terça-feira, 10 de julho de 2007

O novo adepto da bola


Antes, era vê-los de rádio de pilhas encostado ao ouvido, o palito no canto da boca para disfarçar o nervosismo, o perdigoto fácil à mínima falha do árbitro ou do jogador da sua equipa, o jornal “A Bola” a fazer de almofada improvisada para atenuar o frio da bancada, a face ainda ruborizada pelo garrafão que se entornara entre duas febras e um prato de arroz de miúdos, na sombra onde o carro ficou estacionado para que a mulher pudesse atacar com conforto o tricot de mais uma tarde de Domingo.
Hoje, os adeptos de futebol já têm acesso em condições preferenciais ao novel Museu Berardo, escusam-se a ir aos estádios porque optam pelo clima ameno, a facilidade de estacionamento e a tranquilidade do lar que a televisão por cabo sempre assegura, regateiam o preço dos bilhetes por causa da perda de qualidade do espectáculo que lhes é proporcionado.
Se houve, indiscutivelmente, uma sofisticação dos gostos e exigências do adepto-cliente, ao qual muitos dos agentes de mercado não conseguem dar ainda uma resposta adequada, este será porventura um dos poucos sectores de actividade em que os consumidores se dedicam a discussões intensas sobre os fundamentos do próprio negócio.
Qual é, hoje em dia, o adepto que não está devidamente familiarizado com os conceitos de merchandising, cross-selling, sponsorização, passivo, sustentabilidade financeira e outros que entram recorrentemente no dia-a-dia das colectividades desportivas de cariz profissional?
A esta luz, uma qualquer contratação do defeso já não é apenas avaliada pela sua importância desportiva imediata, vendo, pelo contrário, detalhadamente escrutinada a sua capacidade de geração de retornos e mais-valias futuras em posteriores transacções do seu passe.
De igual forma, a criação de uma Academia de Formação, um Centro de Estágio ou outras infra-estruturas conexas são já apreendidas como investimentos estratégicos e estruturantes que podem assegurar o equilíbrio financeiro de médio-longo prazo do Clube em questão, merecendo o carinho dos vários adeptos-investidores e do “mercado” em geral.
Alguém se lembraria, há alguns anos atrás, de discutir a razoabilidade de uma determinada aquisição de um jogador com base no risco de a mesma pôr em causa o tecto salarial estabelecido para o plantel?
Neste momento, o mais comum dos adeptos não hesitará em defender que uma gestão financeira avisada do Clube deve sustentar um maior aproveitamento dos recursos internos, um aumento da sua produtividade e, por arrastamento, uma melhoria da sua competitividade externa, doméstica ou internacional…
Com a emergência das Sociedades Anónimas Desportivas, então, os adeptos-accionistas descobriram todo um conjunto de novas terminologias e conceitos, fossem do foro estritamente contabilístico (como o Resultado Líquido, o Passivo Financeiro, o Activo Imobilizado), fossem do foro do mercado de capitais (como as Comissões de Guarda de Títulos, os Preços de Subscrição, os Volumes Negociados, a Política de Dividendos, os Aumentos de Capital, a Cotação das acções e suas variações diárias).
Quem é que hoje se dedica a avaliar a capacidade táctica de um treinador e o potencial físico e técnico de uma atleta se tem sobre a mesa a dúvida sobre a existência de uma OPA-Oferta Pública de Aquisição aos títulos do seu clube, a posição do Conselho de Administração da SAD, a reacção da Assembleia-Geral, o término do período de registo ou a possibilidade de uma contra-OPA?
E não será esta uma oportunidade de ouro para se debruçar sobre os diferentes tipos de acções existentes, as implicações da obtenção de uma maioria qualificada do capital da Sociedade, a possibilidade de salvaguardar direitos de veto sobre determinadas matérias da gestão da mesma?
O adepto de hoje pode até nem ter bem presentes as implicações das mudanças da legislação laboral, os novos regimes da segurança social ou as principais medidas que resultam de cada Orçamento de Estado. Mas há algum que não fique apreensivo com as implicações da alteração do regime fiscal dos futebolistas nas renovações em curso no seu clube ou na capacidade de recrutar jogadores de outros clubes europeus?
Há alguns anos atrás, as primeiras privatizações instigaram o capitalismo popular e trouxeram para o mercado de capitais investidores com reduzida cultura financeira.
Neste período recente, as mudanças em curso no futebol profissional praticamente exigem que cada adepto tenha lições de economia para acompanhar a vida do seu clube de eleição…

1 comentário:

Anónimo disse...

Quando se fala daquilo que se sabe, escrevendo sobre aquilo que se gosta, só podia dar nisto: Parabéns.