quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Democracia Económica (II)


Retomando a temática da revisão em curso do programa do Partido Social Democrata (PSD), e porque as mesmas envolvem reflexões que vão muito para lá das fronteiras de uma qualquer estrutura política ou partidária, dou hoje eco de algumas das sugestões que formulei aquando da sessão em que se debateu a “Democracia Económica”, recentemente realizada em Bragança.
Em primeiro lugar, para retomar a ideia de que o programa do partido não é um programa eleitoral nem um programa de Governo, não devendo conter as propostas e as iniciativas em concreto que, a cada momento, materializam os fins e ideais em que o partido se revê.
Todavia, se um programa eleitoral é um contrato celebrado entre o partido e os eleitores, o programa do partido deve ser o “contrato dos contratos”, enunciando os valores, os princípios e, na minha óptica, as metas e os padrões de conduta que devem reger a actuação do partido e dos seus representantes numa lógica de coerência e continuidade.
A esta luz, e reconhecendo a realidade particular com que hoje nos confrontamos, quer no imediato, quer num horizonte temporal mais alargado, o programa do partido tem que ser claro a enunciar um leque de compromissos mínimos, a especificar o que é o partido defende e pretende para o País e como, de uma forma lata, o pode e vai concretizar quando receber a confiança dos cidadãos.
De uma forma muito directa, Portugal confronta-se com três problemas estruturais: um ínfimo crescimento económico que se arrasta há mais de uma década; uma contínua perda de competitividade externa, no quadro de uma economia mundial totalmente globalizada; níveis de endividamento público e externo que ameaçam a sustentabilidade do conjunto da economia e de cada um dos agentes em particular.
No quadro de um programa partidário ajustado a esta realidade, o crescimento económico (e, com ele, a criação de riqueza e de emprego) tem que continuar a ser assumido como a prioridade das prioridades, mas deve hoje ser enfatizado o papel que matérias como o apoio ao empreendedorismo, a criação de condições favoráveis à inovação e à internacionalização dos agentes económicos devem ter na prossecução de tal desiderato.
Ainda como inputs incontornáveis para esse processo de reforço dos factores competitivos mas, também, numa óptica de verdadeira responsabilidade social, o partido deve igualmente assumir um compromisso forte com a democratização do conhecimento e com o investimento na formação e educação dos cidadãos, muito para lá da actual abordagem estatística-panfletária do actual Governo.
A este nível, num horizonte temporal de uma década, o partido deve também assumir como desígnio o dar continuidade às políticas correctas de apoio à qualificação dos recursos humanos e do tecido empresarial, mesmo num cenário de pós-QREN e de diminuição ou supressão dos financiamentos comunitários.
No plano laboral, na certeza da impossibilidade de registarmos progressos significativos na alteração da actual legislação, e perante um cenário impensável de vermos um número crescente de jovens, mesmo com formação superior, a verem vedado o seu acesso ao mercado de trabalho num país cujas qualificações médias estão muito abaixo dos seus parceiros internacionais, a solução tem que passar pela criação de um “mercado de trabalho paralelo”, com novas regras, em que se associa maior flexibilidade contratual a níveis reforçados de protecção, apenas aplicável a quem está a chegar ou a quem opte por a ele aderir de entre a população activa actual.
Outra questão crucial no plano actual, prende-se com o endividamento do Estado e a sustentabilidade das finanças públicas. Neste domínio, o programa do partido deve vincular-se a uma lógica de racionalidade e responsabilidade na utilização dos recursos públicos, abrindo-se ao estudo da melhor opção em matéria de utilização dos recursos em cada sector, regendo-se pela aplicação de análises custo-benefício para todos os investimentos públicos e respeitando plenamente o princípio da solidariedade inter-geracional (que impeça a assunção de encargos no presente, por horizontes temporais alargados, que possam pôr em causa o potencial de desenvolvimento das gerações vindouras).
Muito a propósito das actuais discussões públicas, entendo que o programa do partido deve também assumir um compromisso claro com o princípio da “competitividade fiscal”, isto é da prática recorrente de níveis de fiscalidade mínimos face aos parceiros europeus, que possam assegurar as funções de redistribuição da riqueza e de promoção do bem-estar público que cabem ao Estado mas que não ponham em causa a competitividade da economia.
Aliás, o compromisso com níveis mínimos de fiscalidade seria indutor de ganhos de eficácia na gestão da despesa, ao invés da actual lógica do recurso facilitista ao aumento de impostos como solução de 1ª ordem para todo o tipo de desgovernos orçamentais.
