segunda-feira, 31 de março de 2008

A descida do IVA


Por paradoxal que possa parecer, a decisão de descida da taxa do IVA que o Primeiro-Ministro tornou pública na pretérita semana teve tanto de surpreendente quanto de inevitável.
Surpreendente, porque contrariou totalmente o discurso (ainda recentemente utilizado) e a estratégia política de consolidação das contas públicas assumida por este Governo.
Inevitável, porque face às características da nossa economia, à conjuntura actual e ao comportamento dos nossos parceiros, em particular da vizinha Espanha, era impossível manter um tão significativo diferencial de taxas como o que estava em vigor.
É especialmente sob esses dois prismas de análise que se pode avaliar a recente iniciativa do Governo do Partido Socialista, mas não só.
Comecemos então pelo discurso e pela estratégia. Está hoje claro aos olhos de todos os Portugueses que os resultados alcançados por este Governo ao nível do controlo do défice orçamental, que potenciaram, como também recentemente foi divulgado, a obtenção de uma marca histórica nos valores de 2007, foi alicerçada num aumento sustentado das receitas fiscais e no esmagamento do investimento público, mais do que num efectivo controlo da despesa corrente.
Este aumento das receitas fiscais resultou de uma mais eficaz política de combate à evasão e à fraude fiscal, na linha do trabalho desenvolvido pelo anterior Director-Geral das Contribuições e Impostos, Dr. Paulo Macedo, mas sobretudo de uma efectiva subida da carga fiscal incidente sobre particulares e empresas (com o aumento do IVA, IRS e outros impostos sobre o consumo).
Doze dias antes da data do anúncio desta decisão, o mesmo Primeiro-Ministro afirmava convictamente que era “leviano e irresponsável falar em baixar impostos”, em resposta às propostas então formuladas pelo líder da Oposição.
É certo, lembrarão alguns, que José Sócrates acrescentou a tal expressão a ideia de que era necessário “conhecer em pormenor os dados da economia portuguesa do ano passado” e que, sublinhou, teríamos que estar “seguros de que tudo aquilo que ganhámos nestes últimos anos não será posto em causa”.
Mas alguém acredita que o Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças não tinham qualquer noção dos dados que depois vieram a ser divulgados? E que no dia 26 de Março é que ficaram com segurança sobre a solidez da descida do défice? É que mesmo que existissem dúvidas sobre o acerto final e que uma décima de PIB até represente verbas muito significativas, o que é que esse eventual diferencial garante em termos de sustentabilidade da consolidação orçamental?
Trata-se, obviamente, de mera estratégia eleitoral. E é extremamente provável que a taxa volte a descer pelo menos mais um ponto percentual em 2009, retomando os valores de 2005, porque o Primeiro-Ministro tem consciência que tem mais valor eleitoral dizer que desceu duas vezes a taxa do que promover já uma descida de maior amplitude.
Mas esta descida era igualmente inevitável por razões que se prendem com a competitividade do nosso tecido empresarial, quer interna quer externamente.
O IVA representa um pesado acréscimo sobre o valor dos produtos e serviços transaccionados, sendo particularmente crítico que o parceiro comercial com o qual temos um maior volume de trocas tenha uma taxa significativamente mais baixa.
Neste âmbito, as novas descidas só não serão irreversíveis se ocorrer qualquer ajustamento em alta da taxa do IVA do lado de lá da fronteira.
Sempre que se verifica este tipo de movimentos das taxas de um imposto sobre o consumo, coloca-se sempre a questão de saber quem serão os reais beneficiários da medida, se os consumidores, se os produtores/distribuidores.
E, por mais que o Governo ameace com o reforço da fiscalização, que os retalhistas reiterem o seu compromisso de descida de preços e avancem até com aquelas campanhas-tipo do “nós antecipámos a descida do IVA: não espere por Julho para ter todos os preços 1% mais baratos” (0,83% dos preços actuais, para ser mais rigoroso), não fiquem muitas dúvidas que esta medida reverte quase integralmente em favor das empresas, o que não é necessariamente mau.
A título de exemplo, para lá de problemas ligados aos arredondamentos dos novos valores, tendo por base os preços actuais, a mudança de preços é manifestamente impraticável pelo custo que a própria operação acarretaria na generalidade das superfícies comerciais.
A juntar a tudo isto, na mediática análise da variação do custo dos cabazes-base de uma qualquer família-tipo, valerá a pena lembrar que há bens e serviços cuja taxa de incidência do IVA é inferior aos actuais 21% da taxa normal.
Em suma, esta é uma daquelas medidas que, sendo intrinsecamente positiva, também aparenta mais do que é, e pode ser jogada como trunfo eleitoral, sem que da mesma revertam especiais benefícios para o bem-estar concreto dos cidadãos.
E essa é uma questão que, cada vez mais, urge colocar na agenda governativa.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Autoridade q.b.


