quadro Comunitário de Apoio e iniciou-se a implementação do QREN – Quadro de Referência Estratégica Nacional, sem os resultados no plano material e imaterial que dessem o devido seguimento ao verdadeiro salto do nosso crescimento e desenvolvimento que ocorrera durante o período “Cavaquista”.
O Euro chegou também até nós e, no plano financeiro, assistimos à progressiva internacionalização da Bolsa Portuguesa (hoje, NYSE Euronext), por entre os vários booms e crashs que marcaram a época do “capitalismo popular”.
Comigo, o Suplemento viajou por vários Continentes e aqui deu eco do clima económico e das vivências locais, ao mesmo tempo que assistia à distância aos revezes e paixões que proporciona o regresso aos Países de Língua Oficial Portuguesa, por entre a conquista da paz e da retoma económica que os mesmos atravessam.
Vimos como a economia mundial sobreviveu à emergência da ameaça terrorista global e como soçobrou aos excessos do sistema financeiro e à propagação das crises em mercados “globais”.
Por cá, falou-se da crise, do desemprego, da inflação, da subida e da descida dos juros, da subida e descida do petróleo, do investimento directo estrangeiro, da consolidação das contas e do combate ao défice, das múltiplas reformas estruturais prometidas, adiadas ou simuladas.
Sem preocupação de manter um excessivo rigor científico e procurando ir ao encontro dos interesses e dos perfis dos vários tipos de leitores, não hesitei em socorrer-me do humor ou da sátira, de peças com mais de recurso de estilo e de verdadeiros manifestos de intervenção cívica para abordar as mais diversas matérias que contendem com a esfera económica.
Num Norte cada vez mais pobre face ao todo nacional, num Minho cada vez menos valorizado pelos seus próprios protagonistas, jamais descurei a atenção sobre a Braga de todos nós.
A 11 de Dezembro de 2001, no antepenúltimo dos 100 artigos que viria a incluir na primeira colectânea que publiquei, então com prefácio do Professor Marcelo Rebelo de Sousa, escrevia: “Acresce à estrutura económica já existente um conjunto de factores positivos que podem fortalecer as vantagens competitivas do concelho e contribuir para a sua afirmação mais veemente no futuro próximo: a riqueza do seu património etnográfico, cultural e natural; o dinamismo empresarial existente, quer a título individual, quer ao nível associativo; a existência de uma população jovem com um nível crescente de qualificações; o papel da Universidade do Minho e demais Instituições de Ensino Superior ou Profissional; o acesso a uma rede viária incompleta mas satisfatória; a proximidade geográfica e cultural com o resto do Norte de Portugal e com a Galiza.
Por todos estes motivos, Braga reúne características únicas para ver a sua economia sofrer um impulso decisivo ao longo dos próximos anos, assegurando o aumento dos níveis de emprego e da qualidade de vida da população.

Oito anos volvidos, Braga continua uma promessa adiada, num tempo em que é cada vez mais caro adiar o futuro.
Também por isso, a juntar ao período de férias dos Suplementos do DM, estarei ausente destas páginas até ao próximo dia 13 de Outubro.
Mas, prometo, voltarei com a capacidade para reescrever o passado e reconstruir o nosso futuro, para assim entrar da melhor forma na nova década do Suplemento de Economia. Até lá!

quarta-feira, 24 de junho de 2009

O Manifesto dos 28

A situação já era de estranhar. Depois de em períodos anteriores de alguma turbulência económica se terem multiplicado os Manifestos, Movimentos e Convenções da Sociedade Civil, o que estaria a reter essa mesma “Sociedade” de tomar posição na actual conjuntura?
Estariam os mais reputados economistas, empresários e demais personalidades fazedoras de opinião a perscrutar a realidade para elaborar um diagnóstico mais racional da actual situação e para antever a sua mais provável evolução futura?
Estariam já a estudar as melhores soluções para contornar os actuais problemas e para avançarem com medidas concretas de dinamização da actividade económica?
Pois bem, se é que existia alguma expectativa em torno desta matéria, o “Manifesto dos 28” que foi tornado público no decurso do passado fim-de-semana, acaba por ser algo decepcionante.
Por um lado, por força do leque de subscritores envolvidos. Entre os 28, encontram-se de facto economistas de todos os quadrantes políticos, de reputação e prestígio inatacáveis, cuja agregação numa determinada tomada de posição pública não pode ser desvalorizada e deveria ter repercussões efectivas sobre as linhas de orientação das políticas de quem quer que esteja a exercer funções Governativas.
Assim sendo, uma tomada de posição desta natureza justificar-se-ia quando a mesma pudesse ter um impacto efectivo na reorientação dessa linha de condução das políticas e não num momento em que, como defendi em anterior artigo, por força da actual perda de legitimidade “política” o Governo se deveria abster de tomar decisões que possam condicionar decisivamente as gerações vindouras e a acção dos próximos Executivos.
Perante tal pressuposto, o “Manifesto dos 28” parece surgir desenquadrado no tempo, dando óbvia credibilidade pública a uma determinada opinião sobre as matérias abordadas, mas perdendo o seu efeito prático entre as irredutibilidades do actual Governo e as tentativas de mitigação, hoje evidentes, do seu sentido de perda do anterior capital eleitoral.
Numa outra perspectiva, o “Manifesto dos 28” também chega tarde, uma vez que centra as suas conclusões na necessidade de reavaliação pelo Governo dos grandes investimentos públicos e no apelo para que faça um travão imediato nos projectos de transportes.
Na base destas conclusões está a ideia que “os desequilíbrios estruturais que atingem a economia portuguesa, que têm vindo a piorar na última década e que se agravaram com a crise mundial, não são compatíveis com a insistência em investimentos públicos de baixa ou nula rentabilidade, e com fraca criação de emprego em Portugal".
Ora, em verdade, não foi esta a linha de discurso utilizada pela actual Direcção do PSD desde os primeiros dias do seu mandato?
Não foi esta posição menorizada, ignorada, ridicularizada e duramente criticada pelos mais diversos quadrantes durante meses a fio em que se tornava evidente que o País não podia desperdiçar recursos com investimentos de rentabilidade duvidosa? Especialmente em circunstâncias como aquelas que hoje marcam o cenário económico e social, em que o grosso dos meios financeiros tem que ser orientado para medidas que criem emprego e prestem apoio aos mais carenciados?
Não era isto, então, cultivar a inacção? Não era sinónimo do desperdício dos apoios comunitários para estes projectos? Não era uma incoerência face às posições assumidas pelos anteriores Governos do PSD e pela Própria Dra. Manuela Ferreira Leite? Mas as políticas devem manter-se imutáveis às transformações da realidade do País?
No “Manifesto dos 28”, diz-se, agora, o óbvio: é preciso parar, pensar e reequacionar estes projectos. E, para isso, claro está, é preciso fazer estudos.
Ora, só a demagogia barata de Francisco Louça é que pode tentar achincalhar esta posição com o envolvimento de alguns dos subscritores nos estudos anteriormente realizados e nas posições assumidas por este e anteriores Governos sobre a matéria.
Não sabe este prestigiado economista que os estudos são feitos com pressupostos e cenários que não são imutáveis?
Estará apenas a defender que quem realize actividades de consultoria para o Estado deve trabalhar gratuitamente?
Estará ele próprio disponível para efectuar os estudos que agora se revelam necessários, a título pro-bono?
Em suma, o “Manifesto dos 28”, pode ter menos impacto do que a junção destas personalidades deveria justificar, chega tarde e diz o óbvio.
Mas, ao dizer o óbvio, fala verdade. E isso basta.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Milhões sobre a relva