Retomando parte da lógica do Programa de 1974, não creio que seja descabido assumir em sede de programa do partido fins genéricos de natureza sectorial: o país deve ter uma reserva agrícola mínima para fins de auto-sustentação alimentar? Devem os sectores tradicionais ser utilizados como forma de apoio à criação de emprego em zonas mais deprimidas e servir como garantia da preservação do nosso património etnográfico e cultural? Pode o partido comprometer-se com políticas de revitalização dos centros urbanos e de estímulo à criação de cidades criativas? Qual a prioridade a atribuir ao sector das energias alternativas, no quadro de defesa de uma economia sustentável?
Juntando a todos estes ingredientes os princípios da coesão territorial e da coesão social, estaremos em melhores condições para assegurar que existe em Portugal uma verdadeira Democracia Económica, com garantias de liberdade e igualdade de oportunidades para cada um dos agentes económicos e com um país mais desenvolvido, rico e socialmente justo.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Democracia Económica (I)


Em Abril último, no congresso que formalizou a sua eleição como líder do Partido Social Democrata (PSD), Pedro Passos Coelho anunciou a criação de uma Comissão para a Revisão do Programa do PSD.
Iniciou-se então um projecto, coordenado por José Pedro Aguiar-Branco, que envolve a realização de múltiplos debates e sessões públicas, reuniões de órgãos internos, plenários de militantes e o recurso a um vasto leque de plataformas de comunicação que visa maximizar a participação neste processo de revisão do Programa.
Como se pode ler no preâmbulo do Programa do PPD – Partido Popular Democrático, aprovado em Novembro de 1974, “o Programa do Partido não pode ser nem um simples conjunto de medidas concretas articuladas entre si de modo a esboçar uma política de governo, nem tão-pouco um agregado de expressões utópicas ou de carácter demagógico”.
Com efeito, não se pode confundir um Programa de Partido com um Programa Eleitoral ou com um Programa de Governo, porquanto estes últimos devem traduzir as iniciativas, as propostas, os caminhos que materializam em concreto, em cada momento, os fins e ideais que o primeiro preconiza, no respeito pelos valores e princípios que o dito Programa do Partido assume como genéticos e diferenciadores.
A este nível, quer se atente à versão original do programa, quer à revisão de 1992, o PSD sempre se assumiu como um partido reformista, humanista, personalista, interclassista, que coloca como fim último da sua actuação um “projecto de transformação estrutural da sociedade”, com uma “larga e corajosa visão de futuro”, centrado no “combate às desigualdades sociais” enquanto instrumento para construir uma “sociedade mais livre, justa e humana”, em que se promova a “igualdade de oportunidades” e se corrijam os “desequilíbrios a nível pessoal e regional” e se garantam “os direitos económicos, sociais e culturais”.
A justiça e a coesão social, a coesão territorial, um liberalismo moderado que reconhece que “o Estado deve evitar a tentação de tudo fazer, abrindo espaço à saudável iniciativa dos cidadãos e dos grupos” são assim valores que coexistem historicamente no Programa e na acção do PSD com a postura dialogante e o respeito pela concertação social, com o princípio da afirmação da sociedade civil, com o empenho no processo de construção europeia ou com a valorização da Lusofonia.
No plano estritamente económico, o conceito da Democracia Económica sempre conviveu com os objectivos de colocar a “política económica ao serviço do povo português” ou de sustentar “uma economia de mercado orientada para o desenvolvimento económico e social”.
Aqui, se o Programa de 1974 acabava por contrariar um pouco o espírito do preâmbulo, avançando com uma exaustiva enunciação de acções a desenvolver em cada um dos sectores de actividade económica, a versão de 1992 aligeirou o conteúdo mantendo a essência da visão Social Democrata.
Assim, sustenta-se que “a economia deve ter como base a propriedade e iniciativa privadas” numa “lógica de mercado”, mas não excluindo a intervenção do Estado quer enquanto agente regulador, quer enquanto elemento de correcção para as falhas do mercado ou no quadro do desenvolvimento de políticas que salvaguardem o “interesse nacional”.
Orientadas para estimular o crescimento económico e a correcção das desigualdades, as políticas económicas devem ter especial atenção às vertentes da poupança e do investimento, a dirigir prioritariamente para “as áreas educacional, social e infra-estrutural”, sendo esta última centrada no incentivo ao investimento privado e no reforço da eficiência produtiva.
Ainda no Programa de 1992, nota para a ênfase atribuída ao papel da empresa na sociedade – “um instrumento de realização humana e de progresso económico e social” -, para a importância reconhecida à “dignificação do trabalho e do trabalhador”, nomeadamente através do “reconhecimento da competência, do mérito e da valorização profissional” e para a assunção da meta prioritária da “distribuição socialmente equitativa da riqueza”, através da colaboração activa com o sector da economia social.
Se estes valores são imutáveis, a realidade não o é, justificando o reconhecimento de novas preocupações e desafios que devem estar na primeira linha da actuação do Partido aquando da assunção de qualquer tipo de responsabilidades governativas, de cariz nacional, regional ou local.