Em termos legais e estatutários, “a Autoridade da Concorrência (AdC, ou Autoridade) tem por missão assegurar a aplicação das regras de concorrência em Portugal, no respeito pelo princípio da economia de mercado e de livre concorrência, tendo em vista o funcionamento eficiente dos mercados a repartição eficaz dos recursos e os interesses dos consumidores, nos termos previstos na lei”.
Ao longo dos seus cinco anos de actividade a Autoridade tem merecido uma ampla cobertura mediática, quer por força da delicadeza de alguns dos assuntos tratados – que implicam directamente com o bem-estar de todos os cidadãos, quer por via da imposição legal de emitir parecer sobre algumas das operações mais significativas que envolveram o tecido empresarial nacional.
Pessoalmente, tendo a reputar como essencial o papel que uma instituição com estes fins desempenha em qualquer economia, atendendo aos valores e bens públicos que a mesma visa preservar, e efectuo também um balanço positivo destes primeiros cinco anos de vida, pese embora diversas condicionantes a que já irei aludir.
Para o efeito, há que ter presente a esfera de intervenção da AdC, em linha com os valores constitucionais que estão subjacentes à sua actuação e as melhores práticas dos organismos internacionais análogos.
Assim, a sua missão traduz-se em actividades que se desenvolvem no domínio do controlo das estratégias empresariais e do combate às práticas restritivas e abusivas; da identificação de mercados em que a concorrência esteja restringida e da promoção de soluções em benefício dos consumidores e que melhorem a eficiência; da elevação da consciência pública sobre o contexto e benefícios da concorrência; e, finalmente, da prestação de serviços ao governo, às agências de regulação e à sociedade.
Nestas diferentes perspectivas, a AdC incide a sua actuação sobre matérias tão distintas quanto as operações de fusão e aquisição, os acordos de cartelização do mercado e os abusos de posição dominante, ou mesmo questões decorrentes da actuação do Estado, como a regulamentação sectorial, os concursos públicos, as ajudas de Estado ou a actuação do sector público empresarial e de entidades autónomas públicas.
Voltando à aferição do balanço da actividade da Autoridade, retenho-me na apresentação que o seu Presidente cessante, Professor Abel Mateus, efectuou na Comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da Republica, no passado dia 12 de Março.
Na ocasião, Abel Mateus começou por enquadrar os fundamentos macroeconómicos da Autoridade: “Para construir uma economia mais competitiva temos de ter empresas pressionadas pelo processo da concorrência. Só assim elas se tornam mais eficientes e se dedicam vigorosamente à inovação.” Por outro lado, lembrou que “para além da política fiscal, a política da concorrência dá um contributo fundamental para a correcção das desigualdades sociais. Ao fazerem subir artificialmente os preços, os cartéis apropriam-se dos rendimentos dos consumidores em favor de uns poucos. Também os monopólios ao praticarem preços excessivos se apropriam do rendimento dos consumidores. E ambos afectam de forma desproporcionada as classes de menor rendimento”, apontando mesmo os exemplos das telecomunicações, energia e outras infra-estruturas.
Em jeito de balanço, o Presidente da AdC assegurou que “a Autoridade de Concorrência retribuiu pelo menos 20 euros por cada euro que os contribuintes/consumidores portugueses lhe entregaram durante este primeiro mandato”.