Passaram meses a fio em que os Portugueses e os demais cidadãos mundiais foram esmagados pelas notícias da crise, das falências de empresas, do crescimento exponencial do número de desempregados, dos sucessivos planos de incentivo dos Governos e das Instâncias Internacionais.
Quase sem excepção, os diversos sectores de actividade foram mostrando os sinais de enfraquecimento, expondo a necessidade de reduzir a capacidade de produção instalada e de acomodar os efeitos da visível redução dos níveis de procura.
Retraíram-se os investimentos. Avançaram os sinais de pressões descendentes sobre os níveis de preços. Caíram, como sempre caem nestas circunstâncias, por mais paradoxal que tal possa parecer, os níveis de investimento publicitário e a aposta na formação.
Fecharam portas instituições financeiras de todo o tipo. Grandes colossos económicos que sempre serviram como referencial para a economia capitalista tiveram que soçobrar ao impacto da conjuntura económica.
Por maior que fosse a concertação de esforços entre todas as partes envolvidas, parecia não haver forma de inverter a tendência de queda e os cenários negros que pareciam perfilar-se nos horizontes das diversas economias ocidentais.
Subitamente, porém, ei-lo que surge novamente na linha da frente da gestão da sua “empresa” de eleição. Como que vindo de outra galáxia, alheia a todos estes males e à aparente falta de remédios, Perez voltou a assumir o papel de Deus e a construir a sua própria constelação de estrelas.
Primeira Kaká. Depois Ronaldo. A seguir?
Os milhões parecem cair como uma aposta premiada numa máquina de casino, provocando um ruído ensurdecedor que ora provoca ondas de entusiasmo, ora evidentes sinais de inveja, ora ponderadas dúvidas sobre o rumo encetado.
60 milhões. 94 milhões. Muitos mais, diz, tem ainda para gastar para voltar a disputar a Liga e as demais competições domésticas e internacionais. O futebol rendilhado de Messi e seus pares que tantos frutos deu ao Barca de 2008/2009 provocou uma azia difícil de ultrapassar lá para os lados da capital espanhola.
Não faz sentido, dizem uns. É demais, apressam-se a corrigir outros. É uma loucura, sugerem mesmo alguns.
Aqui, como em qualquer outro negócio, pode por vezes confundir-se a razão e o coração.
Serão estes jogadores um bom investimento numa óptica estritamente económica e financeira?
A resposta pode até não ter nenhuma raiz na antecipação da performance desportiva dos “blancos” na época que se avizinha.
São os milhões do merchandising. São mais milhões da sponsorização. São ainda mais milhões da renegociação dos contratos televisivos, dos direitos de imagem e da venda de lugares e bilhetes para os jogos. Serão seguramente, os cachets ultra-milionários das digressões de pré-época pela Ásia ou pelos países dos petro-dólares.
Poderá haver, também, esse bónus: a vitória nas diversas competições desportivas e os prémios monetários muito significativos que hoje lhes estão associados. E, daí, mais merchandising, mais patrocínios, mais direitos de imagem, mais transmissões, mais bilhetes, mais contratos.
O ciclo, ora virtuoso, ora pernicioso, parece incontornável.
Aqui e ali, pergunta-se como é possível. Mais além, defende-se a imposição de balizas administrativas que possam assegurar um maior nivelamento da concorrência. Será necessário? Será útil?
A verdade é que o circo está montado e o espectáculo tem que continuar. E, agora, o dinheiro tem que rolar e cumprir a sua função.
Em Manchester, correm-se os catálogos para escolher com grande conforto os substitutos que se deseja para a antiga estrela da companhia.
Em Milão, até já dá para pagar 15 milhões de Euros por um jogador que o Porto comprara há poucos meses por uma quantia 23 vezes inferior ao “falido” Vitória de Setúbal.
Olho para o negócio de uns? Ou descontrolo financeiro de outros?
Crise? Mas ainda alguém fala em crise?

terça-feira, 9 de junho de 2009

Quanto valem umas Eleições (Europeias)?