Razão pela qual voltarei a abordar este tema, daqui por uma semana, a título de contributo para o processo de revisão em curso.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Yuan: a pequena muralha da China


Se ainda associa a China aos seus vastos arrozais, ao legado monumental do seu passado Imperial, a uma cultura e economia fechada sob o pulso firme do regime comunista o mais provável é que ande a ver demasiados filmes das décadas anteriores.
No passado mês de Agosto, os dados relativos à economia mundial consagravam a China como a segunda maior economia do mundo, imediatamente atrás dos Estados Unidos e ultrapassando o Japão, que detinha essa posição de há 40 anos a esta parte.
Porventura, poderia já ter constatado o poderio chinês nas notícias que invocavam a invasão dos produtos asiáticos nos mercados europeus como a razão de ser do esvaziamento de diversas indústrias tradicionais.
Ou, seguramente, ter-se-ia já apercebido que as “antigas” lojas dos trezentos de bairro deram lugar a mega-superfícies comerciais, com uma gama infindável de produtos discount, com uma qualidade não desprezível, um pouco por todo o País.
Nesse particular, mais do que um caso atípico, a “invasão chinesa” atesta de uma estratégia sustentada de conquista dos mercados externos, a uma escala global, quer como meio de escoamento da sua produção, quer, nalguns casos, como forma de assegurar o aprovisionamento das necessárias matérias-primas.
Percebe-se, pois, que a China surja hoje como principal parceiro comercial de diversos países do Continente Africano ou da América Latina, não a título de solidariedade entre países em vias de desenvolvimento, mas graças à pujança e crescimento de uma economia verdadeira “capitalista” e globalizada.
Olhar para os diferentes dados estatísticos da China serve apenas para confirmar essa presunção óbvia: a China é hoje uma verdadeira potência económica e poderá a breve trecho destronar os Estados Unidos da liderança das economias internacionais.
O país mais populoso é também aquele que mais consome energia e que mais gases emite para a atmosfera, razão pela qual tem assumido uma postura intransigente de rejeição dos vários acordos internacionais na esfera ambiental.
Também em Agosto ficou a saber-se que a China registou, pelo terceiro mês consecutivo, um excedente na balança comercial, na ordem dos 20 mil milhões de dólares (cerca de 15,7 mil milhões de euros). Para tal, realizou exportações no montante de 139,3 mil milhões de dólares e efectuou importações que atingiram os 119,27 mil milhões de dólares, cifras que se assumem como as segundas mais altas da história das trocas comerciais do país (com aumentos de quase 35%, cada).
Visto do lado Ocidental, este mercantilismo chinês vem causando um significativo incómodo, em particular nos Estados Unidos, razão pela qual os principais agentes políticos e económicos americanos vêm defendendo a necessidade de uma valorização da divisa chinesa: o Renminbi ou Yuan.
A ideia subjacente é a de que um potencial fortalecimento da moeda chinesa retire competitividade às suas exportações e incentive as importações, assim contribuindo para acelerar a recuperação das economias ocidentais.
Caso tal não aconteça, há já quem sugira que a Administração Obama deve avançar com sanções comerciais contra a China, o que parece não estar a preocupar os responsáveis do Governo Chinês, que garantem não ser permeáveis às pressões externas na definição das suas políticas monetárias.
Até ao momento, reconhecendo-se que a China ainda precisa de reforçar outras vantagens competitivas mais estruturais, ao nível das qualificações, da capacidade de inovação, da eficiência dos mercados e das empresas, terá que se apontar aos baixos custos salariais (que tanto encantaram o então Ministro da Economia Manuel Pinho) o principal sucesso dos seus produtos nos mercados internacionais.
Acontece, porém, que os desequilíbrios de rendimento criados pelo crescimento acelerado das últimas décadas, as notícias sobre os primeiros episódios de escassez na contratação de recursos humanos, as reivindicações de aumentos salariais (até por contraponto com os níveis remuneratórios dos recursos estrangeiros na China) estão a criar fortes pressões para um aumento progressivo dos salários e a inerente redução de tal vantagem competitiva nos próximos anos.
E, nesse cenário, a manutenção de uma divisa de baixo valor, cada vez mais utilizada e reconhecida a nível internacional (ainda que não totalmente convertível em outras moedas) – como resulta de várias iniciativas que vêm sendo encetadas pelo Governo Chinês ao nível das trocas comerciais e dos mercados financeiros - pode bem ser o segredo do prolongamento do actual sucesso chinês.
O “pequeno” Yuan seria assim a nova muralha da China...

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Portugal na lama


Qualquer gestor sabe que um dos elementos fundamentais de um projecto empresarial de sucesso pode bem ser a correcta gestão da marca da sua empresa ou dos seus produtos ou serviços.