A título de exemplo, referiu que “as 13 decisões condenatórias da Autoridade no primeiro mandato deste Conselho, puseram fim a práticas que lesavam os consumidores portugueses num valor de 430 a 690 milhões de euros, numa estimativa conservadora”, formulando votos de que “os Tribunais façam justiça e restituam aos consumidores, aqui representados pelo Estado, pelo menos parte dos rendimentos das empresas que violaram a Lei e se apropriaram ilegalmente.”
Em outra esfera, os dados não são menos significativos: “Das 328 concentrações notificadas à AdC, apenas 3 foram “Chumbadas” e 18 foram objecto de remédios. Estas restrições impostas pela Autoridade evitaram que os consumidores portugueses perdessem 180 a 380 milhões de euros, apenas efeitos imediatos”.
Por sua vez, assim tivessem sido completamente aproveitadas as recomendações e pareceres que a Autoridade prestou ao Governo, com destaque para “o levantamento do congelamento de novas licenças para grandes superfícies e à adopção de menos regulação no sector”, “os estudos sobre energia”, “a recomendação sobre combustíveis que propunha uma nova linha de concorrentes através das cadeias de supermercados”, ou “a recomendação para a eliminação das barreiras à entrada nas farmácias”, os benefícios poderiam ter ascendido a algumas centenas de milhões de Euros, apenas considerando o impacto de curto prazo.
Neste âmbito, “a recomendação da separação da propriedade das redes de cobre e cabo de telecomunicações”, que a OCDE identificou como sendo o segundo elemento mais importante para o crescimento económico, logo atrás da educação, terá um benefício de longo prazo que, actualizado, representará entre 2 e 4% do PIB.
Todavia, se “as dezenas de queixas que recebemos todos os dias atestam o papel que a Autoridade assume na sociedade portuguesa”, Abel Mateus não deixa de lamentar a sujeição a pressões da imprensa económica e das mais diversas instâncias, efectuando o apelo à intervenção do poder legislativo no sentido de dotar a Autoridade de mais meios, materiais e legais.
Neste particular, alertou mesmo para “a desigualdade de armas” que facilita a anulação e diferimento de processos por irregularidades processuais ou alegações de inconstitucionalidades e que rapidamente contribuem para a sua prescrição face às demoras dos processos judiciais.
Contundente, Abel Mateus alude ao estímulo ao florescimento da actividade de advocacia, assegurando que “esta barragem cerrada promovida pelos grandes escritórios, pagos pelas grandes empresas, embora lhes assista todo o direito, leva-nos a pensar se existe ou não excesso de litigância”. A este propósito, um exemplo elucidativo e chocante: “existem ainda pendentes 6 processos de impugnação da PT contra a Autoridade no caso da OPA, volvidos que são mais de um ano sobre o seu desfecho!...”
Desta intervenção, alusão ainda à curiosa referência à ausência de uma “cultura de concorrência por parte dos grandes grupos”, invocando exemplos internacionais em que as empresas acusadas em processos de cartelização acataram as decisões, adoptaram medidas disciplinares internas contra os implicados e pediram desculpas aos consumidores.
Tudo, como frisou, na salvaguarda de um valor que á caro aos empresários internacionais: “a reputação no cumprimento das leis”, que agora caberá à equipa de Manuel Sebastião inculcar nos empresários portugueses.

segunda-feira, 17 de março de 2008

O modelo ATEC


Circunstâncias de natureza profissional levaram-me a conhecer há relativamente poucos meses a ATEC – Academia de Formação, uma entidade com personalidade jurídica autónoma mas que se encontra intimamente ligada às suas entidades promotoras: o Grupo Volkswagen Autoeuropa, a Siemens, a Bosch e a Câmara de Comércio e Indústria Luso-Alemã.
Mais do que um departamento de formação dirigido a este conjunto de empresas, o que se poderia intuir do facto de as actuais instalações da ATEC coincidirem com as das suas promotoras (em Palmela, junto à Autoeuropa; em Perafita, junto à Siemens; e, a breve prazo, em Aveiro, onde se encontra sedeada a Bosch), esta Academia de Formação cedo assumiu uma orientação de mercado, enquanto prestadora de serviços ao exterior, estabelecendo parcerias com outras entidades e procurando captar um público de formandos cada vez mais alargado.
Em todo o caso, o elemento distintivo fundamental da ATEC é precisamente a fortíssima ligação ao meio empresarial, quer na vertente formativa, quer pela lógica da progressiva integração profissional dos jovens, quer pela capacidade de interagir com as reais necessidades das entidades que procedem a acções de recrutamento, desde a formatação dos cursos até à fase de colocação dos formandos.
É assim que a ATEC dispõe de uma alargada base de entidades e empresas parceiras que colaboram activamente na formação de jovens no sistema de formação em alternância, acolhendo os formandos no período de Formação Prática em Empresa, num sistema especialmente valorizado pela ATEC porquanto permite a formação e o desenvolvimento, com qualificações específicas, de técnicos especializados à medida das empresas.
Como é natural, este sistema tem ainda a vantagem de facilitar uma futura inserção do formando nos quadros da empresa, através da identificação do formando com a política e com a cultura da empresa desde a fase inicial da sua formação.
Esta orientação prática que se evidenciou desde a sua origem, há apenas quatro anos, é igualmente visível nas áreas de formação disponibilizadas, onde se conjugam as habituais temáticas do ambiente, comportamental, comercial, línguas, qualidade ou segurança, com vertentes como a automação, a domótica, a electrónica, a maquinação ou os sistemas informáticos, para lá de outros domínios de natureza técnica de cariz mais tradicional.
No que respeita aos sistemas informáticos, por exemplo, mais do que a mera disponibilização de conceitos de suporte à utilização da informática na óptica do utilizador, a ATEC faculta o acesso a algumas das mais relevantes certificações internacionais (como a CISCO e a Microsoft) o que eleva exponencialmente a fasquia de empregabilidade dos recursos humanos envolvidos.
Neste e noutros domínios, aliás, a ATEC tem enveredado o trilho do estabelecimento de parcerias com entidades de ensino superior, com vista à convalidação de algumas das formações ministradas e visando facilitar o acesso dos seus formandos à formação superior de tais entidades.
No conjunto da sua actividade, que é também reforçada pela vertente de consultoria empresarial, esta Academia de Formação disponibiliza uma ampla oferta formativa de cursos para jovens de várias profissões, de nível III a V, com especial predominância para os cursos que conferem dupla certificação, escolar e profissional, a que junta acções de formação contínua para actualização e aperfeiçoamento dos activos das empresas, destinados aos mais diversos grupos profissionais, quer se trate de cursos para Executivos, para os níveis Técnicos ou para Operadores.
Quando há algumas semanas apelava neste espaço a uma nova abordagem para a formação profissional no nosso Pais, com vista à efectiva concretização dos objectivos de qualificação do nosso tecido produtivo e a um melhor aproveitamento dos recursos financeiros disponibilizados pela União Europeia, este era necessariamente um dos modelos de gestão que tinha em mente.
De facto, confesso que uma das primeiras questões que me coloquei quando conheci em profundidade a realidade da ATEC foi se não haveria espaço para uma entidade desta natureza, com este tipo de abordagem ao processo formativo, na região de Braga.
Hoje, após ouvir a opinião de alguns dos potenciais parceiros que teriam que estar forçosamente envolvidos neste projecto, não me restam muitas dúvidas de que não haverá grandes condições para a sua concretização no futuro próximo.
Todavia, não deixa de ser curioso que a Coordenadora das Comissões de Trabalhadores do Distrito de Braga tenha apresentado como prioritária a ideia de criação de uma escola de formação profissional para o Vale do Ave e que esse pareça ser o principal projecto que a Câmara de Guimarães quer ver financiado no âmbito do QREN.
Teremos uma nova ATEC a caminho do berço da Nação?