Ao longo dos últimos dias, os vinte e sete Estados-membros da União Europeia foram a votos para eleger os seus representantes no mais “democrático” e importante órgão da União: o Parlamento Europeu.
Só por si, este facto seria particularmente significativo no quadro do projecto da construção europeia, uma vez que este é o primeiro acto eleitoral em que participa um número tão significativo de Estados.
Todavia, nesta perspectiva mais europeísta, os eleitores voltaram a demonstrar de forma clara o seu desinteresse pelas matérias europeias e, sobretudo, pela capacidade de influenciarem órgãos decisores onde são continuamente discutidas normas e princípios que afectam de forma acentuada o seu quotidiano.
Os dados relativos à abstenção no conjunto dos Estados-membros, ainda que com divergências significativas de País para País, atestam que, em média, bem mais de metade dos eleitores optaram por não participar neste acto eleitoral.
E, de entre aqueles que optaram por exercer o seu direito de voto, quantos terão participado de forma claramente informada e conscientes das diferentes visões para o futuro da Europa representadas pelos diferentes partidos?
A este nível, olhando para o conjunto dos resultados nos principais Países da União, nem sequer se pode vislumbrar um voto global de rejeição pelas opções da política europeia ou pela (in)capacidade de resposta às sequelas da crise que afecta, como o demais mundo desenvolvido, a generalidade dos Estados-membros.
No espectro da União, vimos a forte penalização sofrida por Governos de esquerda em países como a Espanha, Portugal ou a Grã-Bretanha; verificámos uma situação idêntica, mas em sentido contrário, em alguns países nórdicos e na Grécia; e constatámos o espírito de sobrevivência dos partidos de centro-direita que governam no Eixo da Europa Central: França-Itália-Alemanha.
Sarkozy, Merkel e o incomparável Berlusconi atestaram, pela diferença, que o voto do eleitorado europeu não foi exclusivamente de repúdio aos Governos em funções.
De igual forma, apesar de situações díspares como as que antes enunciei, a verdade é que no actual contexto de contestação à globalização e à desregulamentação dos mercados, os partidos mais liberais conseguiram ultrapassar com algum conforto este teste eleitoral.
No seu conjunto, o PPE – Partido Popular Europeu surge como o vencedor incontestado das Eleições para o Parlamento Europeu, mantendo o Partido Socialista Europeu a larga distância e assegurando a recondução do (nosso) actual Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso.
Se estes resultados não funcionarão como especial incentivo para a mudança drástica de políticas por parte da União Europeia, a emergência de um número crescente de votantes nos países dos extremos do sistema político (quer à esquerda, quer à direita), associado aos níveis de abstenção e ao aumento do voto branco/nulo, deve fazer reflectir os responsáveis políticos dos diferentes Governos.
Em Portugal, como em vários outros Estados-membros e como sempre aconteceu nos anteriores actos eleitorais afins, o resultado da votação assenta em factores marcadamente ligados à política doméstica, expressando um claro repúdio à governação do Eng. José Sócrates e do Partido Socialista.
Se, como alguém dizia em tom humorístico, Vital Moreira “fez uma excelente campanha mas para outro Partido que não o PS”, tal a diferença de opiniões nas várias temáticas europeias e nacionais; se Paulo Rangel se assumiu como um extraordinário candidato; se o CDS sobreviveu à hecatombe anunciada e os partidos de esquerda continuaram a capitalizar o voto de protesto, o resultado das eleições está umbilicalmente ligado à reprovação pela conduta artificial, arrogante e incapaz do Governo do PS.
Daí que, não se podendo fazer uma extrapolação linear dos resultados das Europeias para qualquer dos outros actos eleitorais que vão ter lugar no último terço de 2009, a verdade é que este resultado parece sugerir que a disputa pela vitória nas legislativas está novamente em aberto e que, mesmo em caso de vitória, o PS jamais poderá aspirar à reedição da actual maioria absoluta.
Com total legitimidade no plano formal, este Governo é já um Governo de gestão sob o prisma da responsabilidade política, e está confrontado com uma situação em que pode ter por certo que, na melhor das hipóteses, terá que conciliar pontos de vista com outras forças partidárias a partir de Outubro.
Daí que, fosse tal princípio da responsabilidade política minimamente respeitado, o Governo em funções se deveria abster de tomar qualquer decisão com possíveis repercussões sobre os Executivos vindouros.
Mas, se até ao lavar dos cestos é vindima, a Governação pode ser, até às eleições, o “porto livre” de quem quer precaver-se para o naufrágio…