Aliás, o mesmo conceito se aplica a diversas organizações sem fins lucrativos, aos partidos políticos ou até a indivíduos de um vasto leque de actividades profissionais, sejam elas artísticas ou técnicas.
Assegurar que uma marca é conhecida, apreciada, respeitada e que se mantém portadora de todo um conjunto de atributos que mais reforçam e atestam da sua valia não é tarefa fácil, sendo normalmente o resultado de um esforço continuado no tempo e sustentado em certa estratégia.
Todavia, como em tantas coisas na vida, a delapidação do património de uma marca é bem mais fácil e célere que o processo que conduziu à sua afirmação, podendo mesmo resumir-se a um incidente de um instante cujos danos podem ser dificilmente reparáveis ou mesmo irreversíveis.
Há, porém, excepções a estes princípios, sendo o mundo do desporto especialmente propenso à existência de processos de regeneração acelerada. Afinal, quantas não são as personagens que actuam neste palco que não passam pelo carrossel de emoções que transforma as bestas de um dia nos bestiais do dia seguinte e vice-versa?
Mesmo dando esse desconto, a verdade é que aquilo que se está a passar ao nível da Federação Portuguesa de Futebol, e com especial ênfase na Selecção Nacional sénior, é bem merecedor do título de capa de um dos jornais desportivos na edição do dia que se seguiu ao vergonhoso empate com a Selecção de Chipre: “E ninguém vai preso!
À actual equipa dirigente da Federação, cujo Presidente exerce funções há já 14 anos – um recorde na centenária história da instituição -, podem assacar-se várias críticas pela forma como tem pactuado com os principais dislates administrativos do futebol nacional, pelo parco investimento no futebol de formação, pelas contínuas incongruências em matéria de justiça e disciplina, pela falta de qualificação da arbitragem e do dirigismo (cuja renovação, por razões óbvias, nunca foi também um objectivo a prosseguir).
Ainda assim, há um mérito que não lhe pode ser negado: neste período, Portugal viveu o mais extenso período de sucesso do futebol nacional, com consecutivas qualificações para as principais provas internacionais, com o registo de classificações meritórias nestas, com a projecção de jogadores e treinadores para níveis de mediatismo de escala planetária, com a celebração de chorudos contratos de sponsorização e a obtenção de vultuosos cachets pela participação em meros amigáveis.
Em suma, ainda que beneficiando de uma série de circunstâncias externas (como a notoriedade individual dos atletas e o trabalho dos clubes) e tendo adquirido estranhos tiques burgueses (próprios do novo-riquismo reinante), a Federação construiu uma marca – a Selecção Nacional – com ganhos financeiros efectivos em diferentes domínios e com um benefício imaterial não despiciendo sobre a própria auto-estima do País.
No período mais recente – desde a qualificação para o último Mundial -, Portugal começou por perder a força da marca dentro de campo, substituindo um futebol atractivo que nos facultou o título de Brasil da Europa (antes mesmo dos processos de naturalização de jogadores) por exibições amorfas, excessivamente calculistas e entediantes.
Fora de campo, a Federação já demonstrara que não era muito dada a exercícios de liderança quando se escusou a criticar sequer um Seleccionador que tentou agredir um adversário no relvado numa partida oficial. Daí a tolerar os enxovalhos a uma equipa de profissionais da ADOP no famigerado controlo anti-doping da Covilhã vai uma curta distância, em mais uma demonstração triste dos padrões que se querem incutir aos praticantes e adeptos da modalidade.
Em linha com as boas práticas nacionais, o que antes era um pormenor infeliz pode agora tornar-se um bom pretexto para consumar uma decisão que a dita Direcção da Federação devia ter tomado imediatamente após o Mundial, apenas em função do desempenho desportivo.
De Selecção com lugar cativo no Top-10 da FIFA, Portugal passou rapidamente a objecto de caricatura e enxovalho no plano internacional, tendo já posto seriamente em risco a sua participação no próximo Europeu de Futebol.
A Agostinho Oliveira, Carlos Queiroz e outros que tais, resta invocar a máxima do Velho Capitão benfiquista Mário Wilson: “- Quem dá o que sabe, a mais não é obrigado…
A Queiroz, porém, reconheça-se a capacidade visionária: há quase duas décadas, bateu com a porta da Selecção com palavras que hoje se revelam plenamente actuais: “-É preciso limpar a porcaria da Federação!
Como a participação no Euro já está ameaçada e uma suspensão das competições internacionais nem causa grande mossa, resta apelar ao Secretário de Estado Laurentino Dias que dê alguma utilidade à sua vocação para a ingerência na esfera do movimento associativo: arranje forma de substituir Madaíl e os seus pares. Já! A bem de Portugal…