terça-feira, 11 de março de 2008

Empresas Familiares


Dos pequenos projectos de rua a inúmeras grandes empresas dos mais diversos sectores de actividade é possível identificar inúmeras sociedades que se podem classificar como sendo “Empresas Familiares”.
A nível nacional, são “Empresas Familiares” grandes grupos económicos como a Sonae, a Corticeira Amorim, o Grupo Espírito Santo, a Têxtil Manuel Gonçalves, o Grupo José de Mello, ou o Grupo Pestana, entre muitos outros.
A nível local, são também “Empresas Familiares” alguns dos principais grupos de construção civil da região de Braga como por exemplo os Empreiteiros Casais, o Grupo DST, a Eusébio & Filhos, a Cantinhos ou a Duarte e Filhos, também aqui procurando invocar casos de dimensão diversa.
Na base desta classificação, de que se poderiam enumerar várias outras ilustrações, está não apenas a propriedade das sociedades mas também alguma capacidade de influenciar e controlar a respectiva gestão, envolvendo mais do que uma geração de protagonistas.
Apesar das suas múltiplas concretizações, a realidade das “Empresas Familiares” apresenta traços comuns que as tem transformado num universo apetecível para a profusa investigação académica que vem sendo realizada, incidente sobre a cultura da empresa, a forma como a mesma acolhe os valores e posturas da família, o impacto nos meios em que se encontra inserida e a forma como são geridos e preparados os processo sucessórios.
Alguém duvida que existe uma relação quase umbilical entre o desenvolvimento de Campo Maior e a história do Grupo Delta do Comendador Nabeiro?
E em quantas localidades são empresas de cariz familiar os principais empregadores de toda uma região de algumas décadas a esta parte?
Neste modelo de empresas, tende a haver uma íntima associação entre o nome da família e a sua afirmação nos territórios, uma tendência para uma maior fidelização dos colaboradores, uma lógica de continuidade de actuação e de uma superior celeridade nos processos decisórios, que muitas vezes assumem até um carácter informal.
Ainda assim, existe alguma evidência de que este tipo de empresas consegue obter maiores rendibilidades, seja pela superior facilidade de relacionamento entre a equipa de gestores, seja pela inerente associação entre os proprietários e a gestão da empresa.
Nestas duas vertentes, porém, podem também invocar-se os argumentos contrários e aspectos que poderão ser alguns dos principais problemas que se colocam a estas sociedades: como as condicionantes ao processo de angariação de fundos, por forma a não pôr em causa o controlo familiar, ou as restrições ao recrutamento e/ou progressão na carreira de gestores de topo que não pertençam à família dos proprietários.
Da mesma forma, há por vezes alguma ligeireza na forma como são tratadas as questões de natureza administrativa e financeira entre familiares (com o caso crítico da confusão entre o património da empresa e da família) e uma certa propensão para o favorecimento de membros da família na sua progressão hierárquica – o que chega a ser tido por natural.
O problema que se levanta neste domínio é que esse fenómeno pode prejudicar a profissionalização da gestão, colocando entraves ao desenvolvimento do projecto empresarial em questão, tanto mais que parece claro que nem todos os membros da família terão as mesmas capacidades e empenho dos seus antecessores.
O mesmo tipo de juízo de valor pode ser suscitado quanto às condições em que deve ser concretizado o processo sucessório: Quando? De que forma? Com que protagonistas?
Para cada uma destas e de várias outras questões que surgem neste contexto, as respostas são igualmente diversificadas, embora com traços comuns que resultam da doutrina e dos guias de boas práticas que vão sendo elencadas, mas que não podem ser aplicadas como guia generalizado.
Talvez por força das dificuldades que resultam destes factores, o cenário não é claramente o mais animador.
Segundo John Davis, um dos maiores especialistas mundiais na área, que amanhã participa no Porto num Seminário promovido pela APEF – Associação Portuguesa de Empresas Familiares, "apenas 10 em cada 100 empresas familiares chegam à quarta geração".
Na mesma linha, outro reputado especialista internacional, Roberto Morales, aproveitou a sua participação num seminário promovido recentemente em Braga pelo BIC Minho – Oficina de Inovação para dar nota de que “cerca de 50% das empresas familiares desaparecem na segunda geração e apenas 15% sobrevivem à terceira”.
É neste contexto que começam a surgir várias formações especializadas de diversa natureza, especialmente dirigidas a estes públicos-alvo, a última das quais o 1º MBA em Gestão, Governo e Sucessão de Empresas Familiares, que a APEF irá promover em parceria com a Universidade Fernando Pessoa, em Lisboa, a partir de Abril próximo.
Na verdade, por mais que haja também o percentual de sucesso nestes processos e haja situações bem sucedidas que parecem acontecer com naturalidade, talvez valha a pena pensar que existe muita preparação anterior e que mais vale prevenir.

segunda-feira, 3 de março de 2008

A micro-economia nacional


O Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata (GP-PSD) organizou em Braga há cerca de 3 semanas um encontro com empresários em que se procurou discutir as políticas públicas de apoio às pequenas e microempresas.
Na sequência das conclusões desta sessão em que participaram o Presidente do GP-PSD, Pedro Santana Lopes, algumas dezenas de empresários locais e representantes das principais Associações Empresariais Bracarenses, foi já produzida uma intervenção de fundo pelo Deputado Almeida Henriques e submetido um Projecto de Resolução sobre os apoios a conceder a esta significativa parcela do tecido empresarial.
Este tema não é claramente apenas mais um da dialéctica pública e parlamentar entre o Governo e a Oposição.
No cômputo geral, as micro, pequenas e médias empresas do nosso País representam 99% do nosso tecido económico, 57% do volume de negócios e mais de dois milhões de postos de trabalho. Destes, quase 1, 2 milhões de pessoas encontram-se afectas ao estrato das microempresas, independentemente de se tratar de projectos ligados ao sector primário, secundário ou terciário.
Quem segue o discurso oficial, parece que esta enorme parcela da nossa economia é irrelevante ou desprezável, à medida em que só ouvimos o Governo centrar atenções nos Grandes Projectos, nas Grandes Empresas, nos Grandes Investimentos.
É, aliás, uma atitude coerente com a prática governativa mais centralista de que há memória, que viabiliza a exibição desta atitude de sobranceria sobre este tipo de empresas, com a mesma facilidade com que se negligenciam os anseios das populações do interior do País ou das pequenas e médias urbes do litoral.
No filme do “Portugal Ideal”, do Plano Tecnológico, das Novas Tecnoclogias e dos projectos de vanguarda nos sectores de ponta, especialmente dirigidos à internacionalização da nossa economia, parece não haver espaço para as pequenas explorações agro-pecuárias, para os artesãos e pequenos industriais, para o comércio tradicional, para os serviços de proximidade da mais diversa natureza.
É certo e sabido, nenhum barbeiro ou proprietário de café traduz o novo paradigma de desenvolvimento de que o País carece, nenhum pode assegurar o ritmo de crescimento da actividade económica que todos ambicionamos e, muito menos, nenhum consegue assegurar a competitividade externa da nossa economia.
Todavia, alguém pode dizer como seria o nosso País sem esse tipo de actividades? Não é neste âmbito, mais do que em qualquer outro contexto, que melhor floresce o espírito empreendedor e a capacidade de criação de emprego que tanto se apregoa?
A aposta nas microempresas é, assim, um instrumento fundamental da política económica, mas também das políticas sociais e da política de desenvolvimento territorial.
Para tal, impõe-se que o Estado cumpra os seus prazos de pagamento, quer no quadro do seu normal aprovisionamento de bens e serviços, quer na esfera da liquidação dos pedidos de pagamento das candidaturas submetidas a fundos comunitários.
É totalmente inaceitável que se leia, como aconteceu recentemente, um responsável de um Programa Comunitário assegurar que os atrasos nos pagamentos de tais verbas se traduziam num contributo desse Programa para a redução do défice público no ano em apreço. A que custo?
Tanto mais que, em contrapartida, o Estado reage sem qualquer tipo de complacência em relação a este tipo de empresas através da máquina fiscal, assumindo-as como alvo preferencial e desencadeando mecanismos legais que rapidamente conduzem à sua extinção.
Bem pelo contrário, o Estado devia impulsionar a actividade e o aparecimento de empresas desta natureza, quer pelos apoios ao empreendedorismo (com infra-estruturas de apoio a esta franja do tecido empresarial), quer pela dinamização das iniciativas que lhes são dirigidas pelas Associações Empresariais, quer por acesso facilitado a crédito bonificado, a capital de risco e a mecanismos de garantia mútua, quer ainda por consultoria técnica especializada na sua fase de arranque e pelo incentivo à integração de quadros qualificados.
Para muitas destas vertentes, bastaria, de uma vez por todas, que o acesso aos Programas Comunitários fosse efectivamente facultado a este tipo de empresas, abrindo-lhes porta à afirmação da viabilidade e sustentação dos seus projectos.
Se olharmos, por exemplo, para a realidade do Distrito de Braga, rapidamente podemos identificar um vasto conjunto de actividades que poderiam beneficiar de uma maior abertura do Estado para este tipo de empresas: a componente artesanal em Vila Verde ou Barcelos, a Agricultura Biológica, a Filigrana na Póvoa de Lanhoso, o Turismo, os Serviços Sociais de Proximidade, a Cultura, o Comércio, etc..
Não o fazer é que será, por paradoxal que pareça, pensar muito pequenino…