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Economia do Social

Ao longo de todo o fim-de-semana, os Portugueses puderam acompanhar, quer enquanto voluntários activos no desenvolvimento da campanha, quer enquanto doadores generosos nas suas visitas aos supermercados, a trigésima quinta campanha de recolha de alimentos do Banco Alimentar Contra a Fome, desde o já remoto ano de 1992.
Em cada uma destas ocasiões, mobiliza-se um extraordinário número de milhares de voluntários em todo o País e conseguem-se recolher quantidades nada negligenciáveis de bens alimentares que se destinam às franjas mais carenciadas da população.
Deste trabalho, desenvolvido de forma mais mediática e impactante nestas circunstâncias, mas de uma forma contínua e não menos importante ao longo de todo o ano, através da rede local de Bancos Alimentares, resulta um apoio crucial para um sem número de famílias e para uma quantidade crescente de instituições de cariz social.
No cômputo geral, serão já mais de 250 mil famílias de Norte a Sul de Portugal e um conjunto de mais de 1.600 instituições de solidariedade que assim conseguem atenuar os seus custos operacionais.
Mesmo no actual cenário de crise, apenas a região de Braga parece ter soçobrado às condicionantes da conjuntura, sendo a única em que se verificou uma diminuição dos donativos recolhidos.
No mais, para lá de qualquer explicação “genética” ou do reconhecimento público que esta instituição já conquistou entre os portugueses estará a ideia transmitida em alguns dos depoimentos recolhidos pelos órgãos de comunicação social: “eu dou hoje, porque não sei se não vou precisar amanhã”.
Uma mensagem singela, mas sentida, e bem representativa da incerteza que hoje grassa entre os cidadãos dos mais diversos estratos sociais, económicos e profissionais.
A evocação dos méritos do Banco Alimentar não pode ser descontextualizada de uma implantação crescente de um vasto leque de instituições de cariz social, sem fins lucrativos e com uma implantação territorial diversificada, que viabilizam a disponibilização de um importante conjunto de valências à população mais fragilizada de todo o País.
Em complemento à debilitada rede de serviços públicos e à ainda exígua base de empresas com fins lucrativos neste Sector, cabe a estas instituições (sejam elas IPSS – Instituições Particulares de Solidariedade Social, Fundações, Cooperativas ou outras equiparadas) assegurar o acesso de uma franja crescente da população a Creches, ATL’s, Centros de Dia, Lares de Idosos, Centros de Acolhimento para crianças e jovens em risco, Serviços de apoio Domiciliário, Acompanhamento para Cidadãos Portadores de Deficiência e tantas outras componentes de uma missão social de valor incalculável.
De entre estas, assumem particular destaque as IPSS, não só pelo crescimento exponencial que registaram ao longo dos últimos anos – passaram das cerca de três centenas que criaram a CNIS – Confederação Nacional de Instituições Sociais no início da década de 80, às mais de 3.000 filiadas actuais nesta Confederação -, como são também estas instituições as que detêm uma percentagem esmagadora dos equipamentos sociais existentes em Portugal.
Neste âmbito, é lamentável que um Governo que elogia, sistematicamente, pela boca de vários dos seus responsáveis, o papel das Instituições Sociais, adopte uma política tão restritiva da sua intervenção e que limite de forma tão significativa os apoios a estas entidades.
De igual forma, não é possível olhar para a necessidade de reforço dos mecanismos de intervenção social, no alargamento dos instrumentos e dos meios de apoio ao número crescente de cidadãos expostos a situações de risco (pela degradação das condições económicas, pela desertificação e pelo abandono familiar dos idosos, pela menor disponibilidade de apoio das famílias para os mais jovens, etc.) sem ter devidamente em conta a rede de instituições já em actuação no terreno.
Também aqui, as políticas públicas, seja a nível central, seja a nível local, devem ser pensadas numa óptica de complementaridade com a iniciativa social existente, funcionando sobretudo como catalisadores e alavancas das soluções já existentes do que como redundantes vias alternativas de resolução dos problemas.
E, porque, estamos em tempo de preparação para mais umas Eleições para o Parlamento Europeu (PE), valerá a pena relembrar que foi recentemente aprovado no PE um Relatório da Deputada Italiana Patrizia Toia, orientado para a definição de “uma abordagem europeia da economia social”.
Na base deste Relatório esteve a constatação de que “a economia social, constituída por cooperativas, sociedades mútuas, associações e fundações, representa 10% do conjunto das empresas europeias, ou seja, 2 milhões de empresas, ou 6% do emprego total”.
Mais, segundo os elementos então avançados “a economia social dispõe de um elevado potencial para gerar e manter empregos estáveis, devido principalmente à natureza não deslocalizável das suas actividades".
Ainda “a economia social combate os múltiplos desequilíbrios do mercado de trabalho, institui e presta serviços de assistência e de proximidade (de que são exemplo os serviços sociais, de saúde e de previdência social), para além de formar e manter o tecido social e económico, contribuindo para o desenvolvimento local e a coesão social".
Os eurodeputados defenderam, assim, que é necessário reconhecer os estatutos europeus relativos às associações, às sociedades mútuas e às fundações, "a fim de garantir um tratamento igual para as empresas da economia social em conformidade com as regras do mercado interno", assim contrariando as orientações recentes da Comissão Europeia
O PE solicitou também à Comissão Europeia que analise a reactivação da rubrica orçamental específica para a economia social e convidou-a a estudar condições que facilitem os investimentos na economia social, designadamente através de fundos de investimento, da concessão de empréstimos garantidos e sob a forma de subvenções.
Finalmente, os eurodeputados sugerem que tanto a Comissão como os Estados-Membros apoiem energicamente o processo de inclusão dos actores da economia social na concertação social e no diálogo civil.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Economia Verde

