terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Europa-África II


Na pretérita semana apresentei inúmeros dados retirados do último Relatório do Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, relativos ao ano de 2005, para demonstrar o desequilíbrio estrutural entre a generalidade das nações europeias e africanas, em matéria de níveis de desenvolvimento económico e social.
A estes dados de natureza estatística poderíamos juntar vários outros factores de índole política, histórica, militar e ambiental para perceber quais as fontes de desfasamento entre as duas contrapartes da última Cimeira de Lisboa.
Assim, pela negativa, teremos que ter em conta a instabilidade política que ainda grassa em muitos dos países africanos, os conflitos militares que os dilaceraram sob todos os pontos de vista até a um passado recente, o acumular de défices na sua Balança de Pagamentos e a forte dependência que existe do exterior em matéria de bens industriais e produtos de cariz tecnológico.
Em contrapartida, a esmagadora maioria das nações africanas dispõe de significativos recursos naturais, dos minérios aos recursos energéticos, que as tornam um alvo apetecível dos investimentos e da batalha económica entre o Ocidente e o Oriente que deu sequência histórica à disputa entre as nações que lideravam a Guerra Fria durante as últimas décadas do século XX.
Tudo isto para perceber que a intenção declarada, e subjacente à Cimeira de Lisboa – como antes estivera na base da I Cimeira Europa-África que se realizou no Cairo no ano 2000 -, de transformar um relacionamento entre colonizador e colonizado ou entre doador e beneficiário numa parceria entre partes equiparáveis regista significativas condicionantes à sua implementação prática.
Daqui se compreende toda a polémica suscitada pela proposta de estabelecimento dos designados APE - Acordos de Parceria Económica (APE), quer junto de alguns Estados africanos, quer por parte de diversas Organizações Não Governamentais internacionais, que consideram que a aplicação destes Acordos pode provocar sérios danos na estrutura económica dos países menos desenvolvidos.
Os APE são um conjunto de compromissos a celebrar entre a União Europeia e diversos Estados Africanos ou os seus blocos regionais representativos que visam dar sequência aos objectivos dos Acordos de Cotonou e que traduzem a aplicação dos princípios de liberalização económica da OMC – Organização Mundial do Comércio às trocas entre estes dois continentes.
Através dos APE, e a partir do início de 2008, os países africanos verão abrir-se as fronteiras dos países da União Europeia, mas serão confrontados também com um mais fácil acesso das exportações da União e dos capitais dos países europeus aos seus mercados internos.
Por força dos desequilíbrios antes expostos e da natureza destes compromissos de liberalização das trocas percebe-se que exista o receio de que sejam novamente os mais fortes a extrair os proveitos mais significativos ou a questionar-se mesmo os benefícios que daí podem advir para as contrapartes mais frágeis.
Assim se compreendem as palavras fortes do Presidente da Comissão da União Africana – cargo equiparável ao que hoje é desempenhado por Durão Barroso na União Europeia -, Alpha Konaré: “África está a mudar, para seu benefício e não da Europa”, ao mesmo tempo que rejeitou a "fatalidade" da pobreza em África e que pediu aos europeus para não olharem para o continente apenas "como um mercado".
Na base dos receios africanos está a percepção de que o faseamento previsto na abertura dos seus mercados pode não assegurar as condições mínimas de salvaguarda para o tecido económico local, ao passo que a supressão das tarifas aduaneiras hoje cobradas pode representar uma significativa perda de receita para os Governos nacionais.
Ainda assim, os Acordos de Parceria Económica prevêem a manutenção e reforço da assistência técnica Europeia aos países Africanos, que deverá ser acompanhada de reformas estruturais que assegurem a competitividade futura destes países.
Na óptica europeia e da OMC, os APE são “instrumentos de desenvolvimento”. Na perspectiva dos seus opositores, são um mero preço que se quer impor aos países africanos como contrapartida dos apoios recebidos dos países desenvolvidos.
Para estes críticos, impunha-se uma revisão completa das orientações destes Acordos que levasse a que a cooperação comercial entre estes blocos fosse baseada no princípio da não reciprocidade, protegesse os mercados nacionais e regionais dos produtores dos países africanos, acabasse com a pressão para a liberalização do comércio e do investimento nestes países e tornasse possível um maior espaço de manobra política para uma integração faseada destes países no processo de globalização.
Na óptica europeia, não só estes países poderão ganhar com as sinergias da abertura das suas fronteiras e do potencial investimento estrangeiro que poderão atrair, como a própria questão das receitas fiscais pode ser mitigada com o acréscimo das receitas de impostos análogos ao IVA ou ao IRC.
Teremos que esperar mais sete anos por novos desenvolvimentos?

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