Ao longo dos anos, a relação entre as empresas e o ambiente (fosse na componente da eficiência energética, da poluição ou das próprias características dos bens e serviços produzidos ou disponibilizados) tendia a perfilar-se como conflitual.
A partir de uma certa altura, porém, a criação de uma certa consciência ambiental nas sociedades mais desenvolvidas, intimamente relacionada com as ideias da “preservação da espécie”, do “esgotamento dos recursos naturais” ou da degradação das condições de vida no Planeta, introduziu um novo paradigma.
Nesse contexto, o mercado tendeu a recompensar as empresas e produtos tidos por “amigos do ambiente”, assim os mesmo conseguissem transmitir aos consumidores essa percepção quanto às características dos seus produtos (e, em particular, à sua possível reutilização ou reciclagem pós-uso), aos seus processos de fabrico ou, de forma mais lata, à sua responsabilidade social nesta matéria.
Para lá da introdução desse factor na escala global de preferências de consumo, tal sentimento levou à criação de nichos específicos dentro dos diferentes sectores de actividade, especialmente orientados para esta componente ecológica.
Naturalmente, a progressiva assimilação destes princípios e a constatação crescente de que os alertas que foram sendo formulados não se cingiam a visões exageradas e catastrofistas, levaram os próprios Estados a integrar estes valores nos normativos nacionais e internacionais, a criar estímulos para as boas práticas e a punir, quando não a criminalizar, o comportamento dos infractores.
Uma boa ilustração deste fenómeno é a adopção generalizada do princípio do “poluidor-pagador”, bem expressa em diversos Protocolos Internacionais que incidem sobre a esfera ambiental – com especial relevo para Quioto -, e a assimilação pelo mercado das implicações económicas destas decisões, como bem atesta a criação do Mercado de Direitos de Emissão de Gases com Efeito de Estufa.
De há algum tempo para cá, porém, e com óbvias raízes nestas alterações da forma de pensar e agir dos Governos e dos diferentes agentes económicos, o Ambiente transformou-se ele próprio num importante sector de actividade económica, com a emergência de empresas de diversos tipos, que hoje assumem um protagonismo crescente.
Das meras consultoras na esfera ambiental às empresas que apoiam os processos de certificação de terceiros, das empresas com produtos “amigos do ambiente” ou que desenvolveram tecnologias menos poluentes até ao sector cada vez mais importante das energias renováveis, o Ambiente está mesmo na moda.
Mesmo se atentarmos aos grandes grupos económicos dos sectores tradicionais, não há hoje quem não queira ter a sua “perninha” no sector, ora como mero investimento sinalizador de um espírito moderno e inovador, ora com real empenho na conquista do enorme mercado potencial existente.
Voltando à questão das energias renováveis, o Primeiro-Ministro tinha razão quando sugeria há cerca de um mês, na visita que efectuou à Central Fotovoltaica de Amareleja, a maior do mundo e que está localizada no concelho alentejano de Moura, que “o sector da energia em Portugal é um dos sectores mais dinâmicos e mais vibrantes”.
Quando, na mesma ocasião, lembrou também que este “é, talvez, o sector que mais emprego criou”, talvez tivesse sobretudo em conta a “destruição” de empregos que se tem verificado nos outros sectores, mas tal não diminui os méritos de quem aposta efectivamente neste sector florescente.
Aliás, refira-se que as políticas públicas (ainda que com episódios pitorescos como o da recente exclusão da esmagadora maioria dos fornecedores de painéis solares dos apoios governamentais) e a União Europeia, através dos fundos comunitários, têm criado vários incentivos ao sector, quer do lado da oferta, quer do lado da procura.
Não menos importantes são iniciativas como a que está a ser desenvolvida pela Câmara Municipal de Óbidos: a Óbidos Solar.
Este projecto, com um investimento estimado em 37 milhões de euros, tem como meta a instalação de painéis fotovoltaicos e solares térmicos para acesso à microgeração em 1.500 fogos no Concelho de Óbidos, assumindo o Município o apoio aos cidadãos na adopção de soluções que visem a sustentabilidade e, consequentemente, lhes proporcione uma redução da sua factura energética, pelo uso de energias renováveis na produção de energia eléctrica e Águas Quentes Sanitárias.
O futuro passa por ali.

terça-feira, 19 de maio de 2009

De volta à rua


A conjuntura económica, as “modas e tendências” nas práticas comerciais e de consumo, bem assim como diversos factores associados às políticas locais (urbanismo, mobilidade, trânsito, segurança, etc.) têm vindo a ter repercussões diferenciadas, no tempo e na dimensão do impacto, sobre os diferentes formatos de espaços comerciais.
De uma forma geral, houve um período em que se pensou que o comércio tradicional estaria irreversivelmente condenado à decadência e ao encerramento paulatino, à medida que os consumidores pareceram seduzidos pelas mega superfícies comerciais, muitas delas situadas nas zonas suburbanas das principais cidades.
Ainda hoje, sucedem-se os anúncios das aberturas de aglomerados de vários milhares de metros quadrados de áreas de vendas, a que estão sempre associados uns milhares de postos de trabalho (por muito precários e mal pagos que sejam, nomeadamente nas vozes das estruturas sindicais), com um leque de lojas diversificado e rico, fortemente atractivo para os olhos dos consumidores e altamente ameaçadores para a base do tecido empresarial tradicional.
A este nível, mais do que obstar incondicionalmente a tais novos projectos, sem prejuízo do necessário escrutínio do cumprimento da legislação em vigor, creio que a principal preocupação do comércio tradicional e de quem conduz as políticas públicas deve ser orientada para a disponibilização de “apoios efectivos que permitam a sua reestruturação em termos globais, desde os horários à adequação às necessidades do mercado, em termos de qualidade e diversidade da oferta”.
Embora ajustada a esta realidade, a citação anterior foi extraída de um contexto diverso mas sempre actual, constituindo-se como um pequeno excerto das conclusões de um estudo do Observatório do Comércio sobre as implicações da alteração dos horários de funcionamento dos hipermercados já com vários anos.
Em certo sentido, foi este mesmo espírito que esteve, como está, na base dos diferentes projectos de urbanismo e modernização comercial, orientados que foram e são para a revitalização dos centros das cidades e a requalificação das lojas tradicionais, assentes em meritórias parcerias entre entidades públicas e privadas.
Ao longo dos anos, porém, constatou-se uma diminuição na adesão a estes programas e uma maior dificuldade em mobilizar o investimento privado para o desenvolvimento de projectos inovadores.
A justificação para tal facto prende-se sobretudo com factores atrás enunciados, como sejam o ambiente concorrencial e o meio envolvente a estas unidades comerciais.
No primeiro caso, porém, a redefinição e indefinição hoje existente em torno de muitos dos grandes projectos implantados e a implantar, cujos promotores começam a reforçar o grau de rigor das suas estimativas, pode funcionar como incentivo para o comércio nas zonas tradicionais.
Na segunda vertente, os consumidores optam sempre por soluções que lhes garantam conforto, segurança e mobilidade, sendo que a evolução diferenciada do “comércio de rua” entre as várias localidades resulta também das diferentes estratégias desenvolvidas pelas Autarquias e demais entidades públicas e privadas.
Em cidades como Braga, por exemplo, nomeadamente nas zonas dos centros urbanos/históricos, o tempo implicou a degradação de edifícios que, por não serem objecto de cuidada manutenção e reparação, desvalorizam a identidade urbana, reduziu-se o poder de compra residente, geraram-se focos de insegurança face à insuficiente ocupação e animação, criaram-se descontinuidades culturais entre residentes e visitantes e os espaços estão pouco preparados para facilitar a mobilidade a pessoas dotadas de deficiência, proliferando as barreiras arquitectónicas e urbanísticas.
Todavia, esta não é uma tendência irreversível, sendo que os benefícios de uma diferente abordagem podem ser muito significativos.
É claro que teremos também que somar aspectos endógenos ao sector, como sejam a aposta na formação profissional dos trabalhadores e gestores das pequenas e médias unidades comerciais, o aumento da promoção, o estabelecimento de projectos de cooperação entre empreendedores, seja de forma informal, seja através dos meios associativos representativos, entre muitos outros.
Tudo somado, talvez se consiga de facto promover a ansiada criação de “centros comerciais a céu aberto" que funcionariam ainda como meios de revitalização dos centros históricos.
A oportunidade existe. Será aproveitada?

segunda-feira, 11 de maio de 2009

"Caixa" sem fundo


1. Aqui e além, sempre que um qualquer economista se lembra de sugerir a privatização integral ou parcial da Caixa Geral de Depósitos (CGD), surge o contra-argumento de que a manutenção da Caixa sobre o controlo de capitais públicos é fundamental para viabilizar a sua intervenção na Economia nacional.
Posto desta forma, poder-se-ia pensar que, dentro da média das condições de mercado, a Caixa seria a instituição financeira que, a cada momento, apresentaria condições mais atractivas para a aplicação das poupanças dos investidores ou para a concessão de crédito aos seus clientes.
Mais, que em situações críticas de escassez de liquidez como a que se verifica de há uns meses a esta parte, poder-se-ia encontrar no Banco público uma reserva de última instância para o financiamento da actividade económica e para impulso aos rarefeitos desejos de investir dos empreendedores e empresários nacionais.
A realidade, porém, tem servido para desmentir tal presunção, verificando-se que a CGD segue práticas comerciais em tudo idênticas ao restante sector bancário, nomeadamente no que concerne à falta de disponibilidade para a concessão de crédito às Pequenas e Médias Empresas, à lógica de mera substituição de crédito sem garantias por financiamentos com menor risco creditício, ou aos enormes entraves burocráticos e processuais à concretização das diferentes operações de financiamento.

2. A este nível, um caso recente verificado com certas colectividades desportivas de Braga que, mediante garantia da Câmara Municipal, pretendiam obter um financiamento para a colocação de pisos sintéticos nos respectivos complexos desportivos, é verdadeiramente exemplificativo da total demissão da Caixa do seu cariz de Banco “Público”.
Afinal, após a viabilização inicial das operações há já vários meses, os representantes da instituição têm protelado indefinidamente a sua concretização através da exigência sucessiva do cumprimento de novos requisitos (hipoteca dos terrenos, aval pessoal dos dirigentes das colectividades, etc.).
Perante a dívida aos fornecedores que entretanto avançaram com os trabalhos, a incapacidade das colectividades e da Autarquia para libertar tais meios financeiros, o próprio Presidente da Câmara já sugeriu a tentativa de encontrar uma outra instituição financeira. Elucidativo.

3. À margem de tal (falta de) intervenção na “economia real”, o Governo e o Partido Socialista têm procurado dar um novo argumento aos defensores da permanência da Caixa sob domínio público, transformando-a no “braço armado” para a nacionalização da Banca insolvente.
Segundo revelava o novel Jornal “i” numa das suas primeiras edições, a Caixa terá injectado também 200 milhões de Euros no Banco Finantia ao abrigo de um financiamento articulado com o Governo e o Banco de Portugal, tendo em vista proceder a uma “reestruturação das fontes de financiamento do banco”.
De acordo com o relatório do Conselho Fiscal da CGD citado por esse jornal, esse financiamento foi “objecto de recomendação de execução pelo Banco de Portugal e despacho do secretário de Estado do Tesouro e Finanças”.
Depois da nacionalização do BPN-Banco Português de Negócios e da injecção de fundos no BPP – Banco Privado Português, esta será, pois, a terceira intervenção do Banco Público numa outra instituição financeira num curto espaço de tempo.

4. Curiosamente, esta notícia surgiu na mesma semana em que se voltaram a extremar as tomadas de posição dos clientes do BPP que não conseguem reaver os capitais investidos nesta instituição (ao ponto de terem mesmo tomado de assalto a sede do Banco no Porto) e em que a bi-candidata Elisa Ferreira veio lembrar, a propósito do investimento nos bairros do Porto, que “o dinheiro é do Estado, é do PS”.
Ora, como sabemos, o dinheiro do Estado não é do PS. E, caso se avance com o reembolso público aos clientes do BPP até devia ser. Porque depois da sucessão de casos que se tem verificado de má ou inexistente supervisão por parte do Banco de Portugal, já é tempo de questionar o Governo e o Partido que o suporta sobre qual é o limite de impunidade que atribuem à conduta dos responsáveis do Banco Central.

5. À margem destes episódios, foi também nessa semana que “nasceu” o Banco Carregosa, uma nova instituição financeira que deriva da casa-mãe, a LJ Carregosa, uma das colaborações institucionais pioneiras deste Suplemento.
Neste caso, mais do que a amizade de longa data que me une aos responsáveis desta Instituição, é o apreço pela sua história que me leva a supor que, a manter-se a mesma linha de gestão, com este Banco pode a Caixa ficar descansada…

terça-feira, 5 de maio de 2009

Dias de Mães e Pais

Segundo dados do INE – Instituto Nacional de Estatística, em 2007 nasceram em Portugal cerca de 102.500 crianças, um terço das quais resultou de relações não assentes no casamento e aproximadamente 10% teve mães com nacionalidade estrangeira agora aqui residentes.
A taxa de natalidade no nosso País cifrou-se nos 9,7% nesse ano, mantendo o ritmo de quebra que se regista desde há vários anos a esta parte, e com ligeiras diferenças regionais: mais alta em Lisboa e Vale do Tejo, nas Ilhas e no Algarve, e decrescendo, cada vez mais, do Norte para o Centro e daí para o Alentejo.
Ao contrário do que acontecera em anos anteriores, conjugando esses dados com os óbitos de residentes em Portugal, verifica-se a ocorrência de um saldo natural negativo (-1.020 neste ano), apenas compensado pelos fluxos migratórios como forma de garantir um diminuto crescimento da população.
Ainda segundo os dados do INE, que devem ser brevemente actualizados para o ano transacto, associado a esta redução do número de nascimentos verificou-se também o declínio do índice sintético de fecundidade, indicador que traduz o número médio de nados vivos por mulher em idade fecunda.
Neste particular, Portugal tem vindo a registar uma queda consistente dos números registados há meio século (3 crianças por mulher na década de 60), sendo que há muito se encontra abaixo do limiar mínimo de 2,1 crianças por mulher – considerado o valor mínimo para assegurar a substituição de gerações e que foi observado no início da década de 80.
Em 2007, este indicador situou-se em 1,3 crianças por mulher, sendo o valor mais baixo alguma vez registado em Portugal.
Em linha com tal redução da fecundidade, tem-se assistido ao aumento progressivo da idade média a que as mulheres portuguesas têm o seu primeiro filho, a qual se cifrou nos 28,2 anos no período em questão.
Poucas semanas depois da evocação do Dia do Pai, alguns dias após o Dia da Mãe e a poucos dias de se celebrar o Dia da Família, estes dados podem levar-nos seguramente a questionar: o que anima hoje um casal a ter um ou mais filhos?
Vivemos, como se sabe, num período extremamente exigente do ponto de vista das relações laborais, o que obriga a uma dedicação crescente dos profissionais e a uma cada vez menor disponibilidade para as relações familiares, que redunda numa progressiva “institucionalização” informal das crianças.
Atravessamos, também, um tempo em que, ao contrário de há algumas décadas em que um(a) filho(a) era vista como fonte de rendimento para a família, a assunção de uma tal responsabilidade equivale hoje a uma predisposição para investir durante as duas a três décadas subsequentes.
Nos nossos dias, um Pai ou uma Mãe podem seguramente interrogar-se o que o futuro reserva aos seus potenciais descendentes, à medida em que se deterioram as vivências e práticas sociais, em que se degrada o estado da educação, em que se agravam as perspectivas económicas, em que escasseiam as perspectivas profissionais, em que aumenta a insegurança e o mar de incertezas sobre o tempo que virá.
Se não são apenas questões de natureza estritamente económica aquelas que mais condicionam este processo de decisão, a verdade é que o fenómeno patente nas estatísticas antes citadas tem fortes repercussões económicas no conjunto do País, devendo merecer a apreensão dos responsáveis nacionais e o seu compromisso com uma efectiva política para a família.
Relembre-se o progressivo encerramento de escolas por insuficiência de alunos, as dificuldades de assegurar a sustentabilidade de financiamento da Segurança Social ou o impacto social do envelhecimento da população só para citar alguns exemplos.
Saúda-se, pois, não como condição suficiente ou sequer necessária para o aumento da natalidade, mas como um importante auxílio às Famílias Portuguesas, todas as iniciativas governativas de reforço dos apoios a esta área, no abono de família, na conciliação das actividades profissionais e familiares, nos tarifários familiares de diversos serviços ou no alargamento das garantias e subvenções à maternidade e paternidade, como agora novamente voltou a acontecer.
Ainda assim, é seguramente impossível atribuir um valor ao Amor que está na base de uma nova concepção, ou computar o preço de cada sorriso ou carinho que os Pais coleccionam como recompensa maior dos sacrifícios ou aflições que passam pelos/com os seus filhos.
E assim é que deve ser…

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Os Fundos (ainda) no fundo


O Diário do Minho do passado dia 23 de Abril dava eco público das queixas dos formandos de Cursos EFA de três Escolas Públicas de Braga, que lamentavam os atrasos de vários meses no recebimento de subsídios inerentes a tais formações.
A título particular, tenho também tido informação de vários atrasos na transferência das verbas associadas a candidaturas aprovadas para formações financiadas de diferentes empresas e associações empresariais, pese embora a correcta instrução e tramitação dos processos., com o lógico atraso nos pagamentos a formandos e formadores.
Neste particular, quem quer que esteja envolvido na área da formação profissional e já tenha participado em acções de formação financiada, sabe que estes atrasos são prática corrente no “negócio”, decorrendo da necessidade de apreciação e processamento dos diferentes pedidos de pagamento das entidades que submeteram as candidaturas.
Todavia, a realidade actual parece ultrapassar os limites do razoável numa área em que o Governo assumiu um claro empenho e que tem funcionado como uma evidente panaceia para os desastrosos números do (des)emprego no nosso País.
Esta situação, intimamente associada à gestão Programa Operacional Potencial Humano (POPH), não é, porém, caso único.
Do lado das Autarquias Locais, são inúmeros os casos de Câmaras Municipais que ainda têm verbas consideráveis a receber de candidaturas aprovadas em diferentes Programas do III Quadro Comunitário de Apoio, cujo encerramento tem vindo a ser sucessivamente protelado face às datas inicialmente estipuladas.
Já no âmbito do QREN – Quadro de Referência Estratégica Nacional, os atrasos na transferência de verbas, ainda que mais compreensíveis, sã especialmente patentes nas áreas que têm merecido um maior nível de candidaturas por parte das Autarquias Locais, como é o caso do financiamento dos novos Centros Escolares.
Isto porque, como também salta à vista de quem acompanha estes processos, são muitas as áreas que ainda não procederam sequer à abertura de candidaturas para os diferentes beneficiários potenciais.
Na mesma linha, os apoios às empresas, em especial às Pequenas e Médias Empresas, são ainda um mero engodo, mais retraindo a parca vontade de investir dos empreendedores nacionais, como bem atestam as previsões para esta rubrica do PIB para o ano em curso.
Tal como em relação às demais entidades potencialmente beneficiárias, para lá dos prejuízos na óptica da concretização dos investimentos, há que considerar que os atrasos no pagamento das verbas contra despesa realizada traduzem mais um estrangulamento na tesouraria dessas empresas e entidades que, no caso dos agentes privados, pode pôr em causa a sua própria sustentabilidade financeira.
A tal efeito, acrescem necessariamente as repercussões negativas que tais atrasos podem ter sobre as empresas fornecedoras dos bens, serviços e empreitadas, que acabam por acomodar as dificuldades das entidades beneficiárias.
Por todos estes motivos, parece igualmente claro que haveria significativos benefícios económicos de um mais ágil e célere processo de apreciação das candidaturas aos diferentes Fundos Comunitários, não se percebendo que seja o Estado Português e os seus diferentes organismos que gerem estes processos uma das principais fontes de entraves a um superior grau de execução física e financeira dos Programas.
Ainda assim, se juntarmos a estas evidências os polémicos e incompreensíveis atrasos no arranque do QREN que, como é público, se reporta ao período 2007-2013, mas que tem ainda hoje, dois anos volvidos, uma incipiente execução, a perplexidade de qualquer observador independente aumentará exponencialmente.
Não valerá a pena, nessas circunstâncias, invocar a gestão política de vários processos de candidatura, as dúbias consignações de verbas do QREN a Investimentos públicos desajustados da realidade nacional ou os “vetos de gaveta”, como aqueles com que o Ministério da Ciência e Ensino Superior brindou a Universidade do Minho em várias candidaturas submetidas por esta Instituição.
Tudo somado, que o Governo não consiga dar corpo aos múltiplos anúncios de medidas de combate à crise para particulares e empresas com base em verbas do exaurido Orçamento de Estado é algo que parece natural face ao histórico das nossas Finanças Públicas.
Que, a essa luz, opte por esbanjar os benefícios associados a uma mais célere aplicação das verbas disponibilizadas pela União Europeia no contexto deste Período de Programação, é algo que raia os contornos da irresponsabilidade.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Mais Crise


À escala internacional, são já vários os Institutos de Pesquisa Económica, alguns dos quais bastante reputados, que assumiram a sua decisão de suspender a divulgação de projecções para os próximos trimestres, atendendo ao momento de especial incerteza que se vive na economia mundial.
E, atendendo à evolução recente das projecções para a economia nacional, quando ainda não atingimos um terço do ano de 2009, tal opção parece de todo avisada, em defesa da credibilidade de tais instituições.
Bem pelo contrário, seria de esperar que as entidades que não podem fugir a tal responsabilidade e a quem compete proceder à divulgação de dados periódicos sobre a evolução da economia nacional – veja-se o caso do Banco de Portugal – adoptassem uma postura de especial rigor e exigência, de forma a não transmitirem informações ou juízos erróneos para a generalidade dos agentes económicos.
Poder-se-á pensar que a economia tem de facto sofrido um processo de degradação acelerada que previsão alguma poderia antecipar.
Poder-se-á dizer que não convém que uma entidade como o Banco de Portugal assuma um discurso excessivamente pessimista, porque tal poderia induzir, por si só, uma superior retracção dos agentes económicos nas suas decisões de investimento e consumo.
Mas não se pode admitir que, à medida que cada uma das anteriores previsões vai sendo dilacerada pela realidade, o Governador do Banco de Portugal adopte um discurso que parece querer branquear a verdadeira amplitude da crise e escamotear as responsabilidades próprias da Governação no seu desenvolvimento e o fracasso das medidas de resposta à crise que vão sendo pomposamente anunciadas.
A esta luz, há factos que nos merecem seguramente uma enorme perplexidade.
Em Janeiro último, o Governo optou por submeter ao Parlamento um primeiro Orçamento Rectificativo tendo em conta a inversão das projecções e a estimativa de uma retracção do produto na ordem dos 0,8% no ano em curso.
Aquando da discussão desse documento na Assembleia da República, e tal como já acontecera com o Orçamento de Estado original no final de 2008, sobravam já as previsões de conceituadas organizações internacionais que apontavam para uma quebra no produto bastante superior (na ordem dos 1,6% do PIB).
De acordo com os dados do Boletim de Primavera do Banco de Portugal recentemente divulgados, a nova previsão de quebra do Produto Interno Bruto atinge os 3,5%, posicionando--se como a maior retracção após 1975 (quando o Produto caiu 4,3%).
Na base desta evolução está uma profunda quebra do Investimento e das Exportações (em mais de 14% cada) e de uma nova diminuição no Consumo Privado (em 0,9%). Como contrapartida positiva, registe-se apenas um aumento ligeiro do Consumo Público e uma diminuição das Importações em linha com o abrandamento da actividade económica.
Registe-se por exemplo que, em relação ao Investimento, o Governo estimara uma subida de 13% em 2009, pelo que os dados mais recentes atestam da quebra da confiança dos empresários e do artificialismo que ainda impende sobre muitos dos investimentos públicos anunciados.
Se esta evolução pode permitir uma melhoria da situação da nossa Balança Externa, aguarda-se com expectativa as repercussões que uma recessão desta dimensão poderá ter sobre os níveis do Desemprego e sobre o Défice das Contas Públicas.
A este nível, está também por explicar a hesitação do Governo em submeter um novo Orçamento Rectificativo, mais consentâneo com as previsões agora disponíveis.
Ainda segundo o Governador do Banco de Portugal, a recuperação da economia nacional está fortemente dependente da situação da Europa e dos demais Países desenvolvidos, sendo que não é previsível uma retoma significativa anterior a 2011.
Do outro lado da moeda destes dados, o mesmo Boletim da Primavera continha um artigo do meu amigo e colega de curso Nuno Alves, do Departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal, que sugeria que Portugal teria em 2006 cerca de dois milhões de pobres, dos quais 300 mil eram crianças.
Essa análise considera um indivíduo pobre se, num determinado período, o seu nível de rendimento (despesa) for inferior a 60% do rendimento (despesa) mediano em Portugal, fixando o limiar de pobreza num rendimento de 382 euros mensais em 2005, a preços desse ano.
O mesmo estudo conclui que as classes particularmente vulneráveis à situação de pobreza são as famílias em que pelo menos um adulto está desempregado, idosos com baixos níveis de educação, famílias compostas só com um adulto solteiro que não trabalha e que tem filhos e famílias numerosas em que pelo menos um adulto não trabalha.
Quantos serão